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Os instrumentos metodológicos

No documento mirellavaleperotta (páginas 47-51)

3. A ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL E A PESQUISA NAS CIÊNCIAS

3.1. Os instrumentos metodológicos

É preciso escolher instrumentos para acessar a questão, vislumbrar e escolher trilhas a seguir e modos de se comportar nessas trilhas, criar alternativas de ação para eventuais surpresas, criar armadilhas para capturar respostas significativas.

Bernardette Gatti

Gatti (2003), faz uma comparação do pesquisador a um caçador/pescador. Segundo ela, o pesquisador precisa ter todos os seus sentidos apurados. Deve ser perspicaz, atento, sagaz, alerta, vivo. Deve conhecer sua “presa” e o contexto em que vive. A partir disso, a autora sinaliza a

importância da escolha dos instrumentos a serem utilizados na pesquisa. Como, afinal, ir em busca das “respostas” que nos propusemos a atingir? À luz de que teóricos interpretaremos os dados coletados? Estas são decisões que muitas vezes se relacionam com a nossa visão de mundo, de homem, de pesquisa.

Sendo assim, esta pesquisa foi realizada dentro de uma perspectiva que privilegia os fundamentos da teoria histórico-cultural de investigação. Desta maneira, durante o ano de 2006 foi desenvolvido o Estudo Piloto desta pesquisa, concretizado através de observações, entrevistas individuais, entrevista coletiva e análise de documentos. Este estudo se configurou em uma aproximação com o campo de pesquisa, buscando compreender o infocentro desde o momento de sua implantação, para apreender seu funcionamento e os sentidos à ele atribuído pelos alunos, pelos bolsistas que nele trabalham e por seus gestores.

Assim sendo, a imersão no campo de pesquisa pautou-se, primeiramente, em observações do infocentro, acompanhando, dia-a-dia, as atividades desenvolvidas pelos alunos neste local, percebendo a freqüência de seus usuários, os sites que mais visitam, entre outros aspectos.

Estas observações se configuraram em um primeiro contato com alunos da UFJF como um todo e com as práticas por eles efetivadas dentro desta sala de informática. Porém, este momento não exigia de mim, pesquisadora, uma postura neutra ou passiva. A todo instante dialogava com os alunos presentes sobre os usos que faziam do infocentro, o que pensavam a respeito dele, etc. Assim, esse momento se constituiu em um encontro de diferentes vozes, tornando o entendimento possível por meio da comunicação verbal e extra-verbal.

Outro instrumento utilizado foi a entrevista, tanto individual quanto coletiva. Após a realização das observações, os responsáveis19 pelo infocentro foram entrevistados individualmente, buscando compreender melhor as atitudes e escolhas adotadas no infocentro, a estrutura deste local, entre outros aspectos. Da mesma forma, em entrevista coletiva, foi possível compreender a visão dos bolsistas que trabalham no infocentro. Assim, concretizou-se a oportunidade de contrapor a visão dos alunos com a visão de quem idealizou este projeto e com a visão dos bolsistas que nele trabalham.

19 Ao falar em responsáveis estou me referindo à professora Fernanda Campos, então coordenadora geral

dos infocentros; ao Diogo Carneiro, que na época assumia algumas das funções atribuídas à Abel Leocádio, como coordenar o trabalho dos bolsistas e aos diretores das faculdades de Comunicação, Educação e Economia/Administração.

É importante ressaltar que essas entrevistas não foram concretizadas pela realização de perguntas para obtenção de simples respostas. Buscou-se uma construção de sentidos a partir da interlocução efetivada entre pesquisador e sujeito, dependendo dos acontecimentos para continuarem seu curso. As entrevistas20 se construíram, portanto, tendo claro que a compreensão da palavra do outro gera sempre uma contrapalavra.Sendo assim, segundo Freitas, M. (2002), este é um momento dialógico, de produção de linguagem, pois se realiza pela interação verbal.

A partir destas entrevistas e do diálogo travado durante as observações, foi possível perceber uma reformulação de opiniões: minhas e deles (sujeitos: alunos, bolsistas, diretores e administradores). No decorrer do campo, fui percebendo a importância de captar cada entoação, cada suspiro, cada gesto, cada significado, para então compreender o sentido geral de cada enunciação. E esse sentido não é fechado. Ele se altera constantemente, se complementa e se corrige, ele está em construção.

Essa compreensão a partir das entrevistas foi aprofundada com a análise do projeto do infocentro, buscando contrapor o texto escrito com a realidade vivenciada. A análise se configurou no estudo do projeto desenvolvido sobre o infocentro, que se constitui no documento oficial sobre sua idealização e posterior concretização.

Vieira (2002), ao trabalhar com o documento oficial e basear-se em Bakhtin, nos ajuda a compreendê-lo. Segundo ela, enquanto texto, este discurso é produto de uma enunciação concreta, determinada pelos gêneros discursivos. É ainda, entendido como dominante por ser socialmente reconhecido e legitimado, tendo suas palavras, portanto, um caráter inatingível e monovalente. Por outro lado, é também dialógico porque, mesmo sem pretender, constitui um gesto responsivo, gerando uma contrapalavra.

Por sua vez, no trabalho realizado no ano de 2007, o foco passou a ser os alunos do curso de Pedagogia. Assim, pretendi compreender as repercussões que a implantação do infocentro trouxe para a formação inicial e os sentidos que os alunos do curso de Pedagogia da UFJF passaram a construir a respeito do computador/internet em sua vida pessoal e em ambiente escolar a partir desta utilização.

20 Essas entrevistas foram gravadas em áudio (e posteriormente transcritas) para que, sempre que

necessário, esse momento pudesse ser retomado. Acompanhando essa gravação e essas observações, foram feitas notas de campo expandidas ao final de cada encontro, com apontamentos sobre o que os alunos e responsáveis pensam sobre o computador/internet, possíveis relações com o referencial teórico adotado, etc, se constituindo em uma análise inicial do material coletado.

Para tal, o Grupo Focal foi o instrumento primordial para a concretização deste trabalho. Guimarães, V. (2006, p. 157) o caracteriza como forma de explorar determinado foco ou assunto específico a partir de um ou mais grupos. Sua utilização, portanto, “pressupõe a opção por coletar dados com ênfase não nas pessoas individualmente, mas no indivíduo enquanto componente de um grupo”.

Esta é uma técnica que, segundo Feital (2006), consiste na formação de grupos que unam sujeitos (entre seis ou dez) que apresentam determinadas características em comum e se dispõem a participar da discussão sugerida pelo facilitador do grupo.

À esse facilitador, cabe o papel de fazer intervenções que propiciem as trocas, sempre tendo em mente os objetivos de trabalho do grupo. É importante ainda, contar com a presença de relatores que anotem as discussões e com equipamentos para o registro das mesmas.

Nas orientações gerais para a realização de Grupos Focais, Feital (2006) ressalta a sugestão de que o número de grupos varie entre três e quatro / dez e doze. A duração dos encontros pode variar de 1 hora e meia a 3 horas e as sessões devem perfazer, geralmente, o total de 1 ou 2.

No grupo de pesquisa LIC utilizamos o Grupo Focal como instrumento metodológico em nossas pesquisas, ampliando suas funções. Uma vez que trabalhamos com a pesquisa de abordagem histórico-cultural que supõe, além do diagnóstico da realidade, uma intervenção transformadora, usamos o grupo focal que denominamos de reflexivo, com uma estrutura e dinâmica marcadas por especificidades propiciadoras de um processo reflexivo/transformador. Isso fica evidente no trabalho de Feital (2006), participante do grupo LIC, que optou em sua pesquisa por um trabalho com um número menor de grupos (apenas 2) e um número maior de encontros (7). Com base em sua pesquisa, pretendia trabalhar com um número maior de encontros (aproximadamente oito para cada grupo) e de alunos (em torno de 10 ou 12), reunidos em dois grupos, para que a possibilidade de reflexão se estendesse e aprofundasse, atingindo melhor os objetivos da pesquisa com abordagem histórico-cultural, que vão além da simples descrição de uma realidade.

Desta maneira, vislumbro no Grupo Focal Reflexivo a possibilidade de compreender os sentidos construídos pelos alunos do curso de Pedagogia da UFJF a respeito do infocentro e da inserção do computador/internet em ambiente escolar. Para além dessa compreensão, acredito

que este instrumento abriu margens para o desenrolar de reflexões transformadoras sobre este assunto.

É indispensável ressaltar, portanto, a importância da voz do sujeito ser sempre valorizada e do estabelecimento de interações dentro do grupo para a compreensão dos aspectos a serem desvelados. É na e pela linguagem, no e pelos signos21, que o processo reflexivo entre pesquisador e pesquisado se efetiva, buscando uma construção de sentidos a partir da interlocução estabelecida entre todos os participantes. Assim, a idéia de realizar um maior número de encontros, visando uma melhor compreensão da realidade e o estabelecimento de uma reflexão maior entre os participantes, é um fator relevante a ser mencionado.

A pesquisa, diante disso, é compreendida como um processo que se efetiva pela relação entre sujeitos que participam e têm suas opiniões valorizadas, confrontadas e reformuladas por meio do diálogo e da reflexão estabelecidos. A compreensão, por sua vez, não é um aspecto isolado, mas se efetiva em consonância com a intervenção, buscando sempre uma transformação em todos os participantes do processo.

No documento mirellavaleperotta (páginas 47-51)