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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.4. Determinação de Parâmetros Hidrológicos

2.4.5. Intensidade de precipitação

A caracterização da precipitação constitui um importante elemento de apoio nos projetos de obras hidráulicas, quer para o dimensionamento quer para o planeamento de bacias de retenção. Este conhecimento é uma mais-valia no apoio à decisão face a situações de cheias e secas, entre outras.

A sistematização espacial da variabilidade dos fenómenos pluviais intensos é a principal meta de qualquer hidrólogo e tem sido alvo de estudo por vários autores como LNEC (1976), Matos e Silva (1986), Godinho (1987, 1989), Rodrigues (1990) e Portela (2006).

A determinação de curvas PMP (Precipitações Máximas Prováveis em função da duração), de curvas IDF (Intensidade-Duração-Frequência), de curvas PAD (Precipitação- Área-Duração) e a obtenção de hietogramas de projeto são ferramentas fundamentais na elaboração de mapas de isolinhas e na previsão da ocorrência de eventos extremos (Brandão et al. 2001).

Segundo o DR nº23/95 de 23 de Agosto, o cálculo de caudais de ponta para o dimensionamento de obras hidráulicas deve ser baseado nas curvas IDF que estabelecem a relação entre a intensidade de precipitação e a duração associada a um período de retorno :

= ./ , 0 (2.4)

Para um dado período de retorno , a intensidade de precipitação de duração pode ser representada por uma curva exponencial ( = / 0 × /10) ou por uma curva hiperbólica ( = 2/10

34 /10).

Segundo Brandão (1995), as curvas do tipo exponencial são as que melhor se adaptam à relação entre a intensidade de precipitação e a duração para um dado período de retorno.

Neste sentido, a intensidade de precipitação é obtida em função do valor dos parâmetros e 5, valores resultantes do ajustamento entre as intensidades de precipitação e as durações (associadas a um período de retorno) pelo método dos mínimos quadrados

Através das redes udométricas do INAG podem ser obtidos registos de precipitações diárias máximas anuais que permitem, através de tratamentos estatísticos, determinar a lei teórica de distribuição de probabilidades que melhor se ajusta à distribuição dos valores observados da precipitação anual. Os valores de a e b das curvas IDF podem ainda ser obtidos a partir dos resultados publicados por Matos e Silva (1986), os quais se encontram referidos no DR nº23/95 de 23 de Agosto (Portela, 2006).

Porém, o comportamento dos fenómenos hidrológicos tem sofrido forte influência de fatores ambientais e antrópicos, conduzindo a alterações climáticas. No âmbito do projeto Scenarios Impacts and Adaptation Measures – SIAM II (Santos e Miranda, 2006), as principais características das alterações climáticas para Portugal para este século incluem, particularmente, a continuação do aumento da temperatura média global da atmosfera à superfície e a alteração na distribuição espacial e temporal da precipitação.

A utilização de modelos climáticos e cenários futuros permite, por meio da simulação do sistema climático, interpretar o comportamento recente do clima e obter cenários do clima futuro (Santos e Miranda, 2006).

Face às alterações da frequência e da intensidade de precipitação em Portugal Continental, foi feita uma comparação entre simulações de controlo, através de Modelos Regionais de Clima, e a normal climatológica observada (Figura 2.12).

Figura 2.12 – Precipitação média anual: (a) observações 1961-1999; (b) controlo HadMR2; (c) controlo HadMR3

(Santos e Miranda, 2006).

A simulação de controlo dos modelos usados, quando comparada com o observado mostra, em relação ao modelo HadMR3, uma clara subestimação da precipitação na metade Sul de Portugal Continental e no Interior Transmontano, e uma sobrestimação da

precipitação nas zonas montanhosas, sobretudo no sistema montanhoso Montejunto- Estrela, em relação ao modelo HadMR2. Embora no Norte do Continente a representação da precipitação seja ainda próxima da observada, na metade Sul e no interior transmontano é bem visível uma alteração ao comportamento da precipitação média anual.

Neste contexto, estudos já realizados a partir de simulações efetuadas com o modelo climático HadMR3 para os cenários futuros A2 e B2, apontam para que, em termos anuais, ocorra uma diminuição da precipitação no final do século XXI (Figura 2.13).

Figura 2.13 – Anomalia (relativamente a 1961-1990) da precipitação no modelo HadRM3: (a) anual A2 2070-2099; (b) anual B2 2070-2099

(Santos e Miranda, 2006).

A figura mostra que os cenários climáticos A2 e B2 obtidos com o modelo HadMR3 apontam no sentido da diminuição da precipitação, mais significativa no cenário A2 que no cenário B2 projetando ainda maiores perdas sobre a região Sul do país. O cenário A2 projeta uma variação da diminuição da precipitação para o Norte e Centro do país entre 10% e 30 %, agravando até 50 % na metade Sul do país. Quanto ao cenário B2 a diminuição da precipitação é mais uniforme ao longo do território, com perdas a variarem entre 10 % a 20% no Centro e Norte do país e 30% na região Sul.

Estas projeções comprometem o atual dimensionamento e gestão das obras hidráulicas, pois não têm sido tomadas em consideração as previsões das alterações dos

Segundo Moreira e Corte-Real (2008), será necessário que a legislação em vigor seja revista de modo a introduzir os efeitos das alterações climáticas. Os caudais de ponta devem ser determinados com base em curvas IDF afetadas por um coeficiente de alteração climática, introduzindo a influência de eventos hidrológicos extremos.

2.4.5.1. Determinação de curvas IDF

Na construção de curvas de possibilidade udométrica (curvas IDF), vários trabalhos têm sido desenvolvidos, como é citado em Brandão (1995). São exemplos desses trabalhos: Oliveira (1942), Mclllwraith (1945), Garcia (1946), Azevedo (1953), Taveira (1959), David (1977), Godinho (1984), Matos e Silva (1986), sendo este de alguma importância devido à frequente utilização das curvas IDF elaboradas no mesmo.

Em 1942, Oliveira realizou um estudo com o objetivo de caracterizar o regime de chuvas de Lisboa, utilizando para tal dados de udogramas diários de 1860 a 1939 e leituras do udómetro localizado na mesma cidade; em seguida, com base nos valores tabelados nesse trabalho, Azevedo (1953) determinou curvas IDF para Lisboa; David (1977), propôs uma metodologia para o cálculo da precipitação, referente a um dado período de retorno; e após sete anos, Godinho (1984) do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica pretendendo estabelecer relações entre máximos de 60 min e 24 h, apresentou um estudo sobre máximos anuais de precipitação relativos a durações inferiores ao dia (Brandão, 1995).

Matos e Silva (1986) analisaram 21 postos udográficos localizados em território nacional e propuseram uma utilização a nível nacional das curvas IDF para durações de 5

min a 6 h. Neste estudo, obtiveram através do tratamento estatístico das séries anuais de

valores máximos de intensidade de precipitação curvas IDF para Lisboa (região A), sugerindo que a intensidade média de precipitação resultante dessas curvas sofra um agravamento de 20% nas regiões montanhosas de altitude superior a 700 m (região B) e uma redução de 20% nas regiões do Nordeste (região C) (Figura 2.14).

Figura 2.14 – Regiões pluviométricas e parâmetros das curvas intensidade-duração-frequência (Matos e Silva, 1986).

Por fim, deve ser mencionado o trabalho desenvolvido por Brandão em 1995. Com base nas várias metodologias referidas acima e na utilização de meios informáticos já existentes, Brandão (1995) elaborou um programa designado por IDF, obtendo curvas IDF para quatro postos udográficos localizados em Aveiro, Évora, Faro e Lisboa.

2.4.5.2. Modelos de desagregação de precipitação

O acesso a dados temporais de precipitação de alta resolução (escalas horárias e sub-horárias) é de alta importância numa multiplicidade de aplicações hidrológicas, por exemplo, na construção de curvas IDF. Porém, nem sempre esses dados estão disponíveis levando à necessidade de recorrer a métodos de desagregação.

O método de desagregação mais básico é a desagregação uniforme, que consiste, por exemplo, em dividir uniformemente os dados diários em 24 h, no caso de se pretender obter a precipitação horária com base na precipitação diária. No entanto, é intuitivamente compreendido que este método não produz dados semelhantes com a pluviosidade real, visto que os eventos de precipitação, em geral, não duram 24 h com igual intensidade de precipitação (Wey, 2006).

Olsson e Berndtsson (1998) propuseram um método de desagregação estocástico baseado em observações empíricas de eventos de precipitação. Este modelo em cascata consiste em dividir cada período de chuva em duas partes iguais e distribuir o total de

secção estimada com base em padrões determinados pela calibração do modelo através de dados históricos. Porém, apesar de ser possível reproduzir com precisão uma série de parâmetros estatísticos para as precipitações do local em estudo, trata-se de um modelo paramétrico e, portanto, carece de adaptação para poder ser aplicado a outros locais (Wey, 2006).

Como melhoria dos dois métodos anteriormente referenciados, no início dos anos sessenta, G.G. Svanidze introduziu pela primeira vez o método designado por método dos fragmentos. Para cada conjunto de dados diários a desagregar é formado um conjunto de fragmentos correspondentes à fração de precipitação diária que ocorreu em cada hora do dia, sendo a soma de todos os fragmentos igual à unidade (Wey, 2006). As expressões matemáticas 2.5 e 2.6 mostram a forma geral do método dos fragmentos.

67 =;8987

9<= (2.5)

Na expressão matemática 2.5, 67 é o fragmento a ser calculado para a hora >, ℎ> são os dados escolhidos a partir da série que se pretende desagregar (por exemplo, dados horários) e é o numero de dados de cada série. Cada fragmento é então multiplicado pelo total diário (?), de modo a originar novos valores horários como mostra a expressão matemática 2.6.

7, = @7 ∗ ? (2.6)

Embora, na maioria dos casos, o método dos fragmentos tenha sido utilizado para a desagregação de dados anuais, estudos realizados por Wójcik e Buishand (2003) evidenciam que o método dos fragmentos funcionou corretamente na desagregação de dados de precipitação a uma escala horária. Segundo Wey (2006), o método dos fragmentos é atualmente o método mais popular no processo de desagregação da precipitação.

Um outro modelo frequentemente utilizado diz respeito ao modelo de pulsos retangulares de Bartlett-Lewis modificado. Este modelo apresentado por Rodriguez-Iturbe et al. (1987) juntamente com o método dos fragmentos, conduziram a uma grande evolução no processo de desagregação da precipitação pois, não requerem a determinação de parâmetros específicos do local permitindo uma aplicabilidade em diversos climas (Hanaish et al., 2011). O modelo estocástico considera que os eventos de precipitação são

aglomerados de células, em que cada célula é um episódio de precipitação, cuja distribuição no tempo segue um processo estocástico definido.

O processo de desagregação do modelo de Bartlett-Lewis é caracterizado por seis parâmetros (λ, υ, k, μB, α e ф). Para cada evento de precipitação é seguido um processo de Poisson com taxa λ, ou seja, o tempo entre as transcorrências de início de eventos consecutivos é uma variável aleatória independente e exponencialmente distribuída com média 1/λ. Os tempos de início das células subsequentes seguem também um processo de Poisson com taxa β, em que β = kη (k é o parâmetro do modelo responsável pela simulação do tempo de início das células de chuva e η é a variável aleatória com distribuição gama, de índice α e parâmetro de escala υ). Após um tempo exponencialmente distribuído, com média 1/(фη), termina a chegada de células. Neste processo, o parâmetro

ф é o responsável pela simulação do tempo de fim de origem das células. Na Figura 2.15 é

apresentado um esquema ilustrativo das diversas etapas que constam na estrutura do modelo de Bartlett-Lewis (Hanaish et al., 2011).

Figura 2.15 – Esquema explicativo para o modelo Pulsos Retangulares de Bartlett-Lewis (adaptado de Hanaish et al., 2011).

Cada célula de chuva é representada por um pulso retangular de altura e largura aleatória. A altura representa a intensidade de chuva naquela célula supondo que essa possua uma distribuição exponencial cuja média seja μB, e a largura representa a duração que, também, se distribui exponencialmente com média 1/η. A precipitação total é a soma das precipitações ocorridas em todas as células de chuva associadas aos eventos (Hanaish et al., 2011).

mais recente, a ferramenta matemática Hyetos R dispõe de quatro funções principais que permitem a desagregação de séries de precipitação diária em séries de escalas temporais mais finas (por hora), como a simulação de séries de precipitação em escalas de tempo diferentes:

DisagSimul – esta função é utilizada para desagregar séries de precipitação diária em séries de precipitação horária, através da entrada de dados de precipitação diária;

DisagSimul.test – a função é idêntica à anterior, contudo serve para testar o desempenho do modelo de desagregação (comparando dados originais com dados sintéticos). É gerada uma série à escala diária através da agregação de séries horárias produzidas utilizando o modelo Bartlett-Lewis (caso não existam séries à escala horária), servindo assim como série “original” que é, de seguida, desagregada produzindo outra série sintética horária.

SequentialSimul – no caso de existirem séries incompletas, como por exemplo, a falha de registos de precipitação em várias escalas de tempo, esta função vai gerar sinteticamente séries de precipitação.

Eas – a aplicação desta função tem por base a estimativa dos parâmetros de entrada exigidos a partir do modelo Bartlett-Lewis, para assim proceder à calibração do modelo.

Este modelo de desagregação tem vindo a ser utilizado em estudos hidrológicos, como por exemplo, em Koutsoyiannis (2003) e Hanaish et al (2011). Os dois autores utilizaram o modelo para desagregar valores de precipitação a uma escala temporal grosseira (valores diários) em escalas de tempo mais finas (valores horários), obtendo resultados satisfatórios. Ao longo do processo de desagregação foi observado que o modelo preserva as várias propriedades estatísticas como correlações temporais, momentos marginais, proporção e comprimentos de intervalos secos.

No intuito de verificar o desempenho dos vários modelos de desagregação que têm sido sugeridos, Pui et al. (2009), procedeu à desagregação da precipitação horária de Sydney contida no período de 1916 – 2001 recorrendo a três métodos de desagregação, especificamente, o método da cascata multiplicativa, o modelo de Bartlett-Lewis e o método dos fragmentos. No final, foi concluído que o método dos fragmentos foi o que

melhor reproduziu estatísticas da precipitação mais semelhantes às observadas em Sydney. Este resultado não era de todo inesperado visto que este método opera com base em reamostragem de frações de precipitação observada.

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