Capítulo IV – A crise jurisprudencial na fixação de alimentos devidos a menores a
3. Limite máximo mensal a cargo do FGADM por cada devedor? 76
ao progenitor que incumpriu, com o fim de evitar eventuais abusos desencadeados com a fixação da prestação, por acordo dos progenitores, em valores que sabe, que à partida, não ser possível cumprir.
Deste modo, consideramos que o Acórdão uniformizador de 2015 andou bem, tendo tomado a posição mais correta e equilibrada, protegendo os interesses dos menores carenciados e dos menores carenciados vindouros.
3. Limite máximo mensal a cargo do FGADM por cada devedor?
Anteriormente à alteração legislativa da Lei 75/98 pela Lei 66-‐B/2012, de 31 de dezembro colocava-‐se a questão de saber se os 4UC’s que a lei estabelecia como limite máximo a assegurar mensalmente seria por cada devedor ou por cada credor.
O legislador de 2012 veio esclarecer esta questão, estabelecendo no artigo 2.º, n.º1 da supra mencionada lei que as prestações atribuídas pelo Tribunal ao Fundo “não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS,
independentemente do número de filhos menores”. Terá o legislador andado
bem, ao dispor neste sentido?
REMÉDIO MARQUES173, tal como alguma jurisprudência174 anterior à nova
redação legal, considerava que efetivamente o limite legal a cargo do Fundo deveria ser por devedor, independentemente do número de filhos que este tivesse, sustentando ainda que tal entendimento não feriria o princípio da igualdade nem consubstanciaria numa discriminação. Assim o entendem porque “a capacidade económica do progenitor em função do número de menores a quem
deve prover ao sustento não pode deixar de constituir um critério objetivo de quantificação dos alimentos e influenciar o montante da pensão a atribuir a cada um dos alimentados”.175
A ideia base é a de que, por respeito aos direitos sociais constitucionalmente consagrados, dever-‐se-‐ia ter sempre em conta a capacidade do obrigado à
173 MARQUES, J.P. Remédios. Algumas considerações… ob. Cit. p. 239 ss
174 Ac. Relação de Lisboa, de 22.09.2009; Ac. Relação do Porto, de 02.12.2008 e de 18.06.2007; Ac.
Relação de Évora de 14.04.2008, consultável em www.dgsi.pt
prestação de alimentos, tendo, por essa mesma razão, de estabelecer um limite inultrapassável a favor do devedor, e não do credor.
No entanto, não perfilhamos do entendimento desta corrente, pois esta não assegura o superior interesse da criança, princípio, aliás, subjacente à própria ideia da criação do Fundo. Entendemos, sim, que se trata de uma pluralidade de beneficiários que viram o seu direito a alimentos violado pelo progenitor devedor. Ou seja, e adotando as palavras do douto tribunal da Relação de Lisboa, deixando o obrigado de cumprir a obrigação de alimentos, “sendo embora a única
pessoa, é devedor tantas vezes quanto os filhos menores a quem tiver deixado de prestar a obrigação de alimentos devida”176. Nesta senda, estamos em crer que a
opção do legislador de 2012 não foi, novamente, a mais feliz, porquanto não respeita o objetivo de criação do Fundo, na medida em que “apesar de este limite
poder ser utilizado como um controlo com os gastos do Estado em apoios sociais, principalmente tendo em conta a situação económico-‐financeira do país, não se poderá considerar que exista a satisfação do tal fim do FGADM de garantia de alimentos devidos sem deste modo termos em ponderação o número de menores beneficiários da prestação”.177
Mas mais, a opção legislativa leva ainda a que surjam situações violadoras do princípio de igualdade consagrado no artigo 13.º, n.º1 da CRP, que nos ensina que devemos tratar igual o que é igual, e diferente o que é diferente. Exemplificamos, dando o seguinte exemplo:
No caso de estarmos perante um único menor como beneficiário de um progenitor devedor, esse teria como limite o pagamento de uma prestação mensal no valor de 419,22€. O mesmo limite se aplicará ao caso de uma família que terá no seu agregado familiar cinco ou seis menores todos beneficiários de prestações alimentícias do mesmo progenitor devedor. Neste caso estaríamos perante o mesmo limite para um número elevado de menores, sendo que por exemplo no caso de cinco menores, o limite por cada menor seria de 83,84€”.178
176 Ac. da Relação de Lisboa de 27.10.2009, consultável em www.dgsi.pt 177 Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 04/06/2009.
178 DIONÍSIO, Miriam Vanessa Campos. Fundo…ob.cit., p. 57, tendo em conta os valores de IAS em
Nestes termos, uma segunda corrente defende que o limite estabelecido na lei deve apenas ser referente a um credor, e não a um devedor tal como consta da lei.
De nossa parte, avançamos desde já que não concordamos com a opção legislativa por duas ordens de razão: primeiramente, porque consideramos que não deve haver uma assunção de responsabilidade subsidiária por parte do Fundo num valor superior ao que já foi anteriormente estipulado em sede de regulação das responsabilidades parentais, razão pela qual entendemos que nem sequer deveria considerar-‐se um “limite”, pois que se o fundamento da criação do Fundo é a substituição subsidiária do devedor original, então é nesse montante judicialmente fixado que deve substituir. Em segundo lugar, e seguindo aqui a segunda corrente já supra mencionada, consideramos que existe um inegável erro e desconsideração ao caso concreto por parte do legislador no momento da feitura da lei, porquanto se afigura apto a criar situações desiguais e discriminatórias.
Assim, consideramos que não deveria o legislador ter estabelecido um limite em razão do devedor, mas sim em razão do credor, por tal se poder traduzir em situações de desigualdade quando olhamos para os casos em que o agregado familiar compreender vários menores a cargo do progenitor que detém a sua guarda. Claramente não está protegido o superior interesse da criança, pois que crianças igualmente carenciadas, teriam tratamentos manifestamente diferentes: quanto maior o número de irmãos, menos ajuda teria do Estado, o que se afigura inaceitável perante um Estado de direito Social. Isto porque “As crianças são, (…),
uma responsabilidade de todos nós enquanto membros da sociedade civil e do estado, daí o dever de protecção às crianças, o que implica a contribuição também monetária para o seu desenvolvimento pleno e integra”. 179
No entanto, também não consideramos que a opção da segunda corrente supra mencionada seja aceitável, porquanto o limite de 1 IAS por credor afigura-‐se evidentemente excessivo e desenquadrado da atuação final do FDGAM bem como dos direitos que pretende acautelar (a todas as crianças carenciadas).
Aliás, no limite, colocaria em causa a própria subsistência do Fundo e, por consequências, os direitos dos menores carenciados e necessitados.
Assim, somos da opinião que o limite deverá ser aquele que já foi fixado a favor do menor em sede de regulação das responsabilidades parentais.