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4 A ESCOLA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO CEARÁ:

4.2 As acepções sobre a proposta de educação profissional dos sujeitos

4.2.1 Valorações ideológicas na recepção de alunos

No 1º dia de aula, dia 26 de janeiro de 2015, todos os alunos da Escola Alfa foram conduzidos para a quadra da escola. Foi um momento de apresentação dos professores e núcleo gestor. Após a apresentação, os 2º e 3º anos foram para a sala de aula. As cinco turmas de 1º anos, cada uma com 45 alunos foram para o auditório.

É de praxe as escolas profissionais fazerem um momento que a escola chama de adaptação na primeira semana de aula. Esse processo foi de três dias. Nesse período, a escola

discute sobre o cotidiano da instituição, regimento, fala sobre a modalidade de educação profissional, situando a TESE, os pilares da educação, apresentando os cursos técnicos, entre outros.

Inicialmente a TESE foi apresentada aos alunos novatos pelos alunos dos 3º anos que já tinham concluído o Ensino Médio. Segundo o aluno do curso de Hospedagem: “O objetivo da TESE é trazer resultados. É uma filosofia de gestão baseada em valores morais: espírito de servir, humildade para trabalhar em equipe, saber traçar metas para a empresa”. Já uma aluna do curso de Logística falou: “É um modelo de gestão que é a nossa base. Integra currículo integral e integrado, é sair daqui com diploma técnico”. Sobre a TESE, a diretora falou:

A nossa escola trabalha com o modelo de gestão, a TESE. Nenhuma empresa abre se não der lucro. O nosso prêmio são os valores e a aprendizagem. O nosso negócio chama-se a aprendizagem de vocês, não apenas a aprendizagem cognitiva... mas além dos conteúdos, a gente tem outra missão, a escola tem o papel social de transformar as pessoas.

A coordenadora explicou aos alunos novatos:

Vocês vão, durante três anos vivenciar muito a TESE. É um modelo de gestão. É uma desconstrução de paradigmas. Nós não somos uma organização escolar que se preocupa com quantitativos. A gente se preocupa com a formação humana. A TESE tem uma visão de futuro. É um preparar para o amanhã. A filosofia é baseada em valores morais. O que são valores morais? São os valores necessários para conviver em sociedade, é conviver bem, respeitando os outros e se fazendo respeitar. A partir de hoje você não é mais um indivíduo, você é um coletivo. Temos que ter confiança naquilo que fazemos. Acreditar que tudo vai dar certo. Se ainda não deu certo é porque ainda não chegou o fim.

Após falarem sobre a TESE, uma coordenadora escolar explicou em que consistem os pilares da educação. Segundo a mesma:

São os conceitos de educação baseados em um relatório para a educação do século XXI, sob o olhar do político francês Jacques Delors. Segundo Delors é necessário uma formação integral, os pilares são essenciais para que o ser humano possa se desenvolver integralmente. Inclusive, ele escreveu uma obra chamada Educação: um tesouro a descobri (Diário de campo, em 27/01/15).

Após a explicação da gestora, alguns alunos veteranos explicaram os pilares um a um. Um aluno do curso de enfermagem sobre o “aprender a conviver” falou:

O mercado precisa de pessoas que saibam conviver. São as pessoas que tem liderança, são empreendedoras e que saibam trabalhar em equipe, é saber falar em público, saber se expressar bem, saber falar com as pessoas, conhecer o potencial das outras pessoas. Significa aceitar as diferenças (Diário de campo, em 27/01/15).

Outro aluno falou que é “Saber se colocar no lugar das pessoas. É procurar conhecer as pessoas. É buscar aprender a conviver, é fazer grandes amigos”. A coordenadora perguntou: “O que é aprender a ser?” Uma aluna imediatamente respondeu: “É aprender a ser um profissional excelente”. A coordenadora responde: “Não é só isso, mas é aprender a ser colaborativo, é aprender a ser aluno, a ser estudante, a ser amigo, a ser cidadão. Tem a ver com a criticidade, com a autonomia, é saber interagir com o mundo”. A coordenadora continuou falando que:

Existem três aspectos do ser humano a ser desenvolvido: o afetivo, o cognitivo e o social. Sobre o aspecto afetivo, é necessário o pilar do aprender a conviver e do aprender a ser. No plano cognitivo, precisamos do pilar aprender a conhecer e aprender a fazer. E por último, o plano social, que diz respeito a todos os pilares. Quer dizer, só posso ser um indivíduo socialmente desenvolvido se a escola trabalhar os quatro pilares (Diário de campo, em 27/01/15).

A respeito do “aprender a conviver” foi explicado pela coordenadora:

É saber trabalhar em equipe. Eu não tenho que me preocupar apenas com o meu sucesso, eu tenho que me preocupar com a Logística toda da escola. Isso é um pilar: o aprender a conviver. Isso é chamado de corresponsabilidade. Eu tenho sucesso na minha vida, mas eu devo ajudar também o outro a ter (Diário de campo, em 27/01/15).

Finalizando sua fala, a coordenadora diz: “Lembrando que os pilares da educação estão todos relacionados com a TESE”.

Percebemos, através das calorosas falas, como há uma ênfase na formação de valores. Ideias como a de coletividade, pensadas pelo referencial marxista como base de uma nova sociedade sem patrões nem empregados, são aqui tratadas como mediadoras de um projeto social calcado na tolerância ao outro, sem romper, no entanto, com os pilares de sustentação da sociedade de classes. Os discursos em torno de valores humanos foram seguidas vezes propalados, destacados com entusiasmo, reforçando sempre o nome da escola e a própria proposta das EEEPs:

A Escola Alfa se importa não somente em formar técnicos e nem somente para a base comum. É para além do curso técnico. Ela se importa em formar cidadãos. Ela quer que vocês façam o projeto de vida de vocês. É para entender que a escola quer formar em curso técnico, base comum e cidadãos [...] Nós queremos pessoas que pensam e sintam, queremos pessoas humanas, pessoas que ajudem o outro a ser melhor. E é por isso que a gente sente orgulho dessa escola (Coordenadora 1, 26 de janeiro de 2015).

O discurso da cidadania é recorrente. Buffa, Arroyo e Nosella (1988) questionam o sentido do termo cidadania e sua disseminação no campo educacional. Segundo os autores, o termo imprime uma conotação de liberdade e democracia questionável. O conceito de cidadania está trelado ao da solidariedade, coro que, aliás, não destoa dos interesses do capital em crise, que reivindica indivíduos mais pacíficos e ajustados à ordem dominante. Inclusive existe a disciplina Formação para Cidadania, componente da parte curricular transversal. As aulas, em sua maioria, servem para discutir problemas internos da turma e de indisciplina, como colocou a diretora nas aulas de integração para os discentes do 1º ano:

O DT tem uma aula lecionando Formação Cidadã. É no formar você no conviver, no aprender, no fazer, é o momento que a gente conversa sobre as regras, as normas de convivência. Quando o DT vai levar a ficha biográfica, ele vai entender o porquê do comportamento dos alunos. A disciplina vai ajudar na resolução de conflitos (Diário de campo, em 27/01/15).

Em campo, percebeu-se que a formação técnica ocupa um lugar de destaque nas escolas. Verificou-se que os alunos são identificados como: “Sou da enfermagem 1” (1 por cursar o 1º ano do Ensino Médio); “Sou da hospedagem 2” ou até “Sou da segurança 4” (aqueles que já concluíram os três anos finais da Educação Básica). Percebeu-se ainda que existe conflitos com os alunos que são de cursos diferentes. Sobre isso, o professor de Matemática relatou:

Como a educação é meritocrática, eu acho que você acaba, de uma certa forma, estimulando essa competição. Se essa competição é salutar ou não, isso tem que ser visto pelo professor com muito cuidado, porque se você estimular apenas a competição entre as turmas e dos cursos, você está estimulando não para o aluno estudar conteúdos, ter uma visão estratégica do que é um ENEM, um vestibular, mas sim aquela competição para quem consegue se articular melhor dentro da escola... é meritocracia, é você incentivar através de premiações... então, eu acho que tudo isso é muito complicado. Eu acho que quando a competição existe pela competição, ela é diferente da competição que você cria quando faz premiações. Então, eu acho isso muito complicado dentro da educação (Entrevista, em 27 de março de 2015). As EEEPs trabalham muito com projetos. Para incentivar a participação dos alunos, estimulam a competição entre as turmas por meio de premiações, como viagens, aulas de campo, pontos na média das disciplinas.

No auditório os alunos ficaram sentados no chão durante as duas primeiras aulas, ficando muito apertados, pois o espaço tinha 225 alunos, os professores e gestores. Após a fala da diretora, assumiu o momento outra coordenadora que é responsável pela parte de estágios. Sua fala foi: “Sejam bem vindos. Eu coordeno a parte técnica. E gostaria, que vocês

fossem logo providenciando a documentação de vocês, como a identidade, o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e a carteira de trabalho”.

Após, as falas dos gestores, foi a vez dos professores se apresentarem. Em seguida, falaram os alunos veteranos de todos os cursos. Um aluno do 3º ano de Logística, falou: “Aqui vocês vão encontrar muitas oportunidades, basta vocês se esforçarem. Vocês tem que traçar metas. A cada dia que passa a caminhada aqui vai se tornando mais difícil”. Já o ex-aluno, de Enfermagem 4 (eles se apresentam assim, porque já concluíram os estudos na escola), orientou os novatos: “Peguem o máximo das oportunidades. Vocês tem que se dedicar sempre mais”.

No segundo dia, as atividades foram divididas em dois momentos. O primeiro no auditório com os professores e gestoras. No segundo momento, os alunos novatos foram encaminhados às salas de aulas e os alunos veteranos continuaram repassando as orientações quanto à organização da escola. Para recomeçar as atividades, os alunos veteranos responsáveis pelas atividades na sala pediram para que os alunos recapitulassem o dia anterior. Ninguém falou (provavelmente envergonhados). Um aluno veterano que já tinha concluído o Ensino Médio recordou:

Nós falamos da missão da escola que é formar profissionais e ‘cidadões’ [sic]. A visão, gente, é ser uma escola reconhecida nas empresas. Não é só o emprego, mas o ENEM também. O emprego de dia e a faculdade, à noite. Os pilares- aprender a conhecer é aprender coisas novas. Quando eu entrei aqui, eu passei a ter um sonho, que eu não tinha antes. Hoje eu quero ser um empresário. Isso foi por conta do curso empreendedorismo. Como é que eu vou chegar até lá? É conhecendo pessoas. O aprender a fazer é ser proativo, aprender a fazer as coisas. Sobre o aprender a ser, significa ser o aluno ideal, o profissional excelente. Sobre a excelência é você... não basta ser um profissional qualquer, é ter excelência. Precisa de liderança, fazer o seu dever e ainda fazer além de sua função. É ter proatividade (Diário de campo, em 27/01/15).

Um aluno no final da sala falou que na apresentação das gestoras tinham falado sobre protagonismo juvenil. A aluna veterana do curso de Logística respondeu: “Ixii... Eles falam essa palavra direto. É como se fosse uma lavagem cerebral” (Diário de campo, em 27/01/15). De fato, em campo e nos documentos norteadores da política, notamos a recorrência da expressão “protagonismo juvenil”.