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Capítulo III – Metodologia

3.4. Instrumentos e procedimentos

Para a elaboração deste estudo optou-se por uma metodologia qualitativa, pois o objectivo era o estudo das opiniões, hábitos, representações e valores do sujeito, privilegiando o conteúdo em detrimento da representação numérica e análise estatística presente no método quantitativo. Deu-se prioridade à subjectividade, criando assim um relacionamento mais flexível e extenso com o entrevistado. Pelo seu carácter indutivo e descritivo, foi possível desenvolver e relacionar conceitos fornecidos por outros autores. No âmbito da recolha de informação foi realizada uma entrevista com o objectivo de reunir toda a informação e configurações do indivíduo acerca dos conceitos sobre os quais este estudo se pretende debruçar. O tipo de entrevista seleccionado foi a entrevista semi-estruturada, aplicada na forma semi-directiva, pois permite ao entrevistador ter alguma liberdade para desenvolver cada situação na direcção que considere adequada, apesar de possuir os tópicos previamente definidos. É uma forma de poder explorar mais amplamente uma questão.

Assim, foi elaborado um guião de entrevista (Anexo A), concebido para recolher informações sobre o indivíduo na fase anterior à sua actividade de arrumador, sobre a sua actividade em duas fases opostas da sua vida – o arrumador-toxicodependente e o arrumador-abstinente – e sobre as suas perspectivas de futuro e projectos de vida. O guião utilizado é constituído por quatro unidades de análise:

1) Background familiar e fase anterior ao início da actividade como arrumador de automóveis;

2) O arrumador-toxicodependente e a actividade na “mina”; 3) O arrumador-abstinente e a actividade no parque automóvel; 4) Perspectivas de futuro.

Através da primeira unidade de análise, pretendeu-se obter informações acerca dos motivos que levaram à necessidade do indíviduo optar pela actividade de arrumador de automóveis. Assim, foram formuladas questões que permitiram obter conhecimento sobre as características da sua família e as relações entre o sujeito e os seus familiares, nos períodos da sua infância e adolescência. Posteriormente, abordou-se o percurso escolar do indivíduo e a sua relação com a escola, bem como a socialização com colegas e vizinhos. De seguida, pretendeu-se apurar conhecimento sobre o primeiro contacto

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com o mundo laboral. Ainda nesta unidade de análise, foram abordadas as primeiras experiências de consumo de drogas, os seus motivos e a reacção dos familiares em relação a esta problemática.

Na segunda unidade de análise, pretendeu-se obter informações acerca da actividade de um arrumador de automóveis toxicodependente, num dos locais mais movimentados da cidade do Porto e no qual os arrumadores mais lucram com a sua actividade, as designadas “minas”. Assim, as questões foram orientadas para a obtenção de conhecimento acerca da sua rotina diária, influência do consumo de droga na sua actividade, relação com os automobilistas e percepção da imagem que estes têm de si e também da relação com os agentes de controlo social formal. Por fim, pretendeu conhecer-se a realidade da sua adesão ao projecto Porto Feliz, onde efectuou o primeiro tratamento de desintoxicação, bem como a sua opinião sobre o mesmo.

Na terceira unidade de análise, pretendeu-se obter informações sobre a sua actividade actual como arrumador de automóveis em fase de abstinência, num parque automóvel. Consequentemente, o guião foi estruturado de forma a visar questões que permitiram a obtenção de conhecimentos sobre as suas rotinas diárias actuais, a sua relação com os automobilistas e a percepção da imagem que estes têm de si, a relação com as figuras de controlo social formal, as vantagens e desvantagens da actividade que exerce, bem como a sua opinião sobre a imagem negativa da sua actividade e a relação da figura do arrumador de automóveis com conceitos como a criminalidade e a toxicodependência. Na quarta e última unidade de análise, pretendeu-se conhecer os seus projectos futuros a curto e longo prazo.

O facto de já ter sido um arrumador-toxicodependente foi um factor decisivo para a escolha do objecto de estudo, pois tornou possível estabelecer as diferenças entre a realidade de um arrumador-toxicodependente e a sua realidade actual, a de arrumador- abstinente.

O primeiro contacto foi natural. Rafa já tinha sido contactado por uma pessoa com a qual já mantinha uma relação de confiança. Apresentados, e explicado em que consistia e quais os objectivos deste estudo, predispôs-se imediatamente a colaborar. Referiu que poderia ser combinado qualquer horário para a entrevista, desde que não coincidisse com as horas em que se encontra no parque automóvel. Ficou combinado que nos

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encontraríamos a um sábado de manhã, para uma conversa inicial, pois como o fim-de- semana é pouco movimentado naquela zona, Rafa normalmente não se desloca até ao parque automóvel. Esta conversa inicial foi muito útil para o entrevistador tomar conhecimento de algumas opiniões gerais do entrevistado sobre alguns dos temas que foram aprofundados na entrevista mas, sobretudo, para ser estabelecida uma relação de confiança. Rafa selou o acordo com um aperto de mão firme e com um agradecimento, talvez motivado pelo interesse de alguém na sua pessoa e na sua actividade. Sempre se mostrou colaborante, nunca teve receio de falar de nada. Mesmo quando eram abordados os temas mais sensíveis da sua vida, sempre teve uma palavra a dizer ou uma emoção a demonstrar.

A entrevista teve a duração de cerca de uma hora e quarenta minutos e foi realizada num café próximo da habitação do entrevistado, por sugestão do próprio. Para a realização da entrevista, recorreu-se à utilização de um gravador de áudio, com o consentimento prévio do entrevistado.

Anteriormente, tinham sido efectuados vários contactos informais com o indivíduo em estudo para se estabelecerem os primeiros contactos com a sua realidade pessoal e social.

Relativamente ao tratamento da informação obtida através da entrevista, adoptou-se o modelo das três componentes do modelo interactivo da análise dos dados numa investigação qualitativa, segundo Miles e Huberman (1984, cit. in Lessard-Hébert et al., 1990, p.108). Este modelo baseia-se em três componentes:

1) a redução dos dados;

2) a apresentação e organização dos dados; 3) a interpretação/verificação das conclusões.

Segundo os autores, a redução dos dados visa a selecção, centração, simplificação, abstracção e transformação do material recolhido, que poderá ser efectuada em três fases da investigação: antes, durante ou após a recolha de dados. Neste estudo, procedeu-se, logo à partida, a uma redução do universo amostral, pois o pretendido era averiguar as condições da actividade de um arrumador de automóveis em duas fases distintas da sua vida: a fase de toxicodependência e a fase de abstinência. Igualmente, numa fase prévia à recolha dos dados, foram estabelecidas as unidades de análise, que

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permitiram redigir o guião e, à partida, estruturar a informação pretendida. Por último, na fase posterior à recolha, procedeu-se à selecção da informação recolhida através da entrevista, de modo a que pudesse ser correspondida com as unidades de análise.

A organização dos dados é definida como «a estruturação de um conjunto de informações que vai permitir tirar conclusões e tomar decisões» (Miles e Huberman, 1984 cit. in Lessar-Hébert et al., 1990, p. 118), permitindo ao investigador uma representação dos dados num espaço reduzido, facilitando a comparação entre diferentes conjuntos de dados, auxiliando a planificação de outras análises e garantindo a utilização directa dos dados no relatório final. Neste estudo procedeu-se à organização e apresentação de dados através de matrizes dos feixes conceptuais, agrupando as variáveis de acordo com com as unidades de análise, para uma análise e discussão de resultados mais rigorosa. As matrizes conceptuais são compostas por unidades de registo (formais e semânticas) e unidades de contexto (Vala, 2003). A unidade de registo formal é compostas por uma frase, um termo ou uma expressão utilizadas pelo indivíduo durante a entrevista, enquanto que a unidade de registo semântica contém a interpretação ou uma ideia retirada a partir do discurso utilizado pelo entrevistado. Por sua vez, a unidade de contexto é formada por expressões ou frases referidas pelo sujeito durante a entrevista (Vala, 2003).

Por último, conjugando o quadro conceptual com os resultados obtidos no estudo, procedeu-se à análise do conteúdo, que nos permitiu «extrair significados a partir de uma apresentação-síntese dos dados» (Lessar-Hébert et al., 1990 p. 122), de modo a que a interpretação possa ser criadora, «através da elaboração de explicações e de novas questões que transcendem a secura dos resultados» (Van der Maren, 1987, pp. 48 cit. in Lessar-Hébert et al., 1990, p. 123).

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