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2. CONJUNTURA POLÍTICA DO II REINADO

2.4 INTELECTUAIS E OPINIÃO PÚBLICA

Gramsci nos mostra que os intelectuais se formaram historicamente associados às elites econômicas. Sua função dentro dos diversos “partidos” é o de organização e disseminação da ideologia. Alencar é alguém que nasceu na tradição da aristocracia rural, mas por sua atividade como jornalista, advogado e político, e por seu ativismo político, pode ser enquadrado na categoria de intelectual orgânico. Aquele que busca em sua práxis transformar, ensinar e buscar soluções para a sociedade. Mas Alencar está longe de ser um elemento que surge do povo ou das “bases populares”, apesar de ter sido eleito deputado para vários mandatos. Cabe lembrar que as campanhas políticas no período não exigiam uma presença constante do candidato junto a sua base eleitoral. Os eleitores – pouquíssimos decerto - são relativamente abastados (considerando não haver um mercado de trabalho, as diferenças entre os grupos são grandes) configuram uma categoria da elite regional que tendia a se identificar com um candidato mais pela rede de relações sociais a que este representava ou estava associado do que propriamente às ideias de algum dos partidos políticos em atuação no período.

É na literatura e no jornalismo aonde floresce a vocação de Alencar como intelectual; é ali que se constitui a sua forma de estudar a realidade e de interagir com ela. Entendemos que, para Gramsci (1976), a ideia de participação na cultura não significa a simples aquisição de conhecimentos ou uma atitude passiva do sentimento humano, mas sim posicionar-se frente à história, fazer a história acontecer mesmo que a poder das armas. E a luta armada do intelectual vem na forma de manifestos; é a sua maneira de interagir com o público (BOBBIO, 1997) buscando (incitando) a transformação da realidade.

A cultura está relacionada com esta transformação da realidade, através da busca e da conquista de uma consciência superior onde cada indivíduo precisa conseguir

compreender o seu valor na sociedade (GRAMSCI, 1976). É a passagem do momento corporativo ao momento ético-político, da estrutura à superestrutura. Isto é expresso por Gramsci através do seu conceito ampliado de política, a "catarse". O momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao nível da consciência universal, e as classes conseguem elaborar um projeto para toda a sociedade através de uma ação coletiva. Assim, sair da passividade, para Gramsci, é deixar de aceitar a subordinação que o sistema capitalista impõe a alguns estratos da população.

Alencar, advogado brilhante e político combativo, é antes de tudo um homem das letras. Alguém que conhece a força da palavra e, como jornalista e editor, o alcance que um periódico pode ter. E ele usará isso em seu favor. Este intelectual buscará em suas leituras os conceitos clássicos do liberalismo com Adam Smith, John Locke, Benjamim Constant e outros poucos livros que tinham em mãos – vários ainda em sua língua original (RENALT, 1976) - que lhes dariam o suporte para se sustentar junto a tecnocracia administrativa que se formava, situando-se em algum lugar confortável entre o absolutismo e a democracia - em alguns casos entre o constitucionalismo e o voto censitário, entre o liberalismo e a igualdade.

A tarefa a que se propõe o Alencar, que pode ser entendida também como uma espécie de educação – senão das massas, com os movimentos operários principalmente no início do século XX e que não se percebem ainda no período, mas de grupos paulatinamente mais generalizados que se formam como resultado do desenvolvimento das cidades – é praticado pelos intelectuais (sendo Alencar um exemplo), como agentes de ligação entre as elites e tais grupos, visto que o projeto educacional corresponde a uma necessidade de formação intelectual e técnica do povo, até mesmo para uma maior qualificação do trabalhador que pudesse gerar, com seu trabalho, um desenvolvimento tecnológico dos meios de produção de capital., e também, para o período, um texto mais “agradável”, e basicamente mais acessível, que seria um facilitador para que uma maior parte da população pudesse conhecer as ideias liberais. O sentido era didático e ideológico, ao mesmo tempo, de forma que um grupo maior pudesse ser identificado com o movimento, e dele tomasse partido.

Observe-se que em Gramsci a supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos: como domínio (coação) e como direção intelectual e moral (consenso). É no consenso que o trabalho de Alencar busca organizar uma sociedade menos desigual a partir da divulgação de uma ideologia liberal (dentro dos limites do que se pode entender como “iguais” no liberalismo brasileiro; estamos sempre no âmbito de uma aristocracia), de uma moral cristã que auxilia no projeto de dominação do povo e da defesa da propriedade privada, esta extensiva ao projeto da escravidão.

Um grupo social pode e deve impor-se como dirigente (e seu modo de expressão é, em geral, o partido político), e sua organização é o que lhe sustenta na busca de uma posição no poder. Isto vale tanto para as elites como para os grupos de trabalhadores. Mas, a maneira para que isto ser levado a cabo seria pela via da informação, da educação, da politização enfim. Algumas preocupações de Gramsci são tais como as de Alencar: Como levar a discussão política para a maior parte da população enquanto esta não se preocupa com a realidade, mas com os modismos, com as influencias externas? Como politizar o povo? (GRAMSCI, 1976) O que se nota é que tal discurso não se dirige propriamente as massas, ele já existe – anterior a Marx e Gramsci – e é usado como forma de dominação para todos os grupos sociais. Segundo Gramsci (1999) os intelectuais, que mesmo na Itália não estavam ligados às massas, “deveriam” ligar-se, como uma opção ética e como uma opção política para a transformação. O que muda não é necessariamente a forma do discurso, mas a direção e o público a que se destina. O poder não é mantido apenas através da hegemonia de classe, ou pela simples difusão de ideias desta classe que o assume, é preciso ação.

Em Alencar não observamos uma radicalização neste sentido, apenas o uso cada vez maior das formas de comunicação disponíveis – e de forma cada vez mais diversa, tentando alcançar cada vez mais pessoas – no momento. A sociedade civil para Alencar aumentaria sua participação política quanto mais politizada estivesse e quanto maior fosse desenvolvida sua capacidade crítica; e o Estado não seria assim tão somente a sociedade política, mas o resultado da ação política da sociedade civil enquanto núcleo formador da sociedade política (GRAMSCI, 1999). As ideias da sociedade política são passadas como discurso ideológico para todo o grupo, e em

Alencar percebemos a importância, senão do formador, mas principalmente do divulgador de tais ideias, alguém que por vezes pode efetivamente mudar a direção do jogo, dependendo da capacidade de inserção de propostas, valores e ideias nos diversos grupos. Não se trata aqui de buscar uma intencionalidade em Alencar. Este, enquanto autor dos discursos existe em integração com os outros “eus”: o leitor, o intertexto. A palavra, e o enunciado – no caso – são por natureza ideológicos. Não há um significado que não se refira (não se remeta) ao social. Todo enunciado é um evento histórico e, ao mesmo tempo, um ato social. É por meio de enunciados que os agentes começam a compreender o mundo e, depois, agir sobre ele. Qualquer texto constitui uma forma de ação verbal calculada para a leitura e com o intuito de propiciar respostas internas, e para uma possível reação crítica – positiva ou negativa - da sociedade. Uma enunciação é uma forma de poder. Cada enunciado é dirigido a alguém em uma situação específica, em um momento específico do tempo. As relações de poder, imersas na linguagem, determinam também as formas das relações sociais. Os enunciados dialogam constantemente com outros enunciados em sua constituição. O cotidiano não existe em uma ordem formal, somos nós que tentamos organizá-lo mediante uma narrativa que se pretende coerente e as relações entre os “falantes”, que estão sempre mudando. Tais mudanças nas instituições se dão porque são constituídas nesse movimento dinâmico (STAN, 1992). O texto se constitui como uma forma de ação que visa propiciar respostas internas e uma possível reação crítica – positiva ou negativa - da sociedade. Alencar busca construir, em seu texto, uma resposta positiva, empática, que pretende sugerir (quando menos) comportamentos determinados aos grupos sociais a que se referem. E, quanto mais acessível é o discurso, maior a sua amplitude. É a relação a que se chama dialogismo. Os enunciados dialogam constantemente com outros enunciados em sua constituição, e mesmo depois, quando assimilados por nós, o que já é uma das formas de assimilação do discurso dada pelo processo dialógico (STAN, 1992).

Essa hipótese se sustenta na observação de que os grupos políticos necessitam se reproduzir e, apesar do controle restrito do eleitorado (voto censitário) e dos reconhecidos laços de família, não é só o núcleo familiar o “berçário” aonde políticos iram encontrar e formar seus sucessores. Os laços de apadrinhamento são comuns

e, também não são incomuns as escolhas de sucessores políticos pelo critério de amizade, típico do clientelismo em vigor no Brasil. A escolha dependia de quem estivesse disposto a assumir o discurso do poder. Lembramos que Chauí (1997) sustenta que a proliferação dos discursos sobre a nação faz com que existam várias “nações” dentro da nação, cada uma determinado por um modo de pensar a realidade, a sociedade e a política, e apresentado a um grupo diferente. É no bacharel, um “proto” político, elemento constituinte da opinião pública e objeto dos jornais políticos que Alencar busca seu interlocutor. O objeto de seu discurso, que visa “construir” uma opinião pública. Hobsbawn (2010) afirma que a opinião pública é um conceito em si próprio ligado ao liberalismo. A informação é um agente constituinte para a integração dos novos grupos que passam a participar dos movimentos políticos.

Para a Europa, o autor sustenta que as revoluções europeias de 1848 mostraram que a classe média, o liberalismo, a democracia política e mesmo as classes trabalhadoras seriam, a partir de então, presenças permanentes no panorama político (HOBSBAWN, 2010). E, com relação ao Brasil, se ainda não temos uma classe operária com poder de luta. Fora a classe privilegiada, detentora de educação, leitora de jornais, detentora dos cargos políticos e do funcionalismo público, compondo a burocracia, a classe formadora de opinião a que nos referimos – que podemos designar como opinião pública – muito pouco podemos observar da interferência popular nos processos políticos. A direito ao voto por exemplo, nos conta Prado (2001) era conseguido (e exercido) pelos homens pobres, possuidores de poucas posses, que constituíam o grosso do eleitorado, mas que em quase sua totalidade estavam atrelados aos grandes proprietários de terras e de escravos, como no exemplo do “voto de caixão”28 com Nabuco (FAORO, 2004), o que

acabava por determinar certo conservadorismo nas eleições, com os resultados sempre tendendo ao continuísmo e a solidariedade pelo chefe político local, mesmo estas sendo constantemente vitimadas por fraudes e manipulações.

Portanto, a imprensa colaborou no processo de constituições e acesso de uma opinião pública no Brasil. A opinião pública pode ser entendida, enfim, como a

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participação da população (ou de uma parte desta, como vimos) na crítica aos rumos de um determinado estado, ou mesmo assunto relevante. Apesar de alguns comentadores negarem veementemente a possibilidade de uma opinião púbica, como no caso de Bourdier (1981), se baseando principalmente no fato de que quando se coloca a mesma questão para todo um grupo (por mais homogênio que este possa vir a ser), está implícita, assegura, a hipótese de que exista um consenso sobre os problemas, e que já hajam acordos sobre as questões que merecem ser colocadas, e uma manipulação nos caminhos a que tais propostas de opinião devam revelar, caracterizando o discurso da opinião pública como algo já previamente moldado, preferimos nos basear em Becker (2003) que afirma que a opinião pública se caracteriza exatamente pela diversidade, o que lhe distingue como um estudo mais aprofundado da sociedade, que é capaz de indicar a atitude e o comportamento dos homens enquanto em conjunto (enquanto massa), diante de sua época.