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Insuficiência das medidas repressivas

No documento AÇÃO AFIRMATIVA PARA O TRABALHADOR VELHO (páginas 105-110)

4.2 EFICIÊNCIA

4.2.1 Necessidade

4.2.1.2 Insuficiência das medidas repressivas

Em um panorama marcado por práticas de inferiorização arbitrária, o ordenamento jurídico historicamente reage com a adoção de medidas que reprimam tais práticas. Esta repressão dá-se, de acordo com Brito Filho, “via de regra criminalizando esses atos e, em alguns casos, impondo, também, sanções de natureza civil e trabalhista (...)” 252. No caso de Inferiorização de trabalhadores a

partir do critério etário não foi diferente.

No campo da repressão criminal, o Estatuto do Idoso traz quatro dispositivos aplicáveis a práticas correntes nas relações de trabalho envolvendo pessoas velhas. Partindo-se do fato de que a relação de trabalho manifesta-se por meio de um contrato, parece correto dizer que o tomador de serviço que impedir ou dificultar a

251 Para conferir a decisão do STF em seu inteiro teor, Ver: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 1.770. Disponível em http://www.stf.gov.br. Acesso em: 10 jun. 2008.

contratação de pessoa com mais de 60 anos incorre na conduta tipificada no caput do art. 96, onde se lê:

Art. 96. Discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade.

Denote-se que, de acordo com o § 1º do artigo citado, encontrar-se-á incurso na mesma pena que discriminar a pessoa com sessenta anos ou mais por qualquer motivo253.

Outro dispositivo do Estatuto que visa tutelar à liberdade contratual das pessoas com sessenta anos ou mais é o art. 107, ao punir com pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, aquele que coagir, de qualquer forma, pessoa idosa a contratar.

Referindo-se diretamente ao trabalho, há reprimenda penal àquele que obstar acesso a cargo público ou negar emprego por motivo de idade. Neste sentido é o art. 100, que enuncia: “Constitui crime punível com reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa: I - obstar o acesso de alguém a qualquer cargo público por motivo de idade; II - negar a alguém, por motivo de idade, emprego ou trabalho; (...)”.

No que diz respeito ao tratamento destinado ao trabalhador com sessenta anos ou mais, o art. 99 do Estatuto do Idoso culminou pena de detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) anos e multa, ao sujeito que:

Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando- o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado.

As medidas repressivas não se esgotam no plano criminal. Há disposições na CLT que tratam explicitamente das hipóteses de discriminação a partir do critério etário. Neste sentido é o art. 373 – A254abaixo transcrito:

253 O dispositivo textualmente é: “§ 1º Na mesma pena incorre que desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar pessoa idosa por qualquer motivo”.

Art. 373 - A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:

I - publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou à situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir;

II - recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível;

III - considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional;

IV - (...);

V - impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez; VI - (“...).” (grifo nosso).

Contudo, é na Lei nº. 9.029/95 que se encontram presentes as conseqüências administrativas e trabalhistas das práticas discriminatórias. O art. 1º desta lei proibiu expressamente a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, bem como sua manutenção, por motivo de idade. E na ocorrência prática desta natureza, a Lei nº. 9.029/95 cominou as seguintes sanções administrativas: “I - multa administrativa de dez vezes o maior salário pago pelo empregador, elevado em cinqüenta por cento em caso de reincidência; II - proibição de obter empréstimo ou financiamento junto a instituições financeiras oficiais“. Quanto às conseqüências trabalhistas, Delgado defende que:

(...) o rompimento das relações de trabalho por ato discriminatório, nos moldes tipificados na lei, faculta ao empregado optar entre duas alternativas reparatórias: ou a reintegração (o texto legal usa o verbete readmissão) com “ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigida monetariamente, acrescidas dos juros legais”’, ou, ao revés, a “percepção em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigido monetariamente e acrescido dos juros legais“255.

Não obstante este arcabouço legal, a repressão esbarra em dificuldades probatórias. Segundo Carlos,

(...) na atualidade, a tutela individual e coletiva contra atos discriminatórios não tem se apresentado efetiva, uma vez que, ajuizada a ação, a empresa reclamada nega a prática da conduta discriminatória e, aplicando-se as regras esculpidas no art. 818 da Consolidação das Leis do Trabalho, tem-se atribuído ao reclamante autor o ônus de provar suas alegações256.

Esclarecendo as causas destas dificuldades, Brito Filho sustenta que:

(...) as provas quase sempre estão concentradas nas mãos do empregador, o qual, para impedir a condenação, somente necessita negá-las, ou seja, deixar de as apresentar. Mesmo as testemunhas, salvo os ex-empregados, não comparecem para prestar depoimento e, quando o fazem, por imposição do juízo, se estiverem unidas ao empregador por contrato de trabalho, deixam de prestar todas as informações necessárias, saindo-se com evasivas, apenas pelo temor do desemprego. 257

A questão probatório, todavia, é apenas parte do problema. Como lembra Brito Filho, “a desigualdade existente entre empregador e empregado invade o processo” 258, o que evidencia uma relação bastante desequilibrada em favor do

empregador irrestrita ao aspecto probatório. Mas não bastasse isso, o próprio regime anti-discriminação da Consolidação das Leis do Trabalho mostra-se muito limitado para tutelar a igualdade entre os trabalhadores. Tome-se como exemplo as questões ligadas à equiparação salarial.

Regida pelo art. 461 da CLT, a equiparação salarial é definida por Delgado como: “figura jurídica mediante a qual se assegura ao trabalhador idêntico salário ao do colega perante o qual tenha exercido, simultaneamente, função idêntica, na mesma localidade, para o mesmo empregador” 259. Desta definição detrai-se que um

dos requisitos para a equiparação salarial é a simultaneidade do exercício da atividade entre dois trabalhadores. No entanto, a simultaneidade - ao menos nos termos em que ela é compreendida atualmente - dá margem a distorções, que na prática significam precarização da mão-de-obra mais velha.

A exigência do elemento simultaneidade como elemento justificador da

256 CARLOS, Vera Lúcia. Discriminação nas relações de trabalho. p. 61 257 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Discriminação no trabalho. p. 92. 258 Idem.

equiparação salarial facilita práticas de precarização da mão-de-obra na medida em que não atinge os casos em que há a substituição de trabalhador mais velho com padrão remuneratório mais elevado por trabalhador mais novo com padrão remuneratório reduzido. O TST editou a Súmula nº. 22 destacando a necessidade da existência de exercício simultâneo de atividade para o reconhecimento da equiparação salarial. Isto significa que a jurisprudência dominante não dá margem à equiparação salarial entre trabalhadores que se sucedem, admitindo, então, a prática de precarização. 260

Reforçando a percepção de insuficiência das medidas meramente repressivas, foi proposto projeto de lei no sentido de alterar a Consolidação das Leis do Trabalho para incluir o “Capítulo IV - A”, dispondo acerca “Da proteção do trabalhador idoso”. Entre as medidas constantes neste projeto destacam-se: a limitação à prorrogação da jornada de trabalho (art. 441 - B); a obrigatoriedade de exames médicos semestrais e demissionais por conta do empregador (441- D); limitação quanto às atividades que exigem esforço muscular acentuado (art. 441 - E); e, estabelecimento de cota nos cursos de profissionalização promovidos pelo SENAC, SENAI, SENAT e SENAR261.

Enfatize-se que as medidas repressivas são importantes. Os preceitos proibitórios de natureza criminal e trabalhistas possuem desdobramentos práticos consideráveis. No entanto, até pelo que foi exposto acima, estas medidas não se mostram suficientes para eliminar as práticas discriminatórias contra os trabalhadores mais velhos, quer pelas dificuldades práticas decorrentes da necessidade de provar a conduta discriminatória (extremamente difícil nas relações de trabalho), quer pelo caráter restrito das normas que regem aspectos como igualdade de salário.

Em um contexto como o brasileiro, onde o mercado de trabalho pretere os trabalhadores mais velhos e no qual as medidas repressivas não são suficientes para evitar esta situação, as ações afirmativas impõem-se como uma solução necessária. Mas, quais medidas devem compor as ações afirmativas destinadas aos trabalhadores velhos?

260 Em 2005, o TST cancelou esta Súmula em decorrência de sua incorporação à nova redação da Súmula nº. 6. Esta Súmula, contudo, restringe-se à hipótese de existência de quadro de carreira, silenciando quanto à questão da simultaneidade.

No documento AÇÃO AFIRMATIVA PARA O TRABALHADOR VELHO (páginas 105-110)