• Nenhum resultado encontrado

4 A ESCOLA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO CEARÁ:

4.2 As acepções sobre a proposta de educação profissional dos sujeitos

4.2.2 Integração curricular (?) no ensino médio integrado

A questão curricular é de grande relevância na análise de uma proposta pedagógica. As feições que tomam um currículo são capazes de dar contorno a um projeto de

formação, demarcando territórios de grande disputa, seja pela classe dominante, seja pela classe trabalhadora. Interessa-nos, portanto, compreender, embora que de forma mais breve (por não ser nosso foco de estudo), como se dão as questões curriculares e como estas reverberam sobre modelo de EEEPs pesquisado, já que esse modelo conta com um desafio ímpar que é a promoção do diálogo de disciplinas de formação geral com as de formação específica. Para alargar nossas análises, procuramos examinar como é tratada a temática do currículo na escola Alfa.

A Semana Pedagógica do ano 2015, na Escola Alfa, foi realizada nos dias 19 a 22 de janeiro e teve como tema “Integração Curricular: um novo olhar docente”. A discussão a respeito da integração curricular é recorrente nessa modalidade de ensino, embora do ponto de vista da prática seja difícil a implementação. A educação profissional do Ceará se apresenta como sendo integrada ao Ensino Médio.

No primeiro dia foi proferida uma palestra pela técnica da SEDUC, Rosa59, responsável na Educação profissional pela integração curricular dos cursos técnicos e das disciplinas de base comum. A referida técnica falou da necessidade de integração, reconhecendo ser uma tarefa difícil e respaldou-se dizendo que o trabalho de integração está sendo embasado nas leituras de Ciavatta, Marise Ramos, Frigotto, teóricos que estudam a perspectiva da formação para o trabalho no contexto capitalista.

A SEDUC está reorganizando a matriz curricular das disciplinas de base comum e elaborou com um conjunto de professores uma matriz juntando/integrando as disciplinas técnicas às da base comum para os 1º anos. O trabalho vem sendo coordenado por Rosa. A técnica falou que alguns professores da base comum criticam e reclamam dizendo: “Eu não vou trabalhar em função do técnico”. Na discussão com todos os professores, foi comentado que o professor de Filosofia trabalha o conteúdo de Ética no 3º ano e que os cursos de informática, enfermagem, segurança do trabalho também trabalham o conteúdo logo no 1º bimestre do 1 º ano. Rosa questionou se não seria melhor trazer o conteúdo de ética para o início do ano para “alinhar” com os cursos técnicos.

Os professores identificaram como dificuldade de realizar a integração o horário das disciplinas técnicas e da base nacional comum. Eles questionaram como seria isso na prática, porque na semana pedagógica – embora todos os docentes estejam presentes – não ia dar tempo de analisar todos os cursos e disciplinas somente em dois dias. Perguntaram como

seria depois, haja vista o planejamento ser em horário diferente. Rosa respondeu que os coordenadores escolares fariam a mediação.

A técnica explicou que “as disciplinas base são disciplinas contributivas, isto é, são as disciplinas de base comum que facilitam o acesso ao conhecimento das disciplinas de base técnica” (Diário de campo, em 19 de janeiro de 2015). Continuou explicando com esse exemplo: “Biologia e Química são disciplinas contributivas para o curso de Enfermagem”.

A SEDUC publicou no site (CEARÁ, 2013b, p. 1) que “[...] o processo que já vem acontecendo em diversos cursos, tem por objetivo promover a aproximação dos conhecimentos das disciplinas da base nacional comum das afins de cada curso, com os conteúdos vistos nas disciplinas técnicas”. Desta forma,

O diálogo temporal entre a formação técnica e a formação geral também poderá implicar, em alguns casos, na antecipação de conteúdos da mesma série ou das séries subsequentes. Em termos práticos, conteúdos que de acordo com a sequência expressa no livro didático são próprias do 3º ano, por exemplo, poderão ser vistos já no 1º ano. Essa adequação está sendo feita de forma gradativa, de acordo com a revisão curricular de cada curso. (CEARÁ, 2015a, p. 1).

Na continuação da Semana Pedagógica, no dia 23 de janeiro, os professores da base comum e técnicos reuniram-se para dialogar sobre a integração curricular. As gestoras escolares pediram para que os professores da base comum se dividissem por área. Assim ficaram divididos: Ciências Humanas, Ciências Exatas e Linguagens e Códigos. Em seguida, os professores da base técnica passavam nos grupos, pedindo que os professores da base comum ensinassem os conteúdos necessários aos cursos técnicos. Os professores dos cursos técnicos escolhem os conteúdos a ser ministrado pelos professores da base comum. O conteúdo de Ética foi o mais comentado nos três dias de semana pedagógica. Todos os cursos técnicos pediram ao professor de Filosofia para ensinar o conteúdo de Ética no 1º bimestre do 1º ano.

Percebe-se que há uma submissão da formação geral e humana às necessidades de formação do técnico, às necessidades imediatas da formação para o capital. Segundo uma máxima da economia política clássica: “Para evitar a degeneração completa do povo em geral, oriunda da divisão do trabalho, recomenda A. Smith o ensino popular pelo Estado, embora em doses prudentemente homeopáticas.” (MARX, 1996, p. 418).

É indiscutível a importância das disciplinas Sociologia e Filosofia no Ensino Médio. É tanto que, com a mobilização de educadores e sociólogos em 02 de junho de 2008, foi aprovada a Lei 11.684, que versa sobre a obrigatoriedade do ensino de Sociologia e de

Filosofia no Ensino Médio. Mas a inserção da Sociologia neste nível de ensino é uma história de percalços, de luta e disputas políticas no cenário brasileiro (CARIDÁ et al., 2014; ERAS; CAMARGO, 2007; MASCARENHAS, 2012; MORAES, 1999).

Com base no “exercício da integração”, o curso de Segurança do trabalho, no grupo de Ciências Humanas, pediu ao professor de Sociologia e Filosofia que trabalhasse os seguintes conteúdos com os alunos dos 1º anos:

Quadro 3 – Integração curricular do curso técnico Segurança do Trabalho

DISCIPLINAS TÉCNICAS

DISCIPLINAS DA BASE NACIONAL COMUM

SOCIOLOGIA FILOSOFIA

Segurança do

trabalho Direitos, Cidadania e Movimentos sociais. Trabalho e ética

Psicologia do

trabalho Trabalho em sociedade, Cultura e Ideologia. A consciência, o ser humano, a dúvida, o diálogo, a linguagem, o trabalho, o conhecimento, a felicidade.

Fonte: Elaborado pela autora (2015).

A professora orientou que os conteúdos deveriam ser trabalhados concomitantemente ou anteriormente. Percebi que os professores ficaram bastante confusos sobre a discussão da integração curricular. Eles comentavam: que horas vão podem fazer isso, haja vista, o planejamento ser em horários diferentes?; “tarefa árdua para nós professores da base comum” (Diário de campo, em 29 de janeiro de 2015).

A disciplina Geografia também sofreu alterações a pedido do curso de Logística. No 1º ano, de acordo com a proposta do professor, o conteúdo a ser visto seria Cartografia, Clima, Relevo, Geologia, Vegetação e Questões Ambientais. Com a “integração curricular” os alunos verão: Brasil; complexos regionais; economia nacional e internacional; agropecuária; urbanização; sociedade; transporte; telecomunicação; fontes de energia. Uma professora das Ciências Humanas mencionou que não fez adaptações em seu plano curricular, pois disse que sua disciplina não ia ser modificada e que o curso técnico não fazia parte de sua grade curricular.

Como vemos, o professor acaba preparando mais aulas, mais avaliações aumentando ainda mais sua condição de precarização. Mas há outros aspectos também relevantes a se considerar: a inclusão de um conteúdo, que passa a ter relação mais estreita com a especificidade de cada curso, acaba excluindo a abordagem de outro conteúdo, de conhecimento mais geral e, por isso, mais universal. Assim, prega-se um ensino focalizado e

restrito aos interesses mais particulares de cada curso, por vezes em detrimento de um conhecimento amplo de mundo e de sociedade, tão relevantes para situar o particular.

Notamos em campo através das entrevistas e conversas informais que muitos professores apresentam uma visão crítica da política de educação profissional na qual atuam, expressas nas seguintes colocações:

Quando lhe vi na Semana Pedagógica, achei muito interessante uma pesquisadora na escola questionando a educação profissional. Eu pensei: é um trabalho relevante e importante para todos nós. Poderíamos aproveitar e denunciar a farsa dessa política. Sou... docente que tenho uma visão crítica da TESE (Diário de campo, em 03 de março de 2015).

Temos uma educação pensada pelos organismos internacionais, tudo vem pensado por eles. Temos um sistema educacional falho que faz de conta que o aluno aprende. Querem responsabilizar o professor, fazem formação continuada, mas existem questões sociopolíticas e econômicas que influenciam a defasagem do aluno. A gente não pode pensar. Ideias são perigosas. Tudo vem engessado (Diário de campo, em 03 de março de 2015).