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4 A CRISE DA CONCILIAÇÃO DE CLASSES E A NECESSIDADE DA UNIDADE

5.2 A Insurreição toma seu lugar na História

O materialismo dialético assegura que a produção determina o consumo. A resposta revela a pergunta, a consciência é dependente da realidade, enfim, o mundo objetivo se impõe independente onde o movimento concreto-abstrato-concreto se confirma em um eterno devir: ser e deixar de ser, tornando-se outro para logo deixar de sê-lo, numa realidade em que somente as mudanças são permanentes.

O marxismo em nenhum momento se distancia dessa compreensão histórico- dialética do movimento da matéria, que revela, por isso, a existência da contradição e uma busca permanente para superá-la, e, ao fazê-lo, cria outras novas. Assim, o todo na sua diversidade contraditória não só mantém uma relação de causa e efeito, mas, ao mesmo tempo, também, uma ação de reciprocidade —produção é ao mesmo tempo consumo por um movimento de mediação. O primeiro elemento pode se tornar o último e este, pelo impulso das contradições, voltar a ser o primeiro.

O desenvolvimento da indústria trouxe para a arena da luta de classes o proletariado, imprimindo, com isso, novas leis nas condições sociais que se diferenciaram de

períodos anteriores, como a escravidão e a servidão. Investigar e elucidar essas leis advindas das novas relações sociais sob o capitalismo é justamente a força da teoria de Marx:

[...] Marx apenas formula, de modo rigorosamente cientifico, a meta que se deve propor toda investigação exata da vida econômica [...]. O valor científico de tal investigação reside na elucidação das leis particulares que regem o nascimento, a existência, o desenvolvimento e a morte de determinado organismo social e sua substituição por outro, superior ao primeiro[...] (MARX, 2013, p. 90).

A teoria marxista se impõe como a crítica mais ferrenha ao modo de vida burguês. Desvela os limites de sua democracia e de sua economia. Não só evidencia os seus limites, mas aponta sua superação por outra forma de organização social qualitativamente superior ao capitalismo, embora parido de suas entranhas. Isso foi demonstrado na principal revolução operária do século XX na Rússia, levada a cabo pelo Partido Bolchevique, tendo à sua frente a liderança incontestável de Lênin, e, ao mesmo tempo, a presença determinante de Trotsky junto a ele.

Primeiro, ao marchar ao lado de Lênin na tomada do poder liderando a insurreição. Segundo, formando e comandando o Exército Vermelho contra a segunda versão da Santa Aliança14, que pretendia sufocar a Revolução e, finalmente, o mais importante, considerada por ele mesmo, a fundação da IV Internacional. Esta rompeu com a degeneração da III e sua falência na luta pelo socialismo, ao mesmo tempo em que denunciou o papel nefasto da burocracia stalinista que desfigurava e traía o Estado Operário e caminhava para restauração capitalista, o que veio a se confirmar.

A batalha pela IV Internacional, mesmo com todos os seus reveses, pôde garantir a continuidade da luta histórica da classe operária pelo socialismo. Foi e é o que dá sentido à escrita dessas linhas e sua leitura por aqueles que não se perderam pelo caminho e buscam alternativas a esse estado de coisas terríveis que nos atormenta —a degradação da vida pela voracidade do capital.

Nas fábricas, a democracia operária se confrontava com o trabalho assalariado, com sua jornada escorchante. Nos quartéis a disciplina emanada pela ordem burguesa era questionada pelos soldados. Nas aldeias o controle das terras pelos latifundiários não encontrava mais em que se agarrar, e os camponeses, assim como os operários, que questionavam o controle da produção nas fábricas, questionavam a posse da terra no campo.

14Acordo político firmado em 1815 entre as grandes potências monarquistas da Europa onde se reuniram:

No front, todo o ar respirado era pela paz e contra a guerra. Nos sovietes, o campo, a cidade e o front se transformaram numa grande panela cozinhando a revolução, enquanto o Partido Bolchevique se preparava para o momento da tomada do poder. Além desse enorme caldeirão que fervilhava com os operários, soldados e camponeses, havia também, mesmo na clandestinidade, a cabeça de Lênin que, afastado, concentrou toda a sua atenção aos problemas fundamentais da revolução e, nesse sentido, ao entendimento dos problemas cruciais do marxismo revolucionário —tomar o poder, mas, sobretudo, mantê-lo sobre controle, apossar se do aparato do Estado não para administrá-lo com a nova roupagem, mas para destroçá-lo tal qual como é, convertendo-o de Estado burguês a Estado Operário Transicional, condição para seu fim junto às classes sociais e a propriedade privada.

O Estado Transicional, como o próprio nome diz, terá uma existência definida não se colocando como o todo poderoso Estado burguês, que se reivindica eterno, pairando acima das pessoas e das classes, tal como os Deuses do Olimpo, a comandar a vida dos reles mortais sob os seus auspícios. ―O principal argumento dos democratas, mesmo os mais à esquerda, contra a tomada do poder, era que os trabalhadores eram incapazes de dominar o aparato do Estado. Elementos oportunistas dentro até do partido bolchevique nutriam os mesmos medos [...]‖ (TROTSKY, 2007, p. 895).

Toda a intelectualidade radical se esquivava do poder como o preguiçoso do trabalho. Nunca quiseram sua companhia, até mesmo durante a revolução, a não ser no momento protegido pelo escudo dos proprietários nobres e dos grandes empresários, quando puderam demonstrar medo e indignação aos bolcheviques. ―[...] Estes agitadores de rua, demagogos, pensam que podem se apoderar do aparato do Estado!‖ (TROTSKY, 2007, p.895). Como podemos ver, toda a intelectualidade, até mesmo os radicais que eram pagos a

soldo de ouro pela burguesia para pensarem o seu mundo e fazerem, ao mesmo tempo, os

explorados pensarem com o pensamento do explorador, pensando que o faziam por si mesmos, cobrindo o Estado de uma áurea mística acima do bem e do mal, ocultando, na verdade, o seu papel como instrumento de dominação de classe, que, além da força das armas, também educava para a manutenção do poder nas mãos dos possuidores educados.

O grande general, Napoleão Bonaparte, dizia que quando elaborava um plano militar costumava exagerar ao apontar os perigos e os desastres possíveis, contudo, ao tomar a decisão para executá-lo, todas as conjecturas eram abandonadas e somente aquelas que farejavam a vitória eram alimentadas. Mas, como os grandes também são derrubados,

Napoleão esqueceu um pequeno detalhe ao invadir a Rússia: o poder destrutivo do inverno russo para as suas tropas.

Lênin pôde captar a essência desse pensamento e também aprender com seus erros. Os erros do passado têm essa finalidade, ajustar o curso do presente na corrida para o futuro. Quando diante de questões estratégicas, Lênin costumava encarar o inimigo em pé de

igualdade. Maleável nas táticas e tenaz, e inflexível na estratégia, enfrentava o inimigo como

alguém que possuía um arsenal igual ou melhor do que o dele. ―[...] Quando se chega à definição do diagnóstico de uma doença pelo método de sucessivas eliminações, suas suposições hipotéticas, começando com a pior possível, não são erros, mas métodos de análise.[...]‖ (TROSTKY, 2007, p.898).

Lênin, sem esquecer um só momento que dirigir é fazer previsões, sendo preciso escalar as cordilheiras da realidade e ver o futuro, por isso não se descuidava da situação internacional. Assim, até julho daquele ano, freou a marcha da revolução, já em agosto preparou teoricamente os próximos passos, e a partir de setembro já não lhe servia mais os freios e estudos, importava acelerar e avançar. O risco agora não era se adiantar, mas ficar para trás, pois não só na Rússia, mas também em muitos países da Europa os ventos da

revolução se agitavam. Nessas condições, com a situação mundial favorável, não havia perigo

de ser prematuro, outubro seria a hora. A situação de Lênin não era diferente, ou era até pior quando do seu retorno do exílio em abril, segundo mês da revolução, e, com suas teses, exigia que o partido deixasse a posição de esquerda da burguesia e se posicionasse como um partido revolucionário, preparando-se para a tomada do poder.

No início de outubro, Lênin recorreu à conferência do partido de Petrogrado por uma posição a favor da insurreição, só que ele estava na clandestinidade e, sentindo o vacilo da conferência, dirigiu-se pessoalmente aos delegados bolcheviques de um congresso que iria ocorrer na regional do norte. Esse apelo à insurreição imediata feito aos representantes de vários sovietes ocorreu por fora das instâncias do partido, pois, até aquele momento, os órgãos dirigentes mantinham o silêncio a esse respeito.

Era preciso uma grande confiança no proletariado, no partido, mas também uma desconfiança muito séria no Comitê Central para, por cima dele, sobre sua própria responsabilidade pessoal, da clandestinidade, e por meio de pequenas folhas de papel de carta cheias de letras miúdas, levantar a agitação pela revolução armada, pela derrubada armada do governo. [...] (TROSTKY, 2007, p. 906).

Na luta de classe não há vácuo, embora historiadores recorram a suas interrupções para justificarem tréguas entre as classes. Provavelmente as forças em luta param para avaliar

o seu arsenal e o do seu inimigo, mas se ela não estiver às claras corre pelos dutos, pelas vias comunicantes dos oprimidos.

Lênin, ao regressar do exílio, chegando à Rússia em abril, ficou isolado das lideranças do seu partido por defender a tomada do poder. Em outubro, da mesma forma, estava isolado das mesmas lideranças. Essa situação não se apresentava somente porque o Partido Bolchevique se debatia pelo confronto de ideias revolucionárias no seu interior, mas sim, pela sua composição social que, em conjunto com o atraso da revolução burguesa exigia um passo a mais dessa revolução, o qual não podia ser dado pela burguesia, mas, pelo proletariado. Essa foi à essência do isolamento de Lênin, uma vez que entendia que a revolução se iniciara burguesa para, em seguida, ser completada pelo proletariado, situação que não era aceita pelos dirigentes do partido educados pela pequena burguesia.

A educação tem o seu peso na conduta dos sujeitos, precisando de acontecimentos reeducadores. A marcha dos oprimidos na revolução se revelou como um bom chicote para os educados, para a sociedade de ontem se reeducar para a do futuro.

As teses de abril de Lênin podiam ser comparadas a um chicote de couro cru golpeando o espinhaço dos que não entenderam o seu julgamento científico e sua precisão sobre os eventos políticos, não em Moscou ou em Petrogrado,mas do conjunto da história humana.―[...] Não temos um aparato para a insurreição. O aparato do inimigo é mais forte [...]‖ (TROSKY, 2007, p.922).Essa era a visão de alguns dos dirigentes do partido, até mesmo de dois grandes líderes, Zinoviev e Kamenev. Essa constatação levantou questões táticas opostas —a conspiração, por um lado, e o tamanho da força da revolução, por outro. Lênin responde: ―[...] ‗Se você considerar que uma insurreição é certa, não é preciso falar sobre conspiração. Se uma insurreição é politicamente inevitável, então devemos nos referir à insurreição como uma arte‘ [...]‖ (Idem).

A decisão pela insurreição marcou um momento delicado, porque as pontes para o recuo começavam a desmoronar ao mesmo tempo em que as que conduziam para frente ainda não estavam prontas. Converter a vontade de tomar o poder pela forma e pelo conteúdo da necessidade da revolução consistiu em construir pontes antes que a terra tremesse sob as bases da insurreição e que permitissem, ao mesmo tempo, às massas verem e passarem sobre elas.

As pancadas do tempo não param. Os inimigos estão apostos. O partido revolucionário em crise. O equilíbrio é tênue, pois não se trata mais de teorizar sobre a revolução, e sim injetá-la nas veias para executá-la. A condição humana se revela tanto pela grandeza quanto pelas pequenas ações pesadas na mesma balança. A coragem e o heroísmo de

Heitor ao decidir enfrentar Aquiles depois de tê-lo visto em batalha, e conhecer sua fama de invencível e o pavor do seu irmão, Paris, diante da cobrança dos inimigos pelos seus atos irresponsáveis, demonstra que, tanto coragem como covardia revelam a grandiosidade das potencialidades humanas.

[...] Assim como Lenin mais completa e resolutamente do que outros expressou, nos meses do outono de 1917, a necessidade objetiva da insurreição, e a vontade das massas da revolução, assim Zinoviev e Kamenev mais francamente do que outros encararam as tendências restritivas do partido, os sentimentos da irresolução, a influência das ligações pequeno-burguesas, e a pressão das classes dirigentes(TROTSKY, 2007, p. 927).

A crise do partido não o arrastou ao marasmo, pelo contrário, os debates, as contendas, as pelejas e as disputas pessoais, todo o frenesi durante o mês de outubro só revelou o quanto era preciso discutir e o quanto o partido precisava de democracia interna. A vontade e a determinação pela luta revolucionária não vieram do pó mágico dos contos de fadas, precisou ser oxigenada e temperada de acordo com a ocasião sempre altiva e independente.

Stalin, o homem que segundo Trotsky costumava se embrenhar pelas sombras quando diante de grandes desafios, trazia à tona sua fraqueza de espírito, os limites de seus métodos políticos bitolados justamente por seu horizonte limitado e sua pobreza de imaginação criadora. Recorrendo à afirmação de Trotsky (2007), ―[...]o partido é um instrumento fundamental da revolução proletária [...]‖ (p.927), Stalin utilizou para questionar a força do partido, isso em 1924, quando da morte de Lênin.

Stalin já se insurgia como homem prático e infalível para o qual o partido tinha papel coadjuvante. Perguntara exatamente do partido na época da revolução, na disputa do direcionamento da política do partido e questionava a vitória da revolução, já que seu principal instrumento estava em crise. Essa pequena ironia demonstrava somente a ponta do gigantesco iceberg que logo tomaria corpo no oceano do stalinismo.

Não são santos nem demônios que fazem a História, e sim os homens vivos e ativos responsáveis por construí-la, e justamente por isso, por ser um produto vivo, o parido tem desacordos e debates, o que lhe permite superar as crises internas e se recompor no tempo necessário para intervir, de forma decisiva, na luta de classes, justamente essa qualidade de agir com força na velocidade dos acontecimentos, agilidade, resistência. Sentir quando deve frear e acelerar o passo, se necessário, é que o revelou em seu conjunto como um instrumento extremamente adequado à revolução.

Como a Renascença só pariu um Leonardo De Ser Piero Da Vinci, a Revolução Russa pariu um Trotsky. Pode ser que haja injustiça com relação ao Período Renascentista, pois não é possível ignorar o homem que pintou a criação de Adão e o Juízo Final, Michelangelo, também Rafael, que completou a tríade renascentista que melhor captaram em suas obras as proporções, simetria, equilíbrio do mundo em movimento, com uma sensibilidade imensurável e harmonizaram o belo, o trágico e o sublime em suas obras.

Não há como não ser desperto por um turbilhão de sentimentos ao contemplar

Monalisa e Ginevra De Benci.Seus olhos nos fazem lembrar a nós mesmos na condição de

seres humanos, assim como a revolução nos impulsiona para o futuro pela mesma condição de apego à vida e à liberdade, a busca pela felicidade.Dessa forma, as artes nos dizem do espírito humano. Um pouco de cultura, pois nem só de guerra vive a humanidade, se bem que na atualidade as guerras estão muito presentes e requisitadas nas resoluções dos conflitos, ou melhor, dizendo, como método de resolução da exploração dos mais fracos.

Na guerra, Trotsky surge não só como o líder da insurreição armada quando da tomada do poder em 1917. Foi, também, criador e comandante do Exército Vermelho que combateu a invasão da Rússia lutando contra várias potências que queriam derrotar a revolução, converteu-se na força material de defesa do Estado Operário e ainda teve um papel decisivo na história ao impedir o avanço do nazismo no mundo, derrotando o Exército Alemão no período da Segunda Guerra Mundial.

Outros partidos não deixaram de atacar a Revolução Russa. O partido reformista que venerava a moral da classe dominante considerava sagrada a base de seu regime, daí a sua pretensão de apenas reformá-lo. Os sociais democratas que se resumiam como uma réplica do partido burguês, uma espécie de segunda camada de dentes da boca do tubarão. Já o Partido Bolchevique não se coadunava com o Regime Burguês, era seu inimigo. Forjava os autênticos revolucionários que se submetiam às suas tarefas históricas que eram irreconciliáveis com a democracia e com a economia capitalista, sua existência, suas ideias e, acima de tudo, o seu julgamento moral

[...] Lenin ensinou o partido a criar sua própria opinião pública, apoiando-se nos pensamentos e sentimentos da classe ascendente. Assim, por um processo de seleção e educação, numa luta continua, o partido bolchevique criou não apenas um meio político próprio, mas também moral, independentemente da opinião pública burguesa, e implacavelmente oposta a ela. [...] (TROTSKY, 2007, p.928).

Como podemos ver, a fonte que alimentava os bolcheviques era a própria classe operária, a mesma que move o mundo com seus braços e pernas, sangue e suor, produzindo a

riqueza e garantindo a existência humana sobre a face da terra. Somente uma fonte com tanta força permitiu aos bolcheviques não vacilarem na hora decisiva, não se deter diante dos que tinham dúvidas do caminho a seguir, inclusive dentro do próprio partido, quando da hora da tomada do poder. Por fim, foi pelo rompimento total com a burguesia e a determinação em seguir outro caminho independente dela que a vitória de Outubro se tornou possível.

5.3 Os limites do economicismo e da democracia burguesa: lições aprendidas na história