• Nenhum resultado encontrado

Inteligência urbana e privacidade no combate à pandemia: entre utopia e distopia

Oradores convidados:

O debate realizou-se na quarta-feira, 13 de maio, às 17:00, e teve como con- vidados João Marques, Vogal da Comissão Nacional da Proteção de Dados; Jorge Portugal, General Manager da COTEC Portugal; e Fernando Matos, Presidente da Data Science Portuguese Association, contando, como regu- larmente, com a intervenção dos participantes residentes António Almeida Henriques e de Miguel de Castro Neto, que moderaram a discussão.

As várias possibilidades tecnológicas com vista ao controlo da mobilidade dos cidadãos e de um ressurgimento do pico da infeção, em contraponto com a utilização de dados pessoais e a perda progressiva de privacidade, represen- taram alguns dos temas a abordar neste último SMART PORTUGAL Webinar.

João Marques Vogal da Comissão Nacional de Proteção de Dados Jorge Portugal General Manager da COTEC Portugal Fernando Matos Presidente da Data Science Portuguese Association Miguel de Castro Neto Subdiretor da NOVA IMS, Coordenador da NOVA Cidade António Almeida Henriques Presidente da CM Viseu, Vice-Presidente da ANMP Painel residente:

35

Fernando Matos, Presidente da Data Science Portuguese Association, reco- nheceu que “as melhores respostas que devem ser dadas a esta crise podem ser de facto conseguidas através da ciência dos dados e os nossos responsá- veis políticos deveriam olhar para este tema com muita seriedade.” O res- ponsável da associação considerou também pouco provável que o país al- cance o sucesso na retoma da economia sem a monitorização dos infetados.

Para isso, acrescentou que Portugal precisa “de identificar os infetados, não necessariamente com dados como nome e morada, mas sabendo que aquele ID de telemóvel pertence a um infetado. É o nível mínimo de dados de que necessitamos para desenvolvermos aplicações que sejam realmente eficazes.”

Fernando Matos defendeu o desenvolvimento de uma app global, dispo- nibilizada por uma das grandes empresas do sector – a Google ou a Apple – e que fosse supervisionada por entidades governamentais, e obrigatória para quem queira sair de casa. Nas palavras de Fernando Matos, “a app aprenderia a calcular uma probabilidade sobre quem poderá estar infeta- do em virtude dos contactos que teve no passado, e recomendaria testes e confinamento para alguns. Tudo o que fuja muito desta linha, parece-me que não terá muitos resultados. É possível fazer algumas análises quase académicas, mas sem grandes resultados.” Adiantou ainda que olha “com muita frustração para algum do trabalho que tem vindo a ser desenvolvi- do. Deviam estar a ser construídos modelos de risco que prevejam o con- tágio, nomeadamente em virtude deste relaxamento de medidas, e de que forma isso impactará as necessidades de capacidade extra nos hospitais.”

Ora, foi precisamente isso que a COTEC Portugal, em parceria com a NOVA IMS, procurou concretizar. O projeto COVID-19 Insights disponibiliza já, nos dias de hoje, um elemento de estimativa de risco, a nível nacional, regional e por concelho, além de um elemento de previsão, da incidên- cia e prevalência da infeção, mas também do número de internados, no- meadamente em Unidades de Cuidado Intensivo. Notou Jorge Portugal que esta solução “dá-nos a capacidade de antecipar o futuro, para podermos tomar melhores decisões.” O responsável pela COTEC Portugal defendeu a construção de estratégias segmentadas de “desconfinamento” e retoma para cada região e, para isso, acrescentou que “os dados e a inovação ao nível da aplicação de modelos que permitam definir estratégias diferen- ciadas podem ter um papel muito importante.” No entendimento do di- rigente da COTEC Portugal, dados como a capacidade de resposta médica em cada região, a capacidade de teste e deteção da propagação, a estrutura da atividade económica, a mobilidade dos fluxos regionais, entre outros, permitiriam traçar o perfil e uma estratégia diferenciada a nível regional. Dados e modelos que, em nenhum momento, devem colocar em causa os direitos conquistados pelos cidadãos ao longo da história da Humanidade.

36

Jorge Portugal adiantou também que “a forma como a Europa, e o nosso país em particular, entende os direitos, liberdades e garantias, deve ser preservada. Não deve haver dúvidas sobre essa matéria.” Estas questões de privacidade prendem-se não só com a própria natureza dos dados, mas também com a construção dos modelos. No entendimento do responsável da COTEC, “o artigo 22º do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), que regula a aplicação dos algoritmos, a necessidade da transpa- rência e explicabilidade dos algoritmos, é um aspeto inegociável. Temos uma grande aversão a aplicações que são caixas negras, cujos algoritmos não são conhecidos, nem validados.” Foi dado como bom exemplo Singa-

COVID-19 Insights (https://insights.cotec.pt)

37

pura, “que publicou o seu algoritmo de tracing, de forma a que qualquer pessoa possa testá-lo e ver o que está lá dentro.”

Já sobre a natureza dos dados, o RGPD que, em 2018, veio limitar o acesso a dados pessoais, regula, no entanto, diferentes níveis de acesso e utilização dos dados em função do contexto. João Marques explicou que “existem no regulamento fundamentos que nos habilitam a tratar essa informação, para os efeitos, nomeadamente, de garantir a saúde pública da sociedade.” O vo- gal da CNPD acrescentou que o RGPD não proíbe o uso de dados pessoais, mas sim regula a sua utilização em função das necessidades. Ademais, “a questão não é se posso usar ou não dados pessoais, mas até que ponto ne- cessito dessa identificabilidade para garantir os resultados a que me propo- nho, e se posso ou não introduzir mecanismos de ruído nessa informação, para garantir o mínimo de intrusão possível na privacidade das pessoas.”

Na prática, António Almeida Henriques notou que o atual regime cria di- ficuldades para quem está no terreno, explicando que “para um autarca é essencial termos os dados de alguém que tenha testado positivo e que esteja confinado para o podermos apoiar, fazendo-lhe chegar alimentos e medicamentos, por exemplo.” O Presidente da Câmara Municipal de Viseu e Vice-Presidente da ANMP alertou ainda para a dificuldade da partilha de dados em Portugal. “Quase que cada instituição tem a sua própria leitura números. Quando a autarquia, no âmbito da proteção civil, quis saber com rigor todos os utentes dos nossos lares e de quem estava em assistência do- miciliária, os dados compilados pela autarquia versus os dados da seguran- ça social, dava uma diferença de 1000 pessoas. O que é um número que nos preocupa. É importante que as várias instituições que desenvolvem serviço público possam ter uma partilha mais transparente de dados. Falta inte- ração entre as várias instituições. Diria que ainda estamos nos antípodas daquilo de deveria ser o modelo de organização do Estado.” Ainda assim, no âmbito desta temática, o autarca de Viseu reconhece que, como lembra a sabedoria popular, “no meio está a virtude” e será possível encontrar um caminho e soluções ponderadas, com a participação de todos os atores.

No encerramento do webinar, Miguel de Castro Neto destacou ainda a ne- cessidade da disponibilização de dados abertos e harmonizados, expli- cando que “hoje temos de facto uma oportunidade para desenvolver pro- jetos muito interessantes, caso os dados estejam disponíveis num formato aberto e padronizado.”

Esta foi mais uma evidência de que ainda há um longo percurso a realizar na utilização dos dados, de forma segura, para promover o bem-estar e a saúde dos cidadãos.

4 – Conclusões

Documentos relacionados