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1. INTRODUÇÃO

1.2. Instrumentos relativos ao planejamento e gestão urbana

Como abordado anteriormente, a inclusão da política urbana na Constituição Federal (artigos 182 e 183) se deu como resultado do processo de mobilização em prol da função social da cidade e da propriedade, além da democratização da gestão urbana. A fim de regulamentar as normativas referentes à “Política Urbana”, foi instituída a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que passou a regulamentar os artigos 182 e 183, estabelecendo as diretrizes gerais da política urbana, e recebendo a denominação de Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001).

O Estatuto da Cidade estabelece normas de ordem pública e interesse social a fim de regulamentar o uso da propriedade urbana, considerando o bem coletivo e a segurança e bem-estar da população e do meio ambiente. Assim, a lei objetiva ordenar o desenvolvimento das já referidas funções sociais da cidade e da propriedade urbana a partir de diretrizes que visam a:

Art. 2º:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;

II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;

IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;

V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;

VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;

b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;

c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infraestrutura urbana;

d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura correspondente;

e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização;

g) a poluição e a degradação ambiental;

h) a exposição da população a riscos de desastres.

VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência;

VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência; IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização;

X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;

XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos;

XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;

XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;

XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais;

XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;

XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social.

XVII - estímulo à utilização, nos parcelamentos do solo e nas edificações urbanas, de sistemas operacionais, padrões construtivos e aportes tecnológicos que objetivem a redução de impactos ambientais e a economia de recursos naturais.” (BRASIL, 2001).

Ao todo o Estatuto da Cidade conta com 58 artigos organizados em cinco capítulos que tratam, além de disposições gerais, dos instrumentos da política urbana, do plano diretor e da gestão democrática da cidade. Os instrumentos referentes à política urbana – a) parcelamento, edificação ou utilização compulsória; b) IPTU progressivo no tempo; c) desapropriação com pagamento de títulos; d) usucapião especial de imóvel urbano; e) direito de superfície; f) direito de preempção; g) outorga onerosa do direito de construir; h) operações urbanas consorciadas; i) transferência do direito de construir; j) estudo de impacto de vizinhança – são detalhados no Quadro 1, a seguir.

Quadro 1 – Definição e objetivos dos instrumentos da política urbana

Instrumento Definição Objetivo

a) parcelamento, edificação ou utilização compulsória

Por meio de imposição da administração pública municipal, os imóveis que estiverem em subutilização (com base no coeficiente de aproveitamento estabelecido no plano diretor municipal) poderão ser parcelados, edificados ou utilizados a fim de que se cumpra sua função social.

Induzir a utilização de área urbana subutilizada, com base no aproveitamento mínimo definido pelo plano diretor.

b) IPTU progressivo no tempo

Imposto sobre a predial e territorial urbano progressivo no tempo, aplicado àquele imóvel em condições de subutilização.

c) desapropriação com pagamento de títulos

Decorrido prazo e cinco anos da cobrança do IPTU progressivo, o poder público municipal poderá promover a desapropriação do imóvel, indenizando o proprietário por meio de títulos da dívida pública.

d) usucapião especial de imóvel urbano

Aquisição de posse após prazo decorrido ininterruptamente e sem oposição de área ou edificação utilizada para moradia.

Atender à função social da propriedade urbana.

e) direito de

superfície Direito sobre a utilização do solo, subsolo e espaço aéreo relativo ao terreno. Tratar da concessão à outrem do direito sob a superfície de terreno.

f) direito de

preempção Confere ao poder ao poder público municipal preferência na aquisição de área ou imóvel urbano objeto de alienação onerosa.

Resguardar preferência na aquisição de área de interesse para regularização fundiária, projetos habitacionais e de interesse social, expansão urbana, e interesse ambiental, cultural e histórico.

g) outorga

onerosa do direito de construir

Concessão para edificação acima do coeficiente de aproveitamento estabelecido no

plano diretor municipal, mediante

contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.

Agregar recursos, a partir da contrapartida de terceiro, para aplicação em finalidades relacionadas à regularização

fundiária, projetos

habitacionais e de interesse social, interesse ambiental, cultural e histórico.

h) operações urbanas consorciadas

Conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo poder público municipal, com a participação de proprietários, moradores e iniciativa privada.

Promover transformações

urbanísticas estruturais,

melhorias ambientais e ou sociais em um área urbana. i) transferência do

direito de construir

Autorização ao proprietário de exercer em outro local o direito de construir, quando do local ser necessário para a implantação de equipamentos urbanos, preservação para interesse coletivo ou regularização fundiária.

Preservar áreas que possuam valor histórico, ambiental, social ou cultural, mediante transferência do potencial construtivo para outra área. j) estudo de

impacto de vizinhança

Estudo que contempla análise de adensamento populacional, equipamentos urbanos, uso do solo, valorização imobiliária, geração de trafego e demanda de transporte e patrimônio urbano, natural e cultural de área em que se aventa a construção de empreendimento.

Avaliar e controlar os efeitos positivos e negativos de um empreendimento, quanto à qualidade de vida da população residente nas proximidades.

A gestão democrática da cidade é tratada no documento como “a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano” (BRASIL, 2001, Art. 2º, inciso II), que deverão ser garantidos por meio da utilização de instrumentos como:

Art. 43.

I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal;

II – debates, audiências e consultas públicas;

III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal;

IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (BRASIL, 2001).

Ainda relacionado aos instrumentos da política urbana, como já mencionado, o plano diretor municipal foi utilizado no passado como instrumento da política urbana, porém suas disposições não garantiam a articulação necessária entre ações federais, estaduais e municipais quanto ao adequado planejamento e desenvolvimento dos municípios (BRASIL, 2004; ROLNIK, 2009; SILVA; ARAÚJO, 2003). Nesse sentido, a partir da Constituição Federal de 1988 o plano diretor passa a ser contemplado como o instrumento básico das políticas de planejamento e desenvolvimento municipal:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder

Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (BRASIL, 1988).

A Constituição Federal em si não apresenta uma definição do que é o plano diretor, porém o Estatuto da Cidade instituído para, dentre outras razões, regulamentar o artigo 182 da Constituição Federal, dedica seu capítulo III ao plano diretor, dispondo que a propriedade urbana cumprirá sua função social quando contemplar às exigências de ordenação expressas no plano diretor, uma vez que é através dessas que ocorrerá o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas (BRASIL, 2001). Assim, o plano diretor pode ser compreendido

como um conjunto de diretrizes norteadoras do planejamento, desenvolvimento e gestão urbana do município.

Ainda que o Estatuto da Cidade tenha contribuído para a real elaboração e implementação dos planos diretores, em comparação ao que foi feito no passado, a lei não detalha exatamente o formato ou modelo que deverá ser adotado pelos municípios, mas sim um conjunto de diretrizes mínimas, ficando o restante a cargo dos governantes municipais:

Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo:

I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra- estrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5o desta Lei;

II – disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei; III – sistema de acompanhamento e controle.

Art. 42-A. Além do conteúdo previsto no art. 42, o plano diretor dos

Municípios incluídos no cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos deverá conter: I - parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a promover a diversidade de usos e a contribuir para a geração de emprego e renda;

II - mapeamento contendo as áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos;

III - planejamento de ações de intervenção preventiva e realocação de população de áreas de risco de desastre;

IV - medidas de drenagem urbana necessárias à prevenção e à mitigação de impactos de desastres; e

V - diretrizes para a regularização fundiária de assentamentos urbanos irregulares, se houver, observadas a Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, e

demais normas federais e estaduais pertinentes, e previsão de áreas para habitação de interesse social por meio da demarcação de zonas especiais de interesse social e de outros instrumentos de política urbana, onde o uso habitacional for permitido.

VI - identificação e diretrizes para a preservação e ocupação das áreas verdes municipais, quando for o caso, com vistas à redução da impermeabilização das cidades.

§ 1o A identificação e o mapeamento de áreas de risco levarão em conta as

cartas geotécnicas.

§ 2o O conteúdo do plano diretor deverá ser compatível com as disposições

insertas nos planos de recursos hídricos, formulados consoante a Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997.

§ 3o Os Municípios adequarão o plano diretor às disposições deste artigo,

por ocasião de sua revisão, observados os prazos legais.

§ 4o Os Municípios enquadrados no inciso VI do art. 41 desta Lei e que não

tenham plano diretor aprovado terão o prazo de 5 (cinco) anos para o seu encaminhamento para aprovação pela Câmara Municipal.

Art. 42-B. Os Municípios que pretendam ampliar o seu perímetro urbano

após a data de publicação desta Lei deverão elaborar projeto específico que contenha, no mínimo:

II - delimitação dos trechos com restrições à urbanização e dos trechos sujeitos a controle especial em função de ameaça de desastres naturais; III - definição de diretrizes específicas e de áreas que serão utilizadas para infraestrutura, sistema viário, equipamentos e instalações públicas, urbanas e sociais;

IV - definição de parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a promover a diversidade de usos e contribuir para a geração de emprego e renda;

V - a previsão de áreas para habitação de interesse social por meio da demarcação de zonas especiais de interesse social e de outros instrumentos de política urbana, quando o uso habitacional for permitido;

VI - definição de diretrizes e instrumentos específicos para proteção ambiental e do patrimônio histórico e cultural; e

VII - definição de mecanismos para garantir a justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização do território de expansão urbana e a recuperação para a coletividade da valorização imobiliária resultante da ação do poder público.

§ 1o O projeto específico de que trata o caput deste artigo deverá ser

instituído por lei municipal e atender às diretrizes do plano diretor, quando houver.

§ 2o Quando o plano diretor contemplar as exigências estabelecidas

no caput, o Município ficará dispensado da elaboração do projeto específico de que trata o caput deste artigo.

§ 3o A aprovação de projetos de parcelamento do solo no novo perímetro

urbano ficará condicionada à existência do projeto específico e deverá obedecer às suas disposições (BRASIL, 2001).

Até aqui se observa que os conjuntos de leis disponíveis no Brasil, em especial o Estatuto da Cidade e os Planos Diretores – se efetivamente concretizados – caracterizam-se como instrumentos básicos e norteadores, fornecendo diretrizes para que os municípios possam executar seu planejamento e gestão urbanos, contribuindo, por consequência, para que a mobilidade urbana ocorra de forma sustentável. Entretanto, o plano diretor, por possuir particularidades concernentes a cada município, poderia suscitar novas inconsistências como as que ocorreram, por exemplo, nas décadas de 1970 e 1980, com a pouca articulação entre políticas federais, estaduais e municipais, principalmente em questões referentes à habitação e mobilidade urbana, uma vez que cada região do país pode apresentar particularidades nesse processo.

Assim, com o objetivo de “contribuir para o acesso universal à cidade, o fomento e a concretização das condições que contribuam para a efetivação do princípios, objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento urbano” (artigo 2º, BRASIL, 2012), foi estabelecida a Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Segundo o artigo 1º da lei, a Política Nacional de Mobilidade Urbana consiste em instrumento da política de desenvolvimento urbano de que tratam o inciso XX do artigo 21 (“instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,

saneamento básico e transportes urbanos”) e o artigo 182 da Constituição Federal, objetivando a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território do Município. A referida lei também traz um conceito importante referente à mobilidade urbana que é definida como o deslocamento de pessoas e bens dentro do espaço urbano dos munícipios, mediante a utilização tanto de veículos motorizados quanto não motorizados, através de vias públicas e da infraestrutura urbana disponível no município (BRASIL, 2012).

1.3. Contribuições da Análise do Comportamento para a compreensão do contexto