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Instrumentos de responsabilidade social das empresas

Capítulo 2. Responsabilidade social das empresas – Análise conceptual e teórica

2.2 Instrumentos de responsabilidade social das empresas

Organismos de atuação internacional, como, por exemplo, a ONU, a CE, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) e a UNICEF, preocupados com as repercussões nacionais e multinacionais de um mercado orientado para o lucro, publicaram algumas normas no que à RSE diz respeito. O Pacto Global, desenvolvido pela ONU, é um dos códigos de conduta empresarial que assume maior relevância no palco internacional. Este código apresenta dez princípios que pretendem orientar as empresas num caminho socialmente responsável. A nível europeu, o livro verde da Comissão Europeia é também outro importante manual orientador para a RSE.

As empresas podem reger-se pelas normas inscritas nestes códigos, alcançando uma conduta socialmente responsável. Exemplos de códigos que comprovam a RSE são a certificação SA 8000, certificação internacional que se constitui como um padrão ético de RS para as organizações, e o guia ISO 26000, que fornece orientação sobre como as empresas e as organizações devem operar de uma forma socialmente responsável, contribuindo para a saúde e para o bem-estar da sociedade. Além de cumprirem as regras inscritas nos códigos orientadores, as empresas mais ambiciosas tendem a procurar a real certificação destas mesmas práticas. A atribuição de certificações obriga à completa transparência da atividade das empresas e, por isso, supõe-se que uma empresa certificada por uma das normas indicadas terá notoriedade e credibilidade acrescidas.

A certificação SA 8000 é das normas internacionais mais referenciadas e mais conceituadas relativamente à certificação da RSE (ATP, 2011). Em 2016, 3924 empresas estavam certificadas com a norma, estando representados 68 países e 55 sectores (Social Accountability Accreditation Services, 2017). Apesar disto, Gilbert e Rash (2010:5) afirmam que a norma “ainda não é suficientemente representada na literatura de RSE nem na literatura sobre ética dos negócios”.

Leipziger (2001) refere que a adoção desta certificação é muito dispendiosa não só financeiramente, mas também em termos de tempo dispensado, podendo acarretar um aumento do custo na mão-de-obra e nas condições de trabalho oferecidas. As condições de trabalho estão sujeitas à avaliação de diversos riscos, entre eles os psicossociais, considerados cada vez mais preocupantes pela sociedade atual, à medida que outros riscos mais primários vão sendo eliminados, e que, segundo Mari Ripa (2016) são um instrumento de RSE de grande

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relevância. Miles e Munilla (2004:6) corroboram com este grande impacto, em diversos aspetos, da norma SA 8000: “a norma tem um impacto direto e dramático no marketing através dos padrões relacionados com a remuneração, o controlo de empresas subcontratadas ou fornecedoras e no reporte dos requisitos”.

Esta norma internacional faz a avaliação da responsabilidade social das empresas, baseando-se em convenções da Organização Internacional do Trabalho e noutras convenções da ONU. A norma foi desenvolvida em outubro de 1997 pelo órgão de credenciamento do Conselho de Prioridades Económicas, ligado à ONU, reunindo ONG, empresas e sindicatos. A certificação SA 8000 aborda questões tais como o trabalho escravo e infantil, a saúde e a segurança do trabalho, a liberdade de associação e a negociação coletiva, a discriminação, as práticas disciplinares, a jornada de trabalho, a remuneração e os sistemas de gestão (SGS.pt, 2017). O Grupo SGS (Société Générale de Surveillance S.A.), a maior organização mundial no domínio da inspeção, verificação, análise e certificação, aconselha a aquisição desta norma relativamente à RSE.

Em todo o mundo, a Itália é o país com um maior número de empresas certificadas pela SA 8000, seguida da Índia, da China e do Brasil. De acordo com a ISOTOP (2016), uma empresa de consultoria brasileira, o Conselho de Prioridades Económicas, referido acima, criou requisitos extremamente rigorosos para as organizações responsáveis pela certificação e registo, justamente para assegurar que os auditores são devidamente qualificados, que os procedimentos de certificação são meticulosamente implementados e que, por conseguinte, há uma grande credibilidade junto do público.

O guia ISO 26000 pode ser considerado um pouco mais específico do que a norma SA 8000, no sentido em que é ainda mais direcionado para o comportamento das empresas, contudo não funciona como uma certificação para as empresas. Ou seja, o ISO 26000 fornece orientações em vez de requisitos, portanto, não pode emitir certificações por si só como outros padrões ISO bem conhecidos (ISO, 2017).

Este guia internacional foi lançado em 2010, após cinco anos de negociações entre muitas partes interessadas de todo o mundo (representantes do governo, ONG, indústrias, grupos de consumidores e organizações do trabalho de todo o mundo) que estiveram envolvidas no seu desenvolvimento, o que significa que as suas regras espelham um consenso internacional. Na literatura, o ISO 26000 é frequentemente catalogado como um guia de introdução da agenda da RSE para as PMEs (Perera, 2008; Hahn, 2012). O mesmo pode,

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assim, ser considerado um primeiro passo na compreensão e na execução da RS por parte das empresas.

“A certificação das atividades de RSE é um reforço para o bem-estar dos consumidores e das empresas e deve ser encorajada”, defendem Manasakis et al. (2013). Miles e Munilla (2004:2) afirmam que o propósito da certificação é responder à exigência dos consumidores por políticas cada vez mais socialmente responsáveis. De acordo com os autores, ao serem certificadas “as empresas aumentam a sua reputação, diferenciam os seus produtos e constroem uma vantagem competitiva”. Num estudo com 8 empresas portuguesas, Leite e Rebelo (2010:2221) destacam como uma grande vantagem da certificação da norma SA 8000, a maior confiança demonstrada por parte dos stakeholders, chegando mesmo a afirmar que “a certificação é um bom rótulo”.

Miles e Munilla (2004:6) defendem, ainda, que as certificações de RSE, como a SA 8000, no futuro, tornar-se-ão “um dos critérios não económicos com maior influência nas decisões da cadeia de fornecimento”. À medida que mais segmentos do mercado esperam que as empresas tenham práticas de negócio socialmente responsáveis, os retalhistas vão exigir a certificação dos seus fornecedores diretos. Estes fornecedores vão, posteriormente, passar esta exigência de certificação para a sua própria cadeia de fornecimento, resultando isto, segundo os autores, num efeito dominó que atravessará e contagiará a cadeia de fornecimento global.

Finalmente, Manasakis et al. (2003) consideram que a eficácia da certificação de RSE, ao nível do seu impacto, irá depender fortemente da instituição certificadora. De acordo com o estudo destes autores, a certificação será mais confiável se atribuída por uma ONG e menos confiável se for atribuída por uma instituição privada, situando-se no meio destas duas as certificações públicas. Manasakis et al. (2003:24) referem que as certificações “com origens em instituições privadas maximizam os lucros gerais, com origens públicas maximizam o bem-estar total e com origens em ONG maximizam o superavit dos consumidores”.

2.2.1 O Pacto Mundial das Nações Unidas

Considerada a maior iniciativa de RSE do mundo, o Pacto Mundial das Nações Unidas objetiva ser um incentivo à implementação de políticas sustentáveis e socialmente responsáveis por parte das empresas. O Pacto foi criado em 2000 e atualmente conta com mais de 12.000 participantes, dos quais 9.146 são empresas, em 170 países, tanto desenvolvidos como em

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desenvolvimento (Unglobalcompact.org, 2016). No âmbito deste programa, as empresas reúnem-se com agências da ONU, grupos de trabalho e sociedade civil.

Além de empresas, ONG, fundações e entidades públicas, também as cidades podem aderir ao pacto através de um programa especialmente dedicado a elas. No programa não existe nenhuma cidade portuguesa inscrita e ao nível da Península Ibérica apenas se apresenta como apoiante do pacto a cidade de Badajoz. O Pacto Mundial baseia-se em dez princípios nas áreas dos direitos humanos, do trabalho, do meio ambiente e da anticorrupção (Tabela 3).

Tabela 3. 10 Princípios do Pacto Mundial das Nações Unidas

Fonte: The United Nations Global Compact (2016)

A subscrição destes princípios não implica quaisquer investimentos financeiros por parte dos participantes. O único requisito obrigatório para completar a subscrição é a submissão anual de uma comunicação de progresso das práticas de RSE, comprovando o real comprometimento para com os princípios do pacto. Em caso de incumprimento, a organização assinante é retirada da lista de apoiantes do pacto, tal como sucedeu com a filial marroquina do grupo Gfi, que deixou de fazer a submissão da comunicação do progresso em 2014.

Os 10 princípios do Pacto Mundial das Nações Unidas

Direitos humanos

Apoiar e respeitar a proteção dos direitos humanos internacionalmente proclamados

Garantir que não é cúmplice em violações dos direitos humanos

Trabalho

Defender a liberdade de associação e o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva

Manter a eliminação de todas as formas de trabalho forçado Defender a abolição efetiva do trabalho infantil

Defender a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação

Ambiente

Apoiar uma abordagem preventiva dos desafios ambientais

Realizar iniciativas para promover uma maior responsabilidade ambiental Incentivar o desenvolvimento e a difusão de tecnologias que respeitam o ambiente.

28 Gráfico 1. Número de empresas participantes em cada país (seleção para análise dos 9 países em que a Gfi Informatique tinha presença no início de 2016)

Fonte: Unglobalcompact.org (2016)

Gráfico 2. Empresas de tecnologia participantes no Pacto Mundial das Nações Unidas (seleção para análise dos 9 países em que a Gfi Informatique tinha presença no início de 2016).

Fonte: Unglobalcompact.org (2016)

Através do Gráfico 1 e 2, observa-se que, entre os 9 países em que a Gfi Informatique estava presente no início de 2016, a Espanha é o país que concentra um maior número de empresas participantes, sendo que 12,16% dessas empresas operam no sector das tecnologias.

1406 1146 139 88 78 62 19 17 10 171 89 11 5 3 3 2 1 1

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Portugal, por sua vez, apresenta um número muito reduzido de empresas a juntarem-se ao Pacto Mundial, quando comparado com países como a França, a Espanha, a Suíça, a Bélgica ou a Polónia.

A nível mundial, é possível destacar algumas empresas bem conhecidas que são subscritoras do Pacto Mundial, como a Microsoft, a HP, a Petrobras, a Coca-cola, a Starbucks, o IKEA, a Lego, a Mars, a Vodafone ou a Danone. A nível nacional, encontramos na lista de subscritores, por exemplo, a Caixa Geral de Depósitos, o Novo Banco, a NOS, a Jerónimo Martins, a Sonae, o Grupo Auchan, a Fundação Benfica, a Universidade do Minho, a Galp ou a EDP. O número de empresas portuguesas no setor das tecnologias é ainda muito reduzido, sendo assinantes do Pacto apenas 5 empresas de pequena dimensão (com um número de funcionários que varia entre 22 e 300 funcionários). A nível internacional, contudo, o número de empresas de tecnologias a serem subscritoras é relevante – 766 (Unglobalcompact.org, 2016).

2.2.2 Perceção dos entrevistados sobre as certificações de RSE

Isa Pedroso e Raquel Ribeiro, especialistas em Recursos Humanos na Gfi Portugal, consideram a certificação das práticas de RSE um aspeto importante e decisivo. Afirmam, ainda, que no seu dia-a-dia têm em consideração o facto de um determinado produto ser certificado como socialmente responsável ou não na hora de tomarem a decisão de compra, isto sobretudo com produtos alimentares.

José Vitor Malheiros, atual consultor da Ciência Viva, tem uma opinião mais cética relativamente às certificações de RSE. “Não confio em certificações”, diz. Em Outubro do ano transato, 2016, Malheiros debruçou-se sobre o tema da responsabilidade social numa das suas crónicas, criticando a EDP por esta ter, alegadamente, uma responsabilidade social apenas aparente11. “Não é por uma empresa ter um selo que confio mais, é apenas marketing”, defende. Mesmo que as certificações provenham de organizações conceituadas como a ONU, por exemplo, José Vitor Malheiros mantém a sua resposta de que não confiaria mais numa empresa por causa da certificação. “Até a UNICEF, que é uma ONG já esteve envolvida em casos de pedofilia e trabalho infantil”, justifica.

O consultor afirma que os instrumentos que as empresas devem usar para transmitir mais confiança e revelar a sua responsabilidade social não são as certificações, mas sim a

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Na sua crónica, José Vitor Malheiros critica a construção do museu MAAT da EDP e o conceito de RS associado a este empreendimento. Na sua opinião, a empresa deveria preocupar-se em, acima de tudo, produzir eletricidade barata de forma sustentável e apostar nas energias renováveis e na mobilidade elétrica (Malheiros, 2016).

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transparência, o respeito pela lei, ter representantes sindicais, dar resposta a reclamações e críticas, admitir os seus erros e, acima de tudo, proporcionar uma boa experiência aos clientes.