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Capítulo III: O imigrante brasileiro em Portugal e o sentimento de insegurança

3. Sentimento de insegurança no Brasil

3.2. Intensidade

O medo tem intensificadores socioambientais que fazem com que o sentimento de insegurança seja relativizado por alguns entrevistados, sendo sentido com intensidade diferente em função, especialmente, do ambiente, da cidade ou até mesmo da região do país.

Os dois participantes que vieram de Brasília, por exemplo, fizeram comentários no sentido de ser incontestável a existência de realidades diferentes dentro do Brasil e até mesmo dentro de uma mesma cidade, o que faz como que eles se sintam mais ou menos vulneráveis à criminalidade. Brasília, enquanto capital do Brasil, sede dos três poderes da república, conta com uma presença forte e sempre visível do controle formal do Estado. Esta foi uma cidade planejada e arquitetada para a função que exerce, havendo espaços amplos e avenidas largas que influem na perceção da cidade. Os entrevistados, Cássio e Antônio deduzem que é uma região visada e controlada pelas autoridades, por isso a sensação de segurança é mais forte. Assim afirma: “Por ser capital, por ser centro, por ter tudo ali, você nunca vai ter os mesmos

níveis de violência que você tem em outras cidades do Brasil. É o quadradinho de Brasília, ele vai ser sempre diferenciado.” (Cássio, 46 anos); “eu vivia em um local bem tranquilo, bem

legal em Brasília, vivia bem no centro, um local onde é muito policiado, onde o índice de criminalidade não é tão alto” (Antônio, 63 anos).

No entanto, ambos afirmam que as cidades satélites de Brasília possuem uma realidade muito diferente da que se encontra no plano piloto, ou do “quadradinho”, também caracterizado por um dos participantes como “ilha da fantasia” (Cássio, 46 anos). “Você morar em uma cidade satélite de Brasília é outra realidade, a violência é outra, tem cidades violentíssimas” (Antônio, 63 anos).

São Paulo também foi mencionado como uma cidade onde o sentimento de insegurança possui intensidades diferentes, dependendo do bairro. Assim como Brasília, São Paulo possui uma organização espacial onde os bairros mais elitizados estão no centro. À medida que nos afastamos desse centro, vão percebendo-se mais pistas socioambientais que influenciam no sentimento de insegurança. Sobre São Paulo, uma participante afirmou: “eu fico em pinheiros, que é um bairro mais elitizado e eu tinha a sensação que aquele era um bairro blindado. Eu ia na padaria às 04:30 da manhã e nada acontecia, não via polícia, nem ladrão (...) mas eu sabia que São Paulo não era só aquele espaço (...) eu acho que em outros bairros talvez eu não me sentiria dessa forma.”

Essa organização espacial de algumas cidades permite que as pessoas consigam identificar mais facilmente quais locais devem ser evitados, quais os lugares ditos perigosos, e esse estigma normalmente afeta as periferias urbanas pobres, que geralmente se localizam no entorno das cidades, afastadas do centro. Uma região que possui indícios ambientais do seu desenvolvimento desordenado, principalmente no caso das grandes cidades, e que abriga uma população marginalizada. Essas periferias, como as da cidade de São Paulo, manifestam a grande desigualdade social presente no Brasil. Somado a isso, estudos realizados a datar de 1990 indicam que “o aumento expressivo das taxas de homicídio conforme afasta-se do centro em direção à periferia das grandes cidades” (Neme, 2005).

Mas há outras cidades em que essa identificação do “espaço perigoso” não é tão fácil, principalmente para quem não á habitante da região. Uma cidade brasileira que segue outro padrão arquitetônico, no qual a questão social se faz ver facilmente, onde bairros marginalizados se avizinham a bairros elitizados e foi citada algumas vezes como um lugar de imprevisibilidade e de alto sentimento de insegurança foi a cidade do Rio de Janeiro. “No Rio não tem isso, a periferia está nas suas costas, pendurada no morro. É onde está a violência, onde… o pessoal desce para assaltar de onde? Vem de lá e assalta aqui e volta para lá. E a insegurança é essa” (Antônio, 63 anos). “No RJ eu escutava tiroteio e isso me deixava muito insegura” (Camila, 34 anos).

Uma entrevistada que nasceu e sempre viveu no Rio de Janeiro afirma categoricamente:

“o Rio de Janeiro é 100% pior do que qualquer outro local, embora não tem nenhum lugar no Brasil que eu considere seguro” (Roberta, 43 anos). Outros participantes que nunca moraram

no Rio de Janeiro, mas já havia visitado, comumente usavam a cidade como referência de violência ou sentimento de insegurança.

O Rio de Janeiro é uma das cidades mais visadas e importantes, econômica e culturalmente, do Brasil. A população é grande, grandes emissoras de televisão estão sediadas lá, muitas pessoas de destaque social vivem lá. É possível que tudo o que acontece no Rio de Janeiro seja mais exposto e mais superdimensionado. O Brasil todo consome muita informação do eixo Rio-São Paulo.

O Nordeste que outrora era conhecida nacionalmente por sua tranquilidade e segurança, apareceu na narrativa dos seus egressos como uma região complicada do Brasil no que se refere a segurança. Havia duas pernambucanas egressas de Recife, que já residiram em outras cidades, e ambas afirmaram que Recife é a cidade onde elas se sentiam mais inseguras, mesmo quando comparam com cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, cidades que durante muitos anos ocuparam os primeiros lugares nos rankings de criminalidade nacional. “A gente sabe que as

capitais do nordeste são bem complicadas com relação a isso, você não está livre em bairro algum” (Camila, 34 anos).

Sandra (43 anos) nasceu e viveu grande parte da sua vida em Erechim, interior do estado do Rio Grande do Sul, e depois viveu muitos anos na região Norte, no estado do Amazonas, na cidade de Manaus. Antes de vir para Portugal viveu mais um tempo no Sul, de volta à sua cidade natal. Ela afirma que estas são regiões e cidades muito distintas em diversos aspectos e que o sentimento de insegurança é largamente diferente. Apesar de se identificar mais com a população amazonense ela alega que no Sul a sensação de segurança lhe permitia sair na rua caminhando a noite sem muita preocupação, algo que ela não faria em Manaus.

A comparação entre cidades grandes e cidades pequenas do interior dos estados também foi citada por outra participante que morou na cidade de São Paulo e em Indaiatuba, no interior do mesmo estado. “A gente estando em Indaiatuba, que é uma cidade de interior, a gente teve

muito mais sensação de segurança do que em São Paulo, sem dúvida.” (Vanessa, 44 anos). Ela

sentia que a vida no interior era mais tranquila e que ali ela não precisava estar tão vigilante como em São Paulo.

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