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INSTRUMENTOS DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS COMO ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA A GARANTIA DA DISPONIBILIDADE HÍDRICA

Wanderley da Silva Paganini1, Silvio Renato Siqueira2, Miriam Moreira Bocchiglieri2

1 Livre Docente e Professor Associado da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Superintendente de Gestão Ambiental da Sabesp

2 Engenheiro Civil. Gerente do Departamento de Gestão de Recursos Hídricos da SABESP 3 Doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Engenheira da Sabesp

O acesso aos serviços de saneamento, em condições adequadas de gestão, operação e manutenção, resulta em melhorias ambientais e à saúde pública, sendo também um vetor de desenvolvimento social, uma vez que promove condições mais dignas de vida para a população, que passa a ser atendida com abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta e disposição de resíduos sólidos e drenagem urbana/controle de inundações. Tais benefícios levam à diminuição da incidência de doenças de veiculação hídrica, reduzindo os índices de morbidade e de mortalidade relacionados à falta ou precariedade dos serviços de saneamento. Assim, sendo a saúde pública propósito primordial do saneamento, é fundamental que o setor de saneamento amplie a abrangência de suas ações, considerando a perspectiva da saúde pública como um objetivo e não apenas como uma consequência, e da mesma forma, a área da saúde incorpore a visão preventiva com ênfase para a ação do ambiente sobre ela.

Essas duas variáveis, saneamento e saúde, são dependentes de um terceiro fator elementar: a disponibilidade de água em quantidade suficiente e com qualidade adequada para suprir as necessidades da população.

Assim, a efetiva gestão dos recursos hídricos, por meio dos instrumentos estabelecidos para esse fim, deve ser observada. Essa necessidade se confirma por três razões simples: condições críticas de disponibilidade hídrica, compatibilização dos múltiplos usos e comprometimento da qualidade das águas, especialmente nos grandes centros urbanos.

Considerando a gestão dos recursos hídricos nesse contexto amplo, e não apenas como um emaranhado de regulamentos, provido de um vocabulário com significado próprio, por exemplo, “enquadramento”, “bacia”, entre outros, serão descritos os instrumentos de gestão, visando modificar a equivocada percepção de que o tema é restrito aos entes do sistema, comitês de bacias, companhias de saneamento, agências ambientais e demais órgãos competentes, visando aproximá-lo da realidade individual e da sociedade como um todo, uma vez que o cuidado com as águas passa pela responsabilidade de cada usuário, individual, público ou privado.

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Gestão de Recursos Hídricos

A promulgação da Constituição Federal de 1988 constitui um marco histórico para a gestão de recursos hídricos, abrindo espaço para o desenvolvimento de um processo integrado de planejamento delimitado geograficamente não mais pelos limites políticos de estados e municípios, mas sim pelo conceito de bacia hidrográfica. As diretrizes instituídas no Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos permearam para várias constituições estaduais. O Estado de São Paulo foi além, e em 1991 promulgou a lei 7663 que instituiu a Política Estadual de Recursos Hídricos, criando o Sistema Estadual de Recursos Hídricos, descentralizando o processo decisório e abrindo-o para a participação da sociedade civil organizada, através dos Comitês de Bacia. Como forma de fomento econômico, criou a cobrança pelo uso da água e estabeleceu que os recursos obtidos fossem aplicados diretamente ao sistema de recursos hídricos, nas iniciativas definidas pelos planos de bacia.

Em 1997 foi criada a Política Nacional de Recursos Hídricos, com a promulgação da Lei 9433, fundamentada no conceito de que a água, mesmo como bem público, tem um valor econômico associado. Como recurso finito, deve ser gerida para atender aos múltiplos usos, sendo que em situações de escassez a prioridade é o uso para abastecimento humano. Sua gestão deve ser descentralizada, integrada e com plena participação da sociedade.

A Política Nacional consolidou o modelo de gestão da água escolhido pela sociedade, contemplando nobres objetivos de assegurar às gerações atuais e futuras a disponibilidade de água em qualidade e quantidade para as múltiplas finalidades, estabelecendo princípios de utilização racional e integrada. Desde então, enfrenta-se o desafio de sua efetivação, sendo que parte do ferramental necessário foi estabelecido pela própria Política, por meio dos instrumentos de gestão: planos de recursos hídricos, outorga de direito de uso de recursos hídricos; cobrança pelo uso da água; enquadramento dos cursos d’água segundo os usos preponderantes e sistemas de informação.

Planos de Recursos Hídricos

Conforme estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos, os Planos de Recursos Hídricos correspondem ao instrumento de planejamento que orienta a gestão de recursos hídricos, estabelecendo diretrizes e metas que incorporam a integração dos diversos atores envolvidos nas decisões correlatas.

Os planos devem contemplar a adequação ao uso do solo, a proteção e recuperação de qualidade dos recursos hídricos, as premissas de desenvolvimento sustentável da região, de acordo com a vocação e os anseios das comunidades, a previsão e o atendimento às demandas pelo uso da água dos diversos segmentos de uso, adequando-se o binômio “oferta-demanda”. Suas diretrizes devem permear os Planos Estaduais de Recursos Hídricos que, por sua vez, subsidiam os Planos de Bacia. É nos Planos de Bacia, que se busca equacionar três importantes elementos de contorno associados à realidade específica de cada bacia: a bacia existente, a bacia desejada, e a bacia possível.

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O primeiro aspecto está relacionado ao levantamento das condições atuais da bacia, no que diz respeito aos fatores físicos, ambientais, sociais, econômicos e demográficos, bem como às demandas existentes por recursos hídricos em qualidade e quantidade, compondo um diagnóstico integrado.

O segundo aspecto reflete a visão de futuro que a sociedade local deseja para a bacia e, por conseqüência, para si própria. Com base no diagnóstico integrado, são estabelecidas hipóteses de desenvolvimento sustentável regional, sempre considerando, como diretrizes básicas, os elementos que compõem a vocação própria da bacia. Com a análise criteriosa dos cenários, os segmentos de usuários podem ter compreensão das oportunidades e dificuldades relativas a cada cenário, encontrando a alternativa factível de implementação. Este cenário escolhido compõe, então, o terceiro aspecto: a bacia possível. Assim, o Plano deve conter o programa de ações necessárias para atingir aos objetivos e metas dentro do período considerado e os indicadores de desempenho que permitam seu acompanhamento.

Outorga de Direito de Uso dos Recursos Hídricos

Como bem público de domínio da União, dos Estados e Municípios, a utilização da água, de forma privativa ou por um ente público ou privado, depende da autorização emitida pelos órgãos competentes.

Esse instrumento assegura ao outorgado o direito de uso da água para as finalidades propostas, seguindo as condicionantes de uso prescritas na outorga conferida. Dessa forma o outorgado dispõe da reserva daquela quantidade de água para que possa exercer e planejar suas atividades e investimentos. O agente outorgante, por sua vez, pode também avaliar o atendimento aos diversos usuários de acordo com a disponibilidade hídrica na região, assegurando o acesso da água e a manutenção de vazões mínimas sazonais admissíveis nos cursos d’água, possibilitando que alguns conflitos de uso possam ser avaliados ou até mesmo contornados, já no momento da concessão da outorga.

A ausência de outorga caracteriza o uso indevido dos recursos hídricos, sendo passível de sanções e penalidades previstas em lei. A obtenção da outorga não se resume apenas em uma obrigação meramente administrativa ou impositiva, mas tem importância fundamental como instrumento de gestão, contribuindo para a sustentabilidade dos recursos hídricos.

Cobrança pelo Uso dos Recursos Hídricos

Este instrumento materializa o conceito de que a água possui valor econômico associado ao seu uso. Não se trata de um imposto ou taxa, mas é praticada por meio do estabelecimento de um preço pactuado entre os setores representados nos comitês de bacia. A aplicação dos valores arrecadados com a cobrança deve ser restrita às finalidades de manutenção e recuperação da qualidade das águas da bacia hidrográfica, consoante com as iniciativas estruturais e não estruturais previamente estabelecidas nos Planos de Bacia. Esse elemento financeiro também tem o objetivo de estimular o uso racional da água, já que o desperdício representa um custo adicional na matriz contábil dos usuários.

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A estrutura do processo de cobrança prevê a elaboração de uma fórmula de cálculo composta pelos volumes utilizados envolvidos, pelo Preço Unitário Básico - PUB e pelo Coeficiente Multiplicador - Kn.

O PUB é estabelecido pelos Comitês através de simulações que permitem verificar a viabilidade do processo e de sua discussão pelos diversos segmentos. As parcelas de uso correspondem ao volume de captação, ao volume consumido e à carga poluidora associada ao volume de efluente lançado. Eventualmente pode-se diferenciar uma quarta parcela, correspondente ao volume de transposição entre bacias praticada pelo usuário.

Sobre o PUB são aplicados os coeficientes ponderadores, os quais consistem em multiplicadores específicos para cada forma de utilização e características da água utilizada, resultando nos Preços Unitários Finais – PUF. Da aplicação dos PUF às respectivas parcelas de uso resulta o valor a ser pago pelo usuário.

Enquadramento dos Corpos D’água

Este é o instrumento da Política que está diretamente relacionado aos aspectos qualitativos da água. Em essência, consiste na definição das classes de qualidade da água a serem alcançadas para cada um dos corpos hídricos da bacia, superficiais ou subterrâneos, de acordo com as premissas estabelecidas pela sociedade através do debate nos comitês.

Enquadramento, portanto, é o estabelecimento da meta ou objetivo de qualidade da água (classe) a ser obrigatoriamente, alcançado ou mantido em um segmento do corpo d’água, de acordo com os usos preponderantes pretendidos, conforme estabelece a Resolução nº 357/05 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Cabe ao CONAMA estabelecer a classificação e os padrões de qualidade dos corpos d’água, de acordo com os usos previstos.

Nas bacias hidrográficas em que a qualidade dos corpos d’água esteja em desacordo com os usos pretendidos, deverão ser estabelecidas metas progressivas de melhoria da qualidade da água. As metas progressivas são os objetivos de qualidade, intermediários e finais, a serem alcançados ou mantidos em um segmento do corpo d’água ao longo do tempo, até a efetivação do enquadramento. Se forem estabelecidas metas muito ambiciosas, os custos envolvidos para o atingimento das metas podem ser excessivamente altos e de difícil realização. Se as metas forem pouco arrojadas, a degradação da qualidade das águas continuará dificultando os usos múltiplos, causando prejuízos ambientais, econômicos e sociais.

Sistema Integrado de Informações

O Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos é um sistema de coleta, tratamento, armazenamento e recuperação de informações sobre recursos hídricos e fatores intervenientes em sua gestão.

Deve garantir o acesso aos dados e informações à toda a sociedade. Seu objetivo principal é reunir, dar consistência e divulgar os dados e informações sobre a situação qualitativa e quantitativa dos recursos hídricos no Brasil, fornecendo subsídios para a elaboração dos Planos de Recursos Hídricos.

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Considerações finais: a integração entre os instrumentos como chave da gestão de recursos hídricos

Considerando-se os Planos de Recursos Hídricos, a emissão de outorgas deve refletir as prioridades estabelecidas nesses planos. Em situações de conflito pelo uso da água, o debate deve ser estimulado no âmbito dos comitês, subsidiando a decisão a ser tomada.

O enquadramento dos corpos d’água considera a classe do corpo hídrico de acordo com os usos pretendidos, conforme as aspirações da sociedade, considerando uma vazão mínima adotada como referência. A partir do momento em que as concentrações de poluentes, na condição de vazão mínima adotada, estejam suficientemente próximas aos limites estabelecidos para a classe de uso pretendida, a emissão de novas outorgas não será possível nos trechos de jusante, até que as condições de autodepuração associadas aos aportes hídricos subsequentes (naturais ou não) resultem em novo “saldo” disponível para os usuários. Assim, fica estabelecida a relação entre outorga e enquadramento.

O processo de Cobrança, por sua vez, contribui para o cumprimento do programa de ações da bacia, na medida em que os valores arrecadados dos usuários são destinados para esse fim, formando uma espécie de senso comum de responsabilidade pelos resultados, cabendo aos segmentos de usuários o cumprimento de seus próprios compromissos atrelados ao plano de bacia. Assim, o processo de cobrança contribui para o alcance das metas do enquadramento, que definirá a emissão das outorgas, o que reflete as prioridades estabelecidas no planejamento, sendo esses processos dependentes de um bom sistema de informações sobre os recursos hídricos.

Desse modo, os instrumentos da PNRH foram concebidos para serem aplicados de forma integrada. É essa integração que promove, efetivamente, o sucesso da gestão dos recursos hídricos na forma de sua utilização pelos múltiplos usuários com equilíbrio qualitativo e quantitativo, planejado de acordo com a realidade e visão de futuro da coletividade, proporcionando perenidade, conservação e sustentabilidade.

Referências Consultadas

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. A evolução da gestão de Recursos Hídricos no Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente. 2002.

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente. 2013.

BRASIL. LEI Nº 9.433, DE 8 DE JANEIRO DE 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989

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CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – CONAMA. Resolução nº 357, de 17 de março de 2005. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes, e dá outras providências. Alterado pela Resolução CONAMA 397/2008. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/conama>. Acesso em: 15 mai. 2017.

HELLER, L. Relação entre saúde e saneamento na perspectiva do desenvolvimento. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 3(2):73-84, 1998.

PAGANINI, W.S.; SIQUEIRA, S.R. Gestão do Saneamento por bacia hidrográfica. In: PHILIPPI JR. (coord.), A.; GALVÃO JR., A.C.(ed.). Gestão do Saneamento Básico: Abastecimento de água e esgotamento sanitário. Barueri, SP: Manole, 2012. p. 463-85.

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