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INTEGRAÇÃO ENTRE METÁFORA, METONÍMIA E ICONICIDADE: ESTUDOS DA LINGUÍSTICA COGNITIVA

No documento Libras em estudo - Descrição&Analise (páginas 58-86)

 Neiva de Aquino Albres1

1. Introdução

Os estudos da significação ganharam uma nova direção na perspectiva Bakhtiniana, uma vez que nela a língua passou a ser estudada considerando-se a sua dimensão enunciativo-discursiva. De acordo com Bakhtin/Volóchinov (1992[1929]), há uma mobilidade específica no significado linguístico das palavras e os falantes da língua se atêm ao elemento linguístico em condições de enunciações concretas.

 Na realidade, o locutor serve-se da língua para suas necessidades enunciativas concretas (para o locutor, a construção da língua está orientada no sentido da enunciação da fala). Trata-se, para ele, de utilizar as formas normativas (admitamos, por enquanto, a legitimidade destas) num dado contexto concreto. Para ele, o centro de gravidade da língua não reside na conformidade à norma da forma utilizada, mas na nova significação que essa forma adquire no contexto. O que importa não é o aspecto da forma linguística que, em qualquer caso em que esta é utilizada, permanece sempre idêntico.  Não; para o locutor o que importa é aquilo que permite que a forma linguística figure num dado contexto, aquilo que a torna um signo adequado às condições de uma situação concreta dada. Para o locutor, a forma linguística não tem importância enquanto sinal estável e sempre igual a si mesmo, mas somente enquanto signo sempre variável e flexível. Este é o ponto de vista do locutor (BAKHTIN/ VOLÓCHINOV, 1992, p. 92 e 93).

É na interação com o outro, em um determinado contexto e tempo específico que as palavras (signos) vão tomando significados. Nesse processo procuramos

1 Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Especial pela UFSCar.

compreender a fala do outro com quem conversamos, levando em consideração as  pessoas envolvidas, suas funções sociais e os discursos “atravessados” nes se novo

discurso.

Para Dias (2010, p. 100), “o problema fundamental da semântica reside na dificuldade de conciliar-se a polissemia da palavra com sua unicidade”. Na perspectiva da abordagem enunciativo-discursiva é impossível constituir significação da palavra  –  na língua oral, ou do sinal – na língua de sinais – sem que seja construída dentro de uma enunciação.

Especificamente, a enunciação constitui-se, do ponto de vista de Bakhtin / Volóchinov (1992) em um signo variável e flexível, sendo orientada pelo contexto e por  uma situação precisa.

O essencial na tarefa de descodificação não consiste em reconhecer a forma utilizada, mas compreendê-la num contexto concreto preciso, compreender sua significação numa enunciação particular. Em suma, trata-se de perceber seu caráter de novidade e não somente sua conformidade à norma. Em outros termos, o receptor, pertencente à mesma comunidade linguística, também considera a forma linguística utilizada como um signo variável e flexível e não como um sinal imutável e sempre idêntico a si mesmo (BAKHTIN/VOLÓCHINOV, 1992, p. 93).

O mesmo autor nos chama a atenção para os termos da língua que, ao serem concatenados, produzem uma infinidade de significados  –  esses significados flutuam dos mais transparentes aos mais opacos; dos mais comuns aos mais imprevistos.

Como nos apropriamos da polissemia da língua que usamos e pela qual nos constituímos? Como compreendemos os significados imprevistos pretendidos na fala do outro? Como são construídas as metáforas em línguas de sinais? Qual a relação da criação da metáfora com a iconicidade dos sinais? Metáfora, metonímia e iconicidade integram o mesmo sistema conceitual e cultural? Estas e outras questões nos conduzem neste texto reflexivo. Procuramos, portanto, neste trabalho levantar algumas questões sobre a significação nas línguas de sinais.

Há muitas teorias que buscaram compreender o campo da significação das línguas. Uma das perspectivas que têm se dedicado mais precisamente à metáfora é a

linguística cognitiva. Ateremo-nos, neste ensaio, à teoria de metáfora tal como apresentada nos estudos de Lakoff e Johnson (2002[1980]).

As línguas de sinais foram tomadas como objeto de análise nessa perspectiva,  principalmente em estudos sobre a língua de sinais americana, doravante ASL (de  American Sign Language) (WILCOX, 2000, 2004a, 2004b; WILCOX, 2004c e WILCOX, WILCOX, JARQUE, 2003; TAUB, 2001). No Brasil, o estudo de Faria (2003, 2006) é pioneiro, visto que trata da manifestação da metáfora na língua brasileira de sinais - Libras em contraste com as construções metafóricas presentes na língua  portuguesa.

Os estudos no campo da linguística cognitiva fundamentam as reflexões que se apresentam neste trabalho. No intuito de entender como a metáfora, a metonímia e a iconicidade se manifestam nas línguas de sinais, na seção 2, discorremos de forma  bastante sucinta sobre tais conceitos, tal como concebidos e aplicados na linguística cognitiva às línguas orais. Essa tríade tem sido indicada como fundamental para compreender as expressões das línguas de sinais (WILCOX, 2004c). Já na seção 3, desenvolvemos uma revisão de estudos sobre essa mesma tríada em língua de sinais. Por fim, na seção 4, desenvolvemos alguns apontamento sobre Metáforas na Libras.

2. Conceitos da vida cotidiana – Metáforas, Metonímias e iconicidade em línguas orais

Até recentemente, a metáfora era concebida apenas como um recurso literário da imaginação poética e um ornamento retórico. Todavia, Lakoff e Johnson (2002) indicam que as metáforas estão impregnadas na vida cotidiana.

A metáfora está infiltrada na vida cotidiana, não somente na linguagem, mas também no pensamento e na ação. Nosso sistema conceptual ordinário, em termos do qual não só pensamos, mas também agimos, é fundamentalmente metafórico por natureza (LAKOFF e JOHNSON, 2002 [1980], p. 45).

Inauguram um novo olhar, não mais voltado para língua como um sistema fechado, mas sim, levando em consideração a importância dos aspectos  funcionais dos fenômenos linguísticos (em particular, a função estruturante da linguagem). Tais

 processos vêm recebendo bastante atenção nos estudos de línguas orais no âmbito de uma corrente linguística denominada linguística cognitiva.

A Linguística Cognitiva surgiu no inicio da década de 80, interessada em compreender o fenômeno da significação (já evidenciado, aliás, pelo movimento da Semântica Gerativa, mas, ao contrário deste, fora da tradição gerativa). Os processos metafóricos e metonímicos ganham destaque nesses estudos, entendendo-os como  processos estruturantes nas línguas e não apenas como recursos literários.

Essa é uma corrente da linguística que vê a língua em conexão com a experiência humana. As unidades e as estruturas da língua são estudadas, não como entidades autônomas, mas sim como manifestações de capacidades cognitivas, da capacidade humana de organização conceitual, da possibilidade de categorização, de mecanismos de processamento e da experiência cultural, social e individual (HILFERTY, 2001).

A Linguística Cognitiva não faz uma separação rígida entre morfossintaxe e semântico-pragmática. Leva em consideração aspectos da cognição para analisar a língua. “A influência do funcionalismo é evidente, visto que os n íveis morfossintático, semântico e prosódico estão interligados” (LAMBRECHET, 1994, p. 25).

 Nas explicações dos fenômenos linguísticos, é considerada tanto a forma pela qual a língua é adquirida, organizada e mobilizada em e para ações sociais, quanto à forma pela qual os conhecimentos e as atitudes necessárias para o engajamento nessas tarefas são adquiridos, representados e mobilizados pelos participantes. Desta forma, todas as estruturas linguísticas são construídas e utilizadas de forma a guiar a construção de sentido, a apontar para ele, dando pistas a serem preenchidas pelos interlocutores, ou seja, o sentido não é decodificável a partir da forma, simplesmente, depende do interlocutor. Não existe um conjunto de regras finitas que aplicadas a um texto extraia o seu “verdadeiro” sentido (CHAFE, 1994).

O homem, a partir de suas experiências cria formas de expressão que estão relacionadas às formas de organização cognitiva de interpretação dos eventos sociais. Para ilustrar a questão da expressão metafórica, apresentamos dois sistemas de expressão metafórica sobre espaço-tempo em línguas orais: a metáfora da pessoa em movimento, em que o orador está se movendo ao longo da linha do tempo para o futuro, e a metáfora do tempo em movimento, onde o orador fica parado e o tempo é concebido como uma corredeira que transporta o fluxo do futuro para o passado.

Figura 1 - Esquemas cognitivos espaciais Fonte: (GENTNER, 2001, p.204)

Os dois sistemas parecem com base em dois diferentes esquemas espaciais (ver Figura 1). Exemplos de metáfora da pessoa em movimento são os seguintes: •Vou fazer isso •Estamos nos aproximando rapidamente dos feriados. •Devemos avançar com este  plano •O presente é um ponto que acabou de passar. Exemplos da metáfora do tempo em movimento são: •Próximos anos / o ano  passado •As férias estão chegando rápido. •A noite segue o dia

(GENTNER, 2001, p. 204).

O homem interpreta e processa o mundo também como eventos visuais, o espaço oferece uma estrutura que é mapeada em tempo, o espaço é conceitualmente mais concreto que o tempo, assim da cognição humana concebe domínios abstratos em termos de domínios concretos. Assim, um mapeamento metafórico consiste de compreender quais domínios concretos servem de base para a conceituação de domínios mais abstratos. O processo é de um domínio para outro domínio.

As metáforas são conceituais, pois são expressões linguísticas e existem no sistema conceitual humano. Pode-se considerar que:

A essência da metáfora é compreender e experienciar uma coisa em termos de outra. [...] o conceito é metaforicamente estruturado, a atividade é metaforicamente estruturada e, em consequência, a linguagem é metaforicamente estruturada. [...] a metáfora não é

somente uma questão de linguagem, isto é, de meras palavras, pelo contrário, os processos do pensamento são em grande parte metafóricos (LAKOFF e JOHNSON, 2002, p. 48).

Assim, o conhecimento é sistematizado conceitual e metaforicamente, por  exemplo:

IDEIAS (OU SIGNIFICADOS) SÃO OBJETOS

EXPRESSÕES LINGUÍSTICAS SÃO RECIPIENTES COMUNICAÇÃO É ENVIAR 

“O falante coloca ideias (objetos) dentro de palavras (recipientes) e as envia (por  meio de um canal) para um ouvinte que retira as ideias-objetos das palavras recipientes”. (LAKOFF e JOHNSON, 2002 [1980], p. 54). Assim, falantes da mesma língua são capazes de se compreender, pois, geralmente, para uso das metáforas, se faz desnecessário algum contexto específico para se determinar se a frase tem ou não significado, são expressões já convencionadas.

Os falantes do português compreendem facilmente expressões como: “preciso  passar aquela ideia para ele”, “pesquei sua ideia”, “vamos colocar as ideias em

discussão”, entre outras.

Segundo Dalacorte (1998, p. 63), as metáforas convencionais, cujos significados são automaticamente ativados, são utilizadas pelas pessoas no seu dia a dia sem que estas pessoas tomem conhecimento de que estão recorrendo a elas para expressar  conceitos que não se explicam por si só. Dificilmente, as pessoas se dão conta de que estão utilizando metáforas para auxiliá-las a expressar suas ideias.

Em muitas expressões metafóricas, a metonímia faz parte do processo de  produção da nova significação. Pode-se definir a metonímia como o uso de uma entidade para se referir a outra. Há uma pequena diferença entre as metáforas e as metonímias, nas palavras de Lakoff e Johnson (2002).

A metáfora é principalmente um modo de conceber uma coisa em termos de outra, e sua função primordial é a compreensão. A metonímia, por outro lado, tem principalmente uma função referencial, isto é, permite-nos usar uma entidade para representar  outra (LAKOFF e JOHNSON [1980], 2002, p. 92 e 93).

Assim, acontece em casos de personificação em que atribuímos qualidades humanas a entidades não humanas  –  teorias, doenças, inflação, etc. Ocorre o uso de  parte pelo todo, como por exemplo em situações de:

PARTE PELO TODO OBJETO PELO USUÁRIO

INSTITUIÇÃO PELOS RESPONSÁVEIS

O falante se refere à parte pelo todo, como em: “Precisamos de caras novas por  aqui”, “É necessário respeitar os cabelos brancos”, como também, “O Carrefour  aumentou os preços novamente”, entre outras.

“Assim como metáforas, os conceitos metonímicos estruturam não somente nossa linguagem, mas também nossos pensamentos, atitudes e ações e, também,  baseiam-se na nossa experiência” (LAKOFF E JOHNSON, 2002 [1980], p.97).

Lakoff e Tuner (1989 apud  FARIA, 2003) sustentam que a iconicidade na linguagem é uma metáfora delineada pelo referente que motiva a estrutura da expressão, o significado é entendido pela relação estabelecida. O caráter icônico das línguas orais recorre à iconicidade fonológica sendo determinado pela convencionalidade, o caráter  icônico das línguas de sinais recorre à iconicidade visual, também sendo dependente da convencionalidade dos usuários da língua.

As línguas de sinais, pelo estímulo visual que a língua de modalidade gestual- visual, apresenta mais iconicidade para a criação de itens lexicais, de forma que as línguas orais não o fazem, pois fazem de forma bem diferente.

Os sons parecem ter um simbolismo universal. A oposição de fonemas graves, como o /a/, e agudos, como o /i/, é capaz de sugerir a imagem do claro e do escuro, do pontudo e do arredondado, do fino e do grosso, do ligeiro e do maciço. Por isso, quando se vai indicar, nas histórias em quadrinho, o riso dos homens e das mulheres, usam-se, respectivamente, ha, ha, há e hi hi hi. Ainda nas histórias em quadrinho, as onomatopeias que indicam ruído, sons brutais e repentinos, como pancadas, começam sempre por consoantes oclusivas, que são momentâneas como um golpe (p/b; t/d; k/g): pum,  pá, tá (FIORIN, 2005, p. 62).

Esses exemplos indicam a ocorrência também de um tipo de motivação que aconteceria nas línguas orais. Sendo assim, as línguas orais não seriam completamente arbitrárias: há algum tipo de motivação em suas estruturas.

Lakoff e Johnson (2002[1980]) indicam ainda a existência de metáforas orientacionais também na produção de sentenças afirmativas ou interrogativas. Desta forma, na entonação de sentenças se tem uma metáfora. O que eles denominam de DESCONHECIDO É PARA CIMA e CONHECIDO É PARA BAIXO. Ou seja, o que se pergunta é algo desconhecido, desta forma as perguntas tem uma entonação para cima. Consideram que esta é uma metáfora, pois não pode ser explicado apenas em termos formais já que se baseia em nossa conceptualização espacial da entonação forma linguística.

Com relação às línguas de sinais, discute-se atualmente a respeito dos conceitos de Arbitrariedade / Iconicidade / Convencionalidade. As Línguas de Sinais parecem ser  mais icônicas que as línguas orais, mas isso não descaracteriza a ocorrência a arbitrariedade.

3. Metáfora, Metonímia e a iconicidade cognitiva em línguas de sinais

A análise de várias línguas de sinais a partir da perspectiva da linguística cognitiva tem revelado a manifestação de metáforas universais assim como acontece com as línguas orais. Essas pesquisas exemplificam as diferenças que refletem a realidade cultural de línguas de sinais em diferentes países e têm identificado correspondências icônicas e metafóricas entre o curso de criação dos sinais e os campos de significação (WILCOX, 2004b).

3.1 Metáfora

Vimos que a maioria das pessoas associa a metáfora com a linguagem literária. Raramente se reconhece o quanto usamos de metáforas ao discutir realidades cotidianas. “A metáfora é geralmente definida como uma extensão do uso de uma palavra ou sinal transpondo seu significado primário para descrever referentes que são semelhantes à  palavra ou a relação com o sinal primário” (LUCAS e VALLI, 1992, p. 155, tradução

A cultura afeta a produção da linguagem e da formação de palavras por meio da conceituação metafórica. "O significado não é determinado de forma direta pela realidade objetiva, ao contrário, é uma questão de como interpretamos ou estruturamos uma situação em nossa representação cognitiva", como afirma Langacker (1985, p. 110 apud WILCOX, 2004b).

 Nesta seção apresentamos um levantamento de trabalhos, principalmente os desenvolvidos sobre metáforas na língua de sinais americana, língua de sinais francesa, língua de sinais britânica e língua de sinais chilena.

Wilcox (1993) publicou seu primeiro estudo sobre metáfora na língua de sinais americana na década de 1990. A autora tomou como base os estudos de Lakoff e Johnson (1980) sustentando que uma conceitualização abstrata é tomada pelo uso de termos concretos, físicos. Dessa forma, as ideias abstratas são reflexo do conhecimento que o homem tem sobre o manuseio dos objetos do mundo.

Em 2000, Wilcox publica o livro “ Metaphor in American Sign Language”2. Ela desenvolveu um mapeamento das metáforas em ASL e chegou as seguintes categorias de análise:  Primeiro grupo - IDEIAS SÃO OBJETOS E A MENTE É UM   RECIPIENTE : ideias são objetos sujeitos à força física, ideias são objetos manipuláveis

ou colocáveis em algum lugar, ideias são tangíveis, ideias são objetos que podem ser  cuidadosamente discriminados e selecionados . Segundo grupo: METÁFORAS   ESTRUTURAIS : as ideias têm uma relação com os conceitos físicos, como a

configuração da mão.

 Na categoria “a mente é um recipiente”, Wilcox (2000) considera que os surdos usam sistematicamente partes da cabeça para representar consciência e pensamento. Em ASL, sinais como os seguintes são dados como exemplo dessa categoria: REMEMBER  (relembrar), MEMORIZE (memorizar), UNDERSTAND (entender), FORGET (esquecer), THINK (pensar), IMAGINE (imaginar), OPINION (opinião), SUSPICIOUS (desconfiado), OPEN-MIND (abrir a mente), entre outros. Esses sinais são produzidos na área da cabeça, mas não são produzidos em um único ponto, ou seja, podem ser   produzidos na testa, no centro da cabeça, na parte lateral. Existe então, uma relação

entre localização e possíveis funções desenvolvidas pelo objeto físico  – cérebro.

Em outra pesquisa em que estuda o discurso de um surdo americano, Wilcox (2004a) analisou, assim como neste exemplo anterior, que alguns verbos podem

representar outros significados. Ela observou que a mente é comparada a um recipiente, um lugar onde se pode guardar informações e no caso da sinalização analisada, esse recipiente se referia a um computador (cf. OPEN-COMPUTER (abrir o computador) (figura 2)).

Figura 2. OPEN-COMPUTER  Baseado em: (WILCOX, 2004a, p. 203)

As metáforas da ASL também foram estudas por Taub (2001). Ela analisa os sinais metafóricos com base em um duplo mapeamento: 1) realiza um mapeamento metafórico descrevendo o percurso do domínio conceitual concreto (domínio fonte)3

 para um domínio abstrato (domínio alvo), e 2) realiza um mapeamento icônico4 entre o referente que motiva a produção do sinal e as formas linguísticas que os representam.

Para a autora há uma relação entre o concreto e o abstrato e no processo de análise é possível apreender a iconicidade do sinal. Considera que está preservado na formação do sinal elementos do referente que representa, mas a conceitualização e o significado são abstratos. Revela a complexidade dessas elaborações mentais para os falantes da língua alcançarem a expressão metafórica.

Taub (2001) desenvolveu alguns estudos empíricos e, a partir desses, estabeleceu a seguinte classificação:

a) o futuro está a frente: Nesse mapeamento o futuro é conceitualizado à frente de quem sinaliza.

 b) intimidade e proximidade: O espaço de articulação do sinal revela o significado de  proximidade, não só das mãos em relação ao corpo do sinalizador, mas também

entre as duas mãos.

c) iconicidade metafórica e iconicidade pura em um sinal metafórico: ocorre quando em um único sinal se combina dois tipos de iconicidade.

3 Os termos “domínio-fonte’ e ‘domínio-alvo” são usados no estudo do fenômeno das metáforas. A metáfora consiste de um domínio-fonte e de um domínio-alvo, sendo a fonte um domínio mais físico e o alvo um tipo de domínio mais abstrato. Exemplo: “afeição é calor”. 4Trataremos mais profundamente da iconicidade em outro tópico deste texto.

d)  fusão de sinais: uso de sequência de sinais como uma expressão.

Taub (2001) descreve que um conceito altamente abstrato pode ser construído  por meio de uma sinalização icônica, como na ilustração a seguir para representar 

THINK-PENETRATE (atingir um objetivo) (figura 3). Uma das mãos se move da cabeça (espaço destinado ao pensamento) e se volta para uma barreira construída com a outra mão, significando: “Ela finalmente chegou ao objetivo”. Dessa forma usa -se uma imagem concreta para expressar um conceito abstrato. É uma expressão icônica e metafórica ao mesmo tempo.

Figura 3: THINK-PENETRATE Baseado em: (TAUB, 2001, p.21)

As línguas de sinais podem também usar as mesmas metáfora usadas em línguas orais. Por exemplo, a língua de sinais britânica usa uma metáfora que é encontrada em muitas línguas faladas (incluindo o inglês) e em algumas línguas de sinais, como a conceitualização de que “entender é agarrar”. “No entanto, na ASL, o ‘entendimento’ não significa metaforicamente ‘agarrar’. Em ASL, o verbo significa apenas o ato físico de receber e não o significado metafórico de compreensão ” (WILCOX, 2000, p. 131, tradução nossa).

Atualmente, as diferenças e semelhanças entre as conceitualizações e as construções metafóricas têm instigado os pesquisadores. A ASL é historicamente relacionada à língua de sinais francesa. Um estudo sobre as semelhanças e diferenças entre essas duas línguas, sugerido por Wilcox (2004b), revelaria padrões interessantes de gramaticalização5.

Além disso, esse estudo poderia revelar que usuários de uma língua são capazes de compreender as representações metafóricas usadas pelo seu interlocutor por meio da

5 Novos estudos têm buscado descrever a gramática das línguas de sinais a partir da estrutura espacial da mesma, considerando ser esta fortemente influenciada pelo caráter estruturante da linguagem (WILCOX, 2004b).

experiência cultural, se não fosse assim os sinalizadores não teriam o mesmo esquema de imagens necessárias para se compreenderem. O estudo de diferentes línguas de sinais levará a uma compreensão mais profunda da linguagem e de como as diferenças

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