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A hipótese predatória como elemento decisivo na emigração de brasileiros

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Academic year: 2021

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MESTRADO PSICOLOGIA

A Hipótese Predatória como Elemento

Decisivo na Emigração de Brasileiros

Nathália Leopoldo Souza Leão Fernandes

Pereira

M

2019

(2)

A HIPÓTESE PREDATÓRIA COMO ELEMENTO DECISIVO NA EMIGRAÇÃO DE BRASILEIROS

Nathália Leopoldo Souza Leão Fernandes Pereira

Outubro 2019

Dissertação apresentada no Mestrado em Temas de Psicologia, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, orientada pelo Professor Doutor José Luís Fernandes (FPCEUP).

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AVISOS LEGAIS

O conteúdo desta dissertação reflete as perspetivas, o trabalho e as interpretações da autora no momento da sua entrega. Esta dissertação pode conter incorreções, tanto concetuais como metodológicas, que podem ter sido identificadas em momento posterior ao da sua entrega. Por conseguinte, qualquer utilização dos seus conteúdos deve ser exercida com

cautela.

Ao entregar esta dissertação, a autora declara que a mesma é resultante do seu próprio trabalho, contém contributos originais e são reconhecidas todas as fontes utilizadas, encontrando-se tais fontes devidamente citadas no corpo do texto e identificadas na secção

de referências. A autora declara, ainda, que não divulga na presente dissertação quaisquer conteúdos cuja reprodução esteja vedada por direitos de autor ou de propriedade industrial.

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Agradecimentos

Ao professor Luís, que me ofereceu suporte nessa jornada acadêmica, compartilhando seu vasto conhecimento e paciência, fazendo das orientações agradáveis momentos de construção intelectual.

Por todo apoio e carinho, pelas revigorantes conversas virtuais, aos meus pais e meus irmãos. Aos meus sogros por todo incentivo e generosidade.

Aos familiares e amigos que se fizeram presentes, apesar da ausência física. À minhas companheiras de mestrado pelas trocas e companhia.

Pela disponibilidade e compartilhamento, aos participantes da investigação.

À Marcinho, companheiro de (quase) uma década, por ter embarcado comigo nessa aventura de atravessar o oceano e por ser minha fonte diária de inspiração, calmaria e amor.

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Resumo

A comunidade brasileira sempre teve grande representatividade em solo português e, apesar de ter passado cinco anos em decrescimento, a partir de 2016 ela voltou a crescer. Além das estatísticas oficiais, os medias também tem noticiado o aumento do fluxo de imigrantes brasileiros em Portugal, anunciando um “novo perfil de imigrantes” e relacionando a crise de segurança pública do Brasil com esse novo movimento migratório. As cidades brasileiras parecem ser percebidas como constantes espaços predatórios do crime, sentimento que atormenta o cotidiano de muitos brasileiros e restringe sua circulação no habitat urbano, o que caracteriza forte presença e impacto da hipótese predatória. Buscando perceber a relação entre a atual migração brasileira para Portugal e o sentimento de insegurança no Brasil, analisamos a influência da hipótese predatória na decisão da migração de Brasileiros residentes em Portugal. Foi realizada uma investigação qualitativa, utilizando o método de cadeia e o snowball, na qual entrevistamos 11 brasileiros residentes em Portugal e realizamos análise de conteúdo das entrevistas. Os resultados da recolha de dados apontam para o caráter multifacetado das motivações que levaram à migração. Contudo, apesar das limitações do estudo, foi possível constatar influência expressiva da hipótese predatória na decisão de emigrar do Brasil, ainda que na maioria dos casos este fator não tenha agido sozinho.

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Abstract

The Brazilian community has always had great representation in Portuguese lands and, despite having spent five years in decline, from 2016 it has grown again. In addition to official statistics, the media also reported the increased flow of Brazilian immigrants to Portugal, announcing a “new immigrant profile” and relating Brazil's public security crisis to this new migratory movement. Brazilian cities seem to be perceived as constant predatory spaces of crime, a feeling that haunts the daily lives of many Brazilians and restricts their circulation in the urban habitat, which characterizes the strong presence and impact of the predatory hypothesis. Seeking to understand the relationship between the current Brazilian migration flow to Portugal and the fear of crime in Brazil, we analyzed the predatory hypothesis influence over the migration decision of Brazilians residing in Portugal. A qualitative research was conducted using the chain method and the snowball, in which we interviewed 11 Brazilians residing in Portugal and proceeded a content analysis of the interviews. The data collection results point to the multifaceted character of the motivations that led to migration. However, despite the limitations of the study, it was possible to find a significant influence of the predatory hypothesis on the decision to emigrate from Brazil, although in most cases this factor did not act alone.

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Résumé

La communauté brésilienne a toujours eu une grande représentation sur les terres portugaises et, malgré cinq années de déclin, elle a encore augmenté depuis 2016. En plus des statistiques officielles, les médias ont également rapporté l'augmentation du flux d'immigrants brésiliens au Portugal, annonçant un “nouveau profil d'immigrant” et reliant la crise de la sécurité publique brésilienne à ce nouveau mouvement migratoire. Les villes brésiliennes semblent être perçues comme des espaces de criminalité prédatrice constant, un sentiment qui hante la vie quotidienne de nombreux Brésiliens et limite leur circulation dans l'habitat urbain, ce qui caractérise la présence et l'impact forts de l'hypothèse prédatrice. Pour tenter de comprendre la relation entre la migration brésilienne actuelle au Portugal et la peur de la criminalité au Brésil, nous avons analysé l’influence de l’hypothèse prédatrice sur la décision de migration des Brésiliens résidant au Portugal. Une enquête qualitative a été réalisée à l'aide de la méthode de la chaîne et de le snowball, dans laquelle nous avons interrogé 11 Brésiliens vivant au Portugal et procédé à une analyse du contenu des entretiens. Les résultats de la collecte de données montrent la nature multiple des motivations qui ont conduit à la migration. Toutefois, malgré les limites de l’étude, il a été possible de trouver une influence significative de l’hypothèse prédatrice sur la décision d’émigrer du Brésil, bien que dans la plupart des cas, ce facteur n’ait pas agi seul.

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Índice

Introdução...9

Capítulo I - Enquadramento teórico...11

1. Cuidado por onde andas: relacionando o crime, a cidade e o sentimento de insegurança ...11

2. “Que país é esse”: nota sobre a segurança pública no Brasil e suas repercussões ...14

3. “Atravessamos para o outro lado”: Portugal como destino de fuga ...17

Capítulo II - Estratégias de Investigação...21

1. Objetivos ...21

2. Método ...21

2.1. Amostragem...22

2.2. Instrumento ...23

2.3. Análise de dados...24

Capítulo III: O imigrante brasileiro em Portugal e o sentimento de insegurança...25

1. Caracterização da amostra ...25

1.1. Distribuição etária ...25

1.2. Escolaridade ...25

1.3. Ocupação ...26

1.4. Com quem vivem ...26

1.5. Distribuição geográfica de origem (Brasil) ...27

1.6. Distribuição geográfica em Portugal ...27

1.7. Tempo de permanência em Portugal ...27

2. Motivações para a migração ...28

3. Sentimento de insegurança no Brasil ...30

3.1.Causas percebidas para o sentimento de insegurança ...30

3.1.1. Delinquência ...31

3.1.2. Mass media ...32

3.1.3. Vitimação ...34

3.2. Intensidade ...36

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4. Estratégias para lidar com o sentimento de insegurança ...40

5. Dimensão Reflexiva ...41

6. Sentimento de Insegurança em Portugal ...42

Nota Final ...45

Referência bibliográficas ...49

Anexos ...54

Anexo 1 – Guião de entrevista ...54

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Introdução

Não é raro estar nas ruas de cidades portuguesas e ouvir uma língua portuguesa diferente da falada por quem cresceu em Portugal. O sotaque e o vocabulário brasileiro são tão comuns nestes lados que já não surpreende ao ser ouvido. Mas engana-se quem acredita que essa disseminação do português brasileiro em solo lusitano justifica-se apenas pelo turismo, muitos brasileiros também parecem estar elegendo Portugal como seu novo lar.

O Brasil, por seus órgãos administrativos e de pesquisa, infelizmente demonstra não ter um bom controle dos processos de emigração do país, mas o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - SEF de Portugal, afirma, através de seus relatórios anuais, que os brasileiros compõem a comunidade estrangeira mais expressiva em solo português desde 2007. Depois de passar por um período de decrescimento, entre 2011 a 2016, o número de imigrantes brasileiros voltou a crescer e atualmente são 105.423 brasileiros registrados como residentes em Portugal pelo SEF (2019).

Hodiernamente existem alguns indícios, como o já ilustrado acima, que tem construído a crença de que os processos emigratórios do Brasil tem se intensificado nos últimos anos, e uma explicação muito difundida por meio dos rumores populares ou pelos meios de comunicação é a de que isso se deve, em grande parte, à insegurança pública brasileira. Essa hipótese não parece inusitada tendo em vista que, de fato, os índices de criminalidade no Brasil atingem números impactantes e, além disso, o Brasil está passando por tempos de crise econômica, que se relaciona também com o sentimento de insegurança.

O sentimento de insegurança já foi bastante explorado na literatura científica e já é sabido que o receio de ser vítima de um crime pode regular o comportamento de um indivíduo1. Mas será que o sentimento de insegurança, especificamente o medo de ser vítima de um crime predatório, pode influenciar a decisão de mudança de país? É mesmo isso que está impulsionando os números de imigrantes brasileiros em Portugal? Existe um discurso sobre a insegurança no Brasil que permeia a motivação da migração de brasileiros para Portugal?

Buscando elucidar essas questões, o presente estudo teve como objetivo analisar a relação entre hipótese predatória2 e a migração de brasileiros para Portugal, bem como caracterizar esse migrante, desvendar as motivações para a migração e perceber o impacto do sentimento de insegurança em seus cotidianos, compreendendo como eles lidam com essa

1 Conferir por exemplo em: Machado, 2004; Caldeira, 2000.

2 A hipótese predatória é um conceito que compõe o sentimento de insegurança e sua definição será apresentada

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questão. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa, utilizando o método em cadeia e o

Snowball para construção da amostra. O instrumento de recolha de dados elegido foi a

entrevista e, posteriormente, foi realizada uma análise de conteúdo do material coletado. O texto foi organizado em três capítulos. O primeiro trata do referencial teórico, abordando tópicos como as definições do sentimento de insegurança, o conceito de hipótese predatória, apontamentos sobre o cenário de violência e segurança pública no Brasil, e por fim, apresentamos dados sobre as migrações de brasileiros em Portugal e repercussões mediáticas desse fenômeno. O segundo capítulo aborda os objetivos da investigação e detalha os processos metodológicos que foram realizados para construir e analisar o estudo empírico. O terceiro e último capítulo apresenta e analisa os resultados alcançados referentes ao perfil da amostra, motivações para migração, sentimento de insegurança no Brasil e em Portugal e as estratégias para lidar com o sentimento de insegurança. Na nota final trazemos reflexões sobre as limitações do estudo e questões que permeiam o contexto brasileiro que se relacionam com os resultados obtidos na investigação.

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Capítulo I - Enquadramento teórico

1. Cuidado por onde andas: relacionando o crime, a cidade e o sentimento de insegurança.

O desenvolvimento e transformação das cidades, sobretudo com o avanço do capitalismo e o processo de industrialização e, posteriormente, desindustrialização com o aparecimento de uma nova dinâmica de mercado, proporcionou o afloramento de vários novos fenômenos sociais, dentre eles as correntes manifestações da criminalidade. Partindo de um contexto pré-industrial, no qual prevaleciam crimes contra vida, de honra, vingança, nos quais a vítima e o autor se conheciam, passando para criminalidade identificada nas primeiras cidades industriais do século XIX, com a atribuição da imagem de “classe perigosa” ao ocioso, o louco, a meretriz, as crianças que andavam na rua à furtar (Fernandes & Rego, 2011), apresentou-se um aumento do crime predatório, denominado assim pela extensão da dimensão relacional do crime, que é, geralmente, um crime rápido, praticado por desconhecidos, que tem como objetivo a subtração do patrimônio da vítima (Fernandes, 2003).

Nesse contexto, temos que a pequena criminalidade de rua, como o roubo e a venda de drogas, é o principal fomento do medo à cidade, pois o rumor sobre sua proliferação se dissemina rapidamente entre a população, alastrando a perceção generalizada da cidade como palco de delitos, um lugar perigoso, de risco constante, inseguro (Fernandes & Rêgo, 2011). É assim que se desenvolve o sentimento de insegurança, também chamado de medo do crime na literatura da área.

O crime não é algo recente na preocupação social, mas, segundo Furstenberg (1971), foi durante a década de 60 que ele surgiu como questão pública predominante. Esse fato atraiu o interesse científico de algumas áreas e justificou inúmeras investigações sobre o assunto, algumas dessas investigações apresentam o crime como o mais grave problema que a sociedade enfrenta (Furstenberg, 1971). Através da exploração do crime como objeto de estudo, foi identificado o sentimento de insegurança como um dos produtos do crime. O medo do crime se tornou um problema mais difundido que o crime em si (Hale,1996).

Nos diversos estudos sobre sentimento de insegurança foram adotadas definições diferentes para o conceito, não havendo descrição definitiva dos seus componentes. Algumas dessas definições são apresentadas por Guedes, Cardoso e Agra (2012) de modo a destacar que esse é um objeto complexo, que possui dimensões objetivas e subjetivas. Kuhn e Agra (2010, cit. Guedes, Cardoso & Agra, 2012) esclarece que a dimensão objetiva diz sobre a realidade

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concreta do mundo exterior, sendo composta pelo crime, pela vitimação e, de modo geral, pelos comportamentos desviantes, a dimensão subjetiva descreve a repercussão da dimensão objetiva em indivíduos e comunidades. Essa dimensão subjetiva, segundo os autores, se torna objeto de vários estudos a partir da década de 70.

Abordando a identificação do sentimento de insegurança, Furstemberg (1971) diferencia dois aspectos que o compõe, elucidando que o mesmo pode se manifestar nos sujeitos como medo do crime, que se refere à autoperceção das chances de ser vitimado, bem como por preocupação com o crime, que concerne à inquietude com a situação criminal do país que se vive. O autor didaticamente ilustra que um sujeito pode estar desconfortável com a conjuntura criminal do país, ou de sua cidade, mas não sentir ansiedade com o perigo potencial, não temer ser vitimado.

Fonseca (1998) constrói seu estudo a partir do entendimento de que o sentimento de insegurança é composto pela preocupação securitária, pela apreensão vivida e pela representação da apreensão vivida pelos outros. A preocupação securitária situa-se na inquietude frente a delinquência e o crime, assentada nas causas, soluções e pessoas, sendo um julgamento que contém uma orientação moral e política. Quanto à apreensão vivida, o autor a caracteriza como um sentimento, emoção ou alteração de comportamento que surge em reação a fatores interpretados como sinais de ameaça. Por último, a representação da apreensão vivida pelos outros é definida pelo “sentimento de empatia em relação à inquietude experienciada pelos próximos, reunindo os mesmos domínios da apreensão vivida” (Fonseca, 1998, p.22)

Com o que foi exposto acima podemos perceber que, apesar de algumas particularidades, as definições expostas não parecem divergir, pelo contrário. As diversas conceptualizações contidas na literatura acadêmica sobre o tema evidenciam o caráter fluído desse objeto de estudo, uma questão pontuada por Fernandes e Carvalho (2000), que alega que o sentimento de insegurança não se faz observar empiricamente e que não possui solidez teórica. O sentimento de insegurança é composto por uma junção de diversos acontecimentos, circunstâncias e sujeitos, “portanto, difícil de delimitar empiricamente, porque faz convergir em seu torno elementos múltiplos da experiência social e da vivência psicológica dos indivíduos” (Fernandes & Rêgo, 2011).

O sentimento de insegurança é algo que pode ser justificado, ao primeiro olhar, como um efeito diretamente determinado pela criminalidade, traçando-se aí uma linha de correlação perfeita. Todavia, entre a aparência e a essência desse fenômeno existe uma série de mediações que devem ser elucidadas. Começamos por ressaltar que “o medo é uma emoção, sentimento de insegurança é uma ressonância psicológica do modo como se percecionam certas realidades”

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(Fernandes & Rêgo, 2011). Dessa forma, é preciso ter em mente que existem diversos aspectos histórico-culturais que mediam a nossa experiência social e como ela é interiorizada e sentida. O sentimento de insegurança não se constrói apenas por meio de aspectos internos, oriundos do imaginário, ou externos, como das taxas de criminalidade, mas sim pela interação entres esses aspectos de ordem interior e exterior ao indivíduo.

A efetivação da política das janelas partidas, por exemplo, a qual atua sobre a perceção da cidade, é a prova da não linearidade entre as taxas de criminalidade e o sentimento de insegurança. Esta política decorre da teoria das janelas partidas (broken windows theory) , consagrada por Wilson e Kelling (1982), explicada a partir da ideia de que se uma janela de um prédio for partida e não for consertada rapidamente, passando a impressão de que ninguém se importa, a aparente desordem pode levar à depredação de outras janelas e até desenrolar-se em consequências mais graves. A conversão desta teoria em uma política de combate à criminalidade concluiu que os crimes relevantes e a delinquência em geral têm origem em pequenos delitos e desordens urbanas que, não perseguidas, alastram-se pela cidade e desenvolvem-se, ou propiciam, crimes maiores e mais complexos, o que faz a cidade parecer perigosa para os seus cidadãos. Desse modo, o combate às pequenas desordens pode reduzir a criminalidade.

Sob a análise crítica de Fernandes (2006), a política das janelas partidas é caracterizada como uma ação pública que prioriza o investimento na eliminação dos sinais visíveis da desordem da cidade, em detrimento da intervenção em aspectos sociais mais profundos que geram esses desequilíbrios, a política consiste na remoção dos sinais de desordem física da área urbana, os quais vão de janelas partidas e lixo não recolhido à presença de mendigos, pessoas sem abrigo e arrumadores de veículos nas ruas, elementos que alcançam um impacto relevante na construção do sentimento de insegurança, mas não necessariamente reduzem a criminalidade.

O "Programa de Bairros Limpos e Seguros”, adotado nos anos de 1970, em 28 cidades de Nova Jersey é um exemplo que caracteriza de forma clara o quanto a política das janelas partidas pode afetar o sentimento de insegurança. Segundo Wilson e Kelling (1982), esse programa contava com a estratégia de “patrulha a pé”, que consistia em retirar o carro dos policiais, ordenando que eles fizessem a patrulha a caminhar. Os autores relatam que, após 5 anos de programa, foi realizada uma investigação e ficou constatado que as taxas de criminalidade não se alteraram significativamente, mas os habitantes das cidades que adotaram essa estratégia acreditavam que havia ocorrido uma considerável redução nos crimes e afirmavam se sentirem muito mais seguros. Os autores relacionam a mudança na opinião geral

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dos habitantes à efetiva redução dos sinais de desordem, das incivilidades urbanas e da pequena delinquência comumente subnotificada, o que, segundo eles, reafirma o sucesso da política das

janelas partidas no sentido de tornar as cidades mais seguras. Por outro lado, podemos inferir

que restou demonstrado a não linearidade entre sentimento de segurança e taxas oficiais de criminalidade, bem como a relevância dos “sinais de desordem” na construção social do medo do crime.

A preocupação com a ordem social é, de acordo com Lourenço e Lisboa (1996) um dos principais componentes do sentimento de insegurança, que se expressa pela estigmatização dos supostos atores da desordem e pelo apelo ao Estado por mais repressão aos crimes, legitimando, portanto, ações coercitivas do Estado sobre as populações estigmatizadas, o que, por sua vez, produz mais crimes desse tipo, gerando um ciclo vicioso que se retroalimenta.

Outro agente que influi na perceção da insegurança urbana são os medias. Grande parte da população tem os telejornais e a internet como principal fonte de informação, o que atribui a esses veículos centralidade na formação da opinião e na “construção social da realidade social” (Gomes, 2015). No entanto, Gomes (2015) alega que os meios de comunicação transmitem uma imagem estereotipada da realidade, eles não apresentam os crimes mais banais, mas sim os mais incomuns, que são os que também angariam mais audiência. A informação foi transformada em mercadoria e, assim, o tipo de notícia que atrai mais audiência é aquele que vai ser mais explorado e veiculado. A autora comenta que as pessoas, já afetadas com o medo, querem saber o que as esperam ao saírem de suas casas, para então poderem evitar determinados lugares ou pessoas que correspondem a um estereótipo, e assim as notícias sobre crimes tornam-se muito valiosas.

É através desses fatores que a imagem predatória da cidade se sustenta. A cidade é vista como um espaço de contínua probabilidade de encontro entre vítima e agressor, um espaço de imprevisibilidade. Isso tudo produz o significado da Hipótese Predatória, conceituada por Fernandes (2003): “a Hipótese predatória funciona como esquema interpretativo das interações com desconhecidos e condiciona a liberdade de circulação no habitat urbano… A hipótese predatória é, pois, um verdadeiro mecanismo atribucional para as relações da vida quotidiana”.

2. “Que país é esse”3: Nota sobre a segurança pública no Brasil e suas repercussões

Nos últimos anos o Brasil vem experimentando altos índices de criminalidade e uma

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grave crise político-econômica. Esse fenômeno torna-se visível, sobretudo, por meio dos telejornais e das redes sociais via web que estão cotidianamente transmitindo notícias e imagens deprimentes das cidades brasileiras e dos seus espaços de vulnerabilidade social.

Caracterizando rapidamente a crise da segurança pública no Brasil é possível citar, ilustrativamente, o caso do estado do Rio Grande do Norte - RN, que chegou ao ponto de, através do governo do estado, solicitar duas vezes em curto espaço de tempo apoio emergencial do governo federal e do exército brasileiro para garantir a segurança da população, alegando estado de calamidade pública. A primeira solicitação foi feita em 2016 e a segunda no final de 2017. Essa ajuda, que foi concedida, se traduziu na colocação de tropas armadas, portando ostensivamente armas e equipamentos de guerra, nas ruas das cidades do RN, para supostamente combater os altos índices de atividade criminosa.

Os meios de comunicação brasileiros, como Jornal Nacional4 (telejornal de alcance nacional da Rede Globo de comunicações), RNTV5 (telejornal de alcance estadual do canal InterTV/Globo), G16 (website da Rede Globo de comunicações) e a Veja7 (revista física e eletrônica de circulação nacional), cobriram essas operações com entusiasmo e se esforçaram para estimular um pouco de esperança nos cidadãos norte-rio-grandenses. No entanto, tão logo se registrava alguma queda nas ocorrências criminais, as forças armadas saíam de cena, e pouco tempo depois os meios de comunicação voltavam a transmitir o retorno da criminalidade.

Em 2016, o cenário foi agravado por uma enorme rebelião num presídio da região metropolitana de Natal, motivada pela disputa interna de facções criminosas e propiciada pela ampla precariedade do sistema carcerário do estado. Durante o episódio, foram noticiadas fugas em massa de presos e houve intensa cobertura midiática dos fatos, inclusive com transmissão ao vivo durante horas de imagens do interior do presídio captadas à distância, as quais reverberaram em todos os meios de comunicação, deixando a população em alerta.

No mesmo dia, veio a público a ocorrência de alguns atos criminosos perpetrados, principalmente, em Natal, capital do estado, e a autoria foi atribuída, por rumores da população, aos fugitivos. As redes sociais da web, nomeadamente WhatsApp e Facebook eram constantemente alimentadas com novos relatos de crimes e com imagens amedrontadoras de pessoas mortas ou bens e prédios pegando fogo. Essas publicações eram compartilhadas por

4 Notícia contida em site da web:

http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/01/soldados-do-exercito-vigiam-ruas-de-natal-apos-novos-ataques.html

5 Notícia contida em site da web

http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/videos/t/todos-os-videos/v/forcas-armadas-vao-ocupar-ruas-de-natal-para-conter-onda-de-violencia/5590198/

6 Notícia contida em site da web

http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2016/08/tropa-do-exercito-chega-ao-rn-para-integrar-combate-ataques.html

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muitas pessoas através dos seus perfis nessas aplicações, e rapidamente pânico tomou conta da cidade, o medo de ser vítima aprisionou muitos norte-rio-grandenses em casa naquele dia, deixando as ruas da cidade sem movimento.

No dia seguinte, foram divulgadas informações atualizadas pela imprensa, muitas das quais descredibilizando todas aquelas que foram compartilhadas em dias anteriores. Fotos do incêndio acidental de um gerador elétrico do principal shopping da cidade, ocorrido anos antes, foram divulgadas nas correntes do WhatsApp como ação terrorista das facções criminosas e muitas fotos e vídeos foram utilizados de forma totalmente alheia à realidade.

Os jornais foram abarrotados com as opiniões de “especialistas” sugerindo soluções, sobretudo com o emprego de mais repressão, maior aparato policial e legislações mais severas ou criticando a demora dos governantes em adotar medidas de combate à crise. Depois, as medidas vieram, apagaram o incêndio, e quando os salvadores saíram de cena tudo gradualmente voltou à desordem habitual.

Outro episódio que representa o insucesso das políticas de Estado é a intervenção militar na cidade do Rio de Janeiro. Diferente do que ocorreu no RN, onde a participação do exército assumiu um caráter de “ajuda” à polícia e às forças de segurança locais, no Rio de Janeiro o controle da ordem pública foi totalmente delegada, pelo presidente do país, ao exército, depois de, supostamente, a cidade ter registrado altos índices de violência durante o carnaval.

Essas decisões de Estado são muito questionadas no Brasil. Os movimentos sociais, alguns representantes legislativos e outros atores envolvidos com o tema tem se pronunciado vigorosamente contra a intervenção das forças militares nas cidades, não acreditando na sua eficácia e afirmando que esta tática sempre vai gerar mais violência a médio e longo prazo.

Depois, a insegurança criminal no Brasil tem a particularidade de não ser atenuada, mas nitidamente agravada pela intervenção das forças da ordem. O uso rotineiro da violência letal pela polícia militar e o recurso habitual à tortura por parte da polícia civil (através do uso da “pimentinha” e do “pau-de-arara” para fazer os suspeitos “confessarem”), as execuções sumárias e os “desaparecimentos” inexplicados geram um clima de terror entre as classes populares, que são seu alvo, e banalizam a brutalidade no seio do Estado”(Wacquant, 2001, p. 5)

É por meio dessas e de outras situações, dentre as quais podemos citar os graves escândalos de corrupção dos últimos anos, que a credibilidade do Estado vai cada vez mais se comprometendo, deixando seus cidadãos insatisfeitos, preocupados, e, consequentemente, ao

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nosso ver, produzindo medo à cidade.

O medo, o sentimento de insegurança, pode gerar consequências significativas na vida de quem o sente, Lurigio, Skogan e Davis (1990, cit. Machado, 2004) apontam quais são elas: investimentos custosos em estratégias de segurança, restrição de atividades diárias e até mesmo mudança de região habitacional. Desse modo, identificando a hipótese predatória como traço marcante no cotidiano da população Brasileira, nos questionamos: qual a dimensão que a hipótese predatória pode atingir no cotidiano de certos indivíduos? A hipótese predatória pode assumir centralidade na vida de um brasileiro à ponto de fazê-lo deixar seu país?

3. “Atravessamos para o outro lado”8: Portugal como destino de fuga

Existe um rumor a se proliferar de que os Brasileiros, nomeadamente aqueles que tem uma situação financeira privilegiada, estão deixando o seu país em busca de segurança e uma melhor qualidade de vida. Não foi possível encontrar dados exatos e oficiais atualizados que demonstrem o movimento migratório do Brasil e existe uma disparidade expressiva nas estimativas publicadas, sobre o mesmo ano, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o Ministério das Relações Exteriores e a Organização Internacional para as Migrações – OIM. Os números referentes a 2010, data do último censo do IBGE, variam entre 491.000 e 3,7 milhões de brasileiros vivendo no exterior, segundo os relatórios emitidos pelas instituições citadas.

De acordo com o IBGE (2010), os destinos prediletos dos brasileiros são os Estados Unidos da América e Portugal. Nas mais recentes estimativas populacionais das comunidades brasileiras no mundo9, precisamente de 2013 a 2015, realizadas pelo Ministério das Relações Exteriores, Portugal aparece como o 3º país mais escolhido por brasileiros para migração, ficando atrás dos Estados Unidos da América e do Japão.

É pertinente pontuar que não se contabiliza nessa lista os brasileiros com dupla nacionalidade e, pela relação histórica que une Brasil e Portugal, é possível deduzir que exista um número significativo de indivíduos nascidos no Brasil que tenham direito a cidadania

8 Diáspora. Canção da banda brasileira Tribalista. Composição: Arnaldo Antunes.

9 Disponível em:

http://www.brasileirosnomundo.itamaraty.gov.br/a-comunidade/estimativas-populacionais-das-comunidades/estimativas-populacionais-das-comunidades-brasileiras-no-mundo-2013/estimativas-2013.pdf

http://www.brasileirosnomundo.itamaraty.gov.br/a-comunidade/estimativas-populacionais-das-comunidades/estimativas-populacionais-brasileiras-mundo-2014/Estimativas-RCN2014.pdf http://www.brasileirosnomundo.itamaraty.gov.br/a-comunidade/estimativas-populacionais-das-comunidades/Estimativas%20RCN%202015%20-%20Atualizado.pdf

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portuguesa por meio de descendência. Desse modo, os sujeitos com dupla cidadania que decidem mudar de país não compõem as estimativas.

Sobre a concessão de cidadanias europeias a brasileiros, a Euroestat (2015, 2016, 2017, 2018, 2019) apresenta dados interessantes. Nos relatórios referentes aos anos de 2013 a 2017 é possível perceber que Portugal é o país que lidera majoritariamente a concessão de cidadania a brasileiros, perdendo lugar apenas em 2017 para Itália.

Membro da união europeia concessor de cidadania 2013 (total de 15.300) % 2014 (total de 14.200) % 2015 (total de 14.200) % 2016 (total de 21.500) % 2107 (total de 21.500) % Portugal 33.3 32.7 44.9 36.3 28.2 Itália 11.7 11.1 16.0 27.0 46.0 Espanha 29.0 28.2 10.2 15.9 6.0 Tabela 1 - Número de concessões de cidadanias dadas a brasileiros por membros (os três primeiros da lista) da

união europeia por ano. Dados euroestat (2015, 2016, 2017, 2018, 2019). O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – SEF (2019) de Portugal no seu mais recente relatório divulgado, referente ao ano de 2018, assegura que a nacionalidade com mais representantes em solo português é a brasileira, com 105.423 pessoas registadas, o que equivale a 21,9% do total de 480.300 cidadãos estrangeiros titulares de autorização de residência em Portugal. Esse número representa um aumento de 23% em relação ao ano de 2017, no qual o SEF registrou o número de 85.426 brasileiros residentes em Portugal, que também representava um aumento de 5,1% em relação a 2016. Essa tendência de crescimento não se registrava desde 2011. (SEF, 2018)

Um outro dado pertinente registrado nos últimos dois relatórios do SEF (2018, 2019) é o crescimento da comunidade italiana em Portugal. Em 2017, a comunidade italiana entrou para a lista das 10 nacionalidades mais representativas em solo português, apresentando um aumento de 50% face a 2016, essa tendência se manteve em 2018 com um aumento de 45,9%. É curioso perceber que o aumento da nacionalidade italiana em Portugal foi registrado no mesmo ano em que se verificou um aumento significativo na concessão de cidadania italiana para cidadãos brasileiros.

Portanto, os dados publicados pelo SEF fortalecem a hipótese já referida de que os brasileiros têm emigrado cada vez mais para Portugal.

Ainda no campo dos rumores sobre o assunto e tentando compreender como eles se apresentam busquei a internet, um meio completo, rápido e atualizado de acesso às notícias,

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levando em conta que é através das informações lá contidas e da audiência e interação das redes sociais que os boatos se disseminam.

Na primeira busca que realizei no sítio eletrônico Google, começando a frase com “os brasileiros”, o Google logo sugeriu “… que fogem para Portugal”, aceitei a sugestão e o primeiro link que apareceu estava intitulado “Mais imigrantes brasileiros em Portugal para fugir à violência”, na página do Jornal de Notícias10, publicada em 25 de março de 2018. A página contém um vídeo de uma matéria referente ao título mencionado, feita com Brasileiros. O primeiro brasileiro entrevistado iniciou a reportagem dizendo que a tentativa de um sequestro relâmpago foi a “gota d’agua” para ele decidir que não queria mais ficar no Brasil. Ele afirma inclusive que inicialmente não pensou em Portugal, demonstrando a preponderância da motivação “sair do Brasil” sobre fatores relacionados ao destino.

A matéria seguiu com o relato de outra brasileira que diz que ela e sua família resolveram vir para Portugal depois de um evento criminoso no qual seu irmão foi vítima; esse irmão acabou migrando para os EUA, ela e a irmã para Portugal. A busca da entrevistada era por segurança e qualidade de vida. Ela descreve uma situação que vivenciou na avenida dos Aliados às 22 horas, quando avistou um rapaz sentado em um banco público com seu portátil ligado, aquilo lhe pareceu muito estranho e reconfortante ao mesmo tempo.

Outro brasileiro, que protagoniza a matéria, não alega ter sido vítima de um crime ou conhecer alguém que o foi. Entretanto, vem a comparar rapidamente Portugal e Brasil quanto a violência e sentimento de insegurança comentando que desde que chegou em Portugal não precisa mais andar na rua olhando para trás, o que lhe parece um ótimo sinal. Ele comenta ter consciência de que Portugal não é totalmente seguro, pois existem sítios onde se deve estar mais atento, ou até evitar, mas, no caso do Brasil, não há mais os sítios seguros e os inseguros, em todos os lugares você está exposto ao risco, a violência no Brasil é generalizada “basta você

estar no lugar errado e na hora errada, para um padrão, para que você deixe de ser um cidadão para virar uma estatística”11 .

Uma outra reportagem sobre esse tema me foi sugerida a seguir, a autoria do vídeo é do telejornal Fala Portugal, da emissora Record, que em sua edição do dia 22 de agosto de 2017 veiculou a matéria “um paraíso do outro lado do atlântico”12. Sol, a língua em comum,

10

https://www.jn.pt/mundo/videos/interior/mais-imigrantes-brasileiros-em-portugal-para-fugir-a-violencia-9210981.html

11 Transcrito literalmente. Retirado da reportagem do Jornal de Notícias:

https://www.jn.pt/mundo/videos/interior/mais-imigrantes-brasileiros-em-portugal-para-fugir-a-violencia-9210981.html

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segurança, oportunidade de investimento e cidades cosmopolitas são os fatores que atraemos brasileiros à Portugal, segundo o jornal. A matéria ainda apresenta o caso de um brasileiro que saiu do Brasil aos 19 anos de idade, morou em países como Estados Unidos e Canadá, mas ao visitar Portugal apaixonou-se e mudou-se para Cascais, onde ele acredita haver uma ótima qualidade de vida e um contexto econômico interessante para investimentos. O repórter diz que o entrevistado representa o novo perfil do imigrante brasileiro em Portugal, um profissional com muitas habilidades e capacidade financeira, que encontra na sua nova pátria um porto seguro. O repórter segue falando que os brasileiros pretendem desenvolver postos de trabalho e contribuir com a evolução de Portugal, o que eles não conseguem fazer no Brasil, pois o país está à beira do colapso.

A reportagem segue com imagens de tropas de choque entrando em bairros pobres do Brasil e rendendo jovens. O entrevistado passa a falar de violência e perigo no Brasil, relatando a invasão de criminosos armados à residência de seu irmão. Uma senhora brasileira também é entrevistada e alega ter decidido mudar de país depois de ter presenciado um tiroteio enquanto estava presa no trânsito rodoviário. Ao chegar em Portugal ela rapidamente conseguiu um emprego em sua área de formação e afirma viver melhor agora, pois tem uma situação financeira estável e tranquilidade. Por último, foi entrevistada uma jovem que veio para Portugal trabalhar como cantora, ela reconheceu sua nacionalidade por ser descendente de portugueses e diz que Portugal tem sim problemas, sobretudo relacionados a existência de empregos precarizados, mas que tem a grande vantagem de ser um lugar seguro.

O Global Peace Index é um relatório realizado pelo Institute for Economics & Peace (IEP) que divulga anualmente, desde 2008, a lista dos países mais pacíficos do mundo, de um total de 163 países analisados. No relatório divulgado em junho de 2019, Portugal ocupa o 3º lugar desse ranking, ficando abaixo apenas da Islândia e Nova Zelândia, respectivamente. Portugal vem tendo um ótimo desempenho nesse ranking principalmente a partir do ano 2015, no qual saiu da 18ª colocação para a 11ª, atingindo o 5º lugar em 2016, o 3º lugar em 2017 e 4º lugar em 2018. O Brasil ocupa, em 2019, a 116ª colocação, nunca estando em uma posição privilegiada nos 10 anos de relatório, sua melhor avaliação foi em 2011, onde ocupou o 74º lugar.

E, tudo que foi exposto aqui, sobre sentimento de insegurança no Brasil, os rumores de migração de brasileiros e pela possibilidade de Portugal ser visto por brasileiros como “um paraíso do outro lado do atlântico”, somados a uma limitada produção científica acerca do assunto e ao interesse particular desta investigadora brasileira, que está atenta a esses acontecimentos da sua comunidade, é a base sobre a qual esta investigação se desenha.

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Buscando compreender esse fenômeno, apresenta-lo de forma factual e contribuir para um olhar mais compreensível e construtivo sobre o tema.

Capítulo II - Estratégias de Investigação 1. Objetivos

Geral:

• Analisar a relação entre a hipótese predatória e a migração de brasileiros para Portugal. Específicos:

• Caracterizar Sociodemograficamente o imigrante Brasileiro em Portugal; • Compreender a motivação da migração brasileira para Portugal;

• Identificar e analisar a influência da hipótese predatória em diversos aspectos da vida desse indivíduo e especialmente sobre a decisão de migrar.

2. Método

O estudo realizado possui caráter exploratório, tratando de um tema que ainda oferece muito espaço para investigação, em diversos aspectos, e com abertura para diferentes caminhos. No entanto, para atender aos objetivos aqui estabelecidos, que visam analisar relações de cunho subjetivo, sendo necessário o aprofundamento nas questões, nos pareceu mais pertinente a opção por uma abordagem qualitativa. A investigação qualitativa parte de questões amplas que vão se definindo a partir do desenvolvimento do estudo. Colocando o investigador em contato direto com o fenômeno estudado, visando a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos, procurando compreender os acontecimentos com base na perspetiva dos sujeitos que compõe o estudo (Godoy, 1995).

A Recolha de dados ocorreu entre março e abril de 2019, através de entrevistas individuais e tendo os brasileiros imigrantes em Portugal como população alvo. Elucidaremos a seguir, de forma detalhada, todo o processo de amostragem e de recolha de dados.

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2.1. Amostragem

A população objeto dessa investigação são os imigrantes brasileiros em Portugal que migraram recentemente, precisamente a partir de 2013. Esse corte temporal se justifica pelo interesse em compreender as motivações dos movimentos migratórios mais atuais. A partir de julho de 2013 desencadeou-se, no Brasil, uma série de manifestações sociais que levaram milhões de brasileiros às ruas em diversas cidades por todo o país, protestando por pautas diversas correspondentes a praticamente todos os campos do espectro político. Com esses movimentos sociais foi possível concluir que grande parte dos brasileiros estavam insatisfeitos com seu país, mas os motivos das lutas se mostravam heterogêneos e polissêmicos, o que dificultava o vislumbre de um futuro próspero e pacífico. Alguns trabalhos acadêmicos (Singer, 2013; Antunes, 2013) relatam bem esses movimentos, as pautas díspares desse período e o sentimento que pairava na atmosfera social brasileira.

Nessa altura já se começava a ouvir com maior frequência um burburinho sobre o desejo de alguns brasileiros, sobretudo os de classe média e classe média alta, de deixar o país, movidos por esse sentimento de insatisfação. Consequentemente, desde lá, os rumores sob a efetivação de emigrações vêm aumentando sensivelmente.

Dessa forma, pretendíamos alcançar pessoas migrantes que tinham a finalidade de residência permanente, ou seja, que, de fato, tencionaram a emigração do Brasil e que realizaram a mudança a partir de 2013. Buscou-se evitar, portanto, brasileiros que estavam em Portugal apenas com o propósito de atender a um curso ou preparação temporária, ou que viajaram por um período ocasional de trabalho e que visavam voltar ao Brasil logo após o término dessas atividades.

A construção da amostra valeu-se do “método em cadeia” e do snowball. O método de cadeia, de acordo com Fernandes e Carvalho (2003), analisa as redes como método subsidiário, evidenciando as relações sociais. Essa estratégia permite analisar as redes de contactos e estruturas sociais, desenvolvendo conclusões sobre as relações que envolvem o sujeito social. Ao método de cadeia associamos o snowball como estratégia de amostragem, técnica que se configura a partir da localização prévia de um indivíduo, ao qual será solicitado que indique outros indivíduos que integram os critérios estabelecidos, desenvolvendo as cadeias de referência (Fernandes & Carvalho, 2003).

Esse método é conveniente para o alcance de populações ocultas, embora a população desse estudo não se configure como de difícil acesso. Cabe aqui mencionar que apesar da grande simpatia dos brasileiros ao serem contactados, não foi fácil iniciar a recolha de dados com eles.

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As duas primeiras cadeias não conseguiram desenvolver-se, pois havia uma dificuldade em efetivar o compromisso por parte dos contactados. Assim acreditamos que o método empregado se revelou muito pertinente.

As cadeias de referência foram iniciadas por meio da rede de contacto pessoal da investigadora. Esses contactos iniciais seriam “ativadores”, que, apesar de não cumprirem o critério para incorporar a amostra, tinham acesso a representantes das populações alvo e assim poderiam indicar e facilitar o contacto da investigadora com os potenciais entrevistados (Fernandes & Carvalho, 2003).

Inicialmente houve dificuldade em fazer avançar as cadeias, a despeito do esforço de alguns ativadores. Contactamos pontualmente as pessoas indicadas e elas comprometiam-se a comunicar-nos oportunamente sobre sua disponibilidade para entrevista, mas não retornavam. Finalmente, um ativador proporcionou o acesso da investigadora a grupos de redes sociais da web dedicados a interações entre imigrantes brasileiros, possibilitando contacto com um grande número de potenciais participantes. O acesso a esses grupos e a abertura para realizar as entrevistas por vídeo chamadas impulsionou o processo de recolha. As vídeo chamadas também contribuíram no sentido do alcance do estudo, visto que foi possível entrevistar pessoas de outras cidades de Portugal.

Por fim, a amostra foi constituída por 11 participantes de naturalidade Brasileira, 6 do sexo feminino e 5 do sexo masculino. Com idade entre 34 e 66 anos e que imigraram entre 2015 e 2018. As características da amostra serão exploradas amplamente no capítulo seguinte.

2.2. Instrumento

O instrumento de recolha de dados elegido foi o de entrevistas individuais semiestruturadas. Esse tipo de entrevista caracteriza-se por permitir que o entrevistado desenvolva sobre o tema proposto, tornando o conteúdo exposto mais espontâneo e amplo, promovendo um clima de conversa mais informal e talvez mais confortável para o informante. Ainda assim, se valendo das questões previamente elaboradas de modo a não permitir que a entrevista deserte do seu objetivo (Boni & Quaresma, 2005).

O guião de entrevista (Anexo 1) foi organizado em duas partes, a primeira com perguntas sociodemográficas e questões objetivas simples, e a segunda parte com questões mais extensas, na qual cabiam respostas de natureza mais ampla. A segunda etapa da entrevista era norteada por temas, sendo eles: motivações para a migração, o sentimento de insegurança no

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Brasil, estratégias para lidar com a insegurança e o sentimento de insegurança e apontamentos sobre a vida em Portugal.

O contato com os sujeitos era feito previamente por telefone, momento no qual era informados sobre o objetivo do estudo, o tempo estimado de duração da entrevista e o direito de recusar participar, elucidando o caráter voluntário da participação e garantindo o anonimato. Tudo conforme as recomendações éticas para estudos envolvendo seres humanos da Ordem dos Psicólogos Portugueses (2016 [2011]) e da American Psychological Association (2002).

Decorrida a entrevista, era solicitado ao entrevistado a indicação de outros brasileiros que pudessem participar da recolha de dados. Grande parte dos entrevistados foram atenciosos e se esforçaram para criar pontes para o andamento da investigação. Alguns poucos participantes tiveram alguma dificuldade nessa fase por ainda terem uma rede de amizades reduzida em Portugal. Desse modo, foram iniciadas 2 cadeias concomitantemente, uma delas não conseguiu se desenvolver, e então foram iniciadas mais 2 cadeias.

Foram realizadas 5 entrevistas presenciais, em cafés das cidades do Porto e Gaia, e 6 entrevistas por vídeo chamada. As entrevistas contaram com gravação de áudio previamente autorizada pelos participantes e tiveram duração média de 43 minutos.

2.3. Análise de Dados

Depois da fase de recolha de dados, em posse das gravações do áudio das entrevistas, deu-se início ao processo de transcrição do conteúdo integral do material, originando-se um documento escrito que viabilizou um melhor tratamento das informações ali contidas.

A partir daí, foi realizada uma análise de conteúdo assentada nos fundamentos de Bardin (1977), a qual consiste em um “conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) desta mensagem” (Bardin, 1977, p. 44). Dessa forma, seguiu-se os passos de pré-análise do material; criou-se a grelha de análise (anexo 2), baseada no referencial teórico; e, codificou-se o corpus.

O nome dos entrevistados foi omitido das transcrições e, nas descrições dos resultados, foram utilizados nomes fictícios de modo a garantir o anonimato dos participantes.

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Capítulo III: O imigrante brasileiro em Portugal e o sentimento de insegurança 1. Caracterização da amostra

Rumores sobre a mudança no perfil dos brasileiros que migram à Portugal estão se disseminando nos programas de TV, em diversos outros tipos de medias, e nas conversas populares. Este estudo não tem como principal objetivo construir o perfil dos imigrantes brasileiros em Portugal, pois não há possibilidade de generalização nesse quesito, levando-se em conta o método e o tamanho da amostra da investigação. Ainda assim, pareceu oportuno caracterizar a amostra alcançada para refletir sobre a base factual desses rumores e chegar a algumas conclusões.

1.1. Distribuição etária

Faixa etária Nº de Sujeitos

34-35 3

43-48 5

56- 66 3

Tabela 2 – Distribuição etária dos sujeitos entrevistados Através dos dados expostos acima é possível observar a predominância de indivíduos com mais de 40 anos. A idade média foi calculada em aproximadamente 47 anos e não há sequer um participante que possa ser identificado como jovem. Nenhum participante se distancia por mais de 19 anos da idade média.

Acreditamos que a relativa homogeneidade de idade dos participantes é reflexo do método de amostragem, que privilegia a participação de pessoas componentes de um mesmo círculo social e de relacionamentos, mas, por outro lado, não podemos deixar de especular que, conforme a investigação aponta, uma faixa etária de idade mais elevada pode ser um traço marcante da suposta nova onda de imigrantes brasileiros em Portugal.

1.2. Escolaridade

Todos os participantes declararam ter formação superior, 5 graduados, e 6 pós-graduados. Formações diversas. São profissionais da área de arquitetura, comunicação, direito, psicologia, educação física, economia, administração de empresas e matemática. Alguns dos entrevistados fizeram formação em mais de uma área.

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A escolaridade combina-se com a distribuição etária para indicar que a amostra é formada por pessoas maduras ou em alguma medida experientes e de alguma forma eruditas.

Sabe-se que, no Brasil, o acesso à formação superior é pouco difundido, sendo relativamente baixo o número de pessoas que alcançam este tipo de capital social. Esse fator, portanto, é também um indicativo da condição social dos participantes.

1.3. Ocupação

A amostra tem situações muito distintas quanto à ocupação. Apenas 2 participantes tinham emprego em Portugal no momento da recolha de dados, mesmo assim, essas duas pessoas afirmaram que ainda prestam alguns serviços remotos a empresas do Brasil, o que lhes complementa a renda conquistada em Portugal com recursos brasileiros.

Havia 3 participantes já reformados no Brasil, com pensões pagas pelo governo brasileiro. Outros 6 participantes afirmaram se manter em Portugal por meio de renda familiar compartilhada, sendo que 4 deles tinham essa renda familiar proveniente do Brasil, seja de empresas que são administradas a distância ou de serviços autônomos que também são prestados virtualmente a pessoas ou empresas do Brasil pelos seus familiares.

Alguns participantes mencionaram o desejo de ter uma vida profissional ativa em Portugal, entretanto disseram que ainda não têm encontrado boas oportunidades.

Esses dados combinados com os demais já apresentados expressam um pouco mais da situação econômica da amostra: Notoriamente não estamos apresentando um grupo financeiramente precarizado. Apesar de alguns demonstrarem sua vontade de ter uma vida profissional em Portugal isso não pareceu ser uma necessidade urgente, nem algo determinante para a fixação de sua residência no novo país.

1.4. Com quem vivem

Dos 11 participantes, apenas uma mulher migrou sozinha e não vive em Portugal com alguém da sua família. Ela divide um apartamento com amigos. Todos os outros 10 participantes imigraram com seu núcleo familiar, total ou parcial (um dos participantes havia imigrado há um ano junto com a filha e estava esperando a esposa e o outro filho, que estavam finalizando projetos no Brasil para poder se juntar ao resto da família em Portugal). E, portanto, vivem com seu agregado familiar. São casais com e sem filhos, além de uma mãe que vive com sua filha.

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1.5. Distribuição geográfica de origem (Brasil)

A amostra, coincidentemente, teve egressos das 5 regiões do Brasil (norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul), o que é muito conveniente em termos investigativos. O Brasil é um país de dimensão continental, o que se traduz em uma nação plural em vários aspectos socioculturais. Assim, o fato de haver ao menos um representante de todas as regiões brasileiras nos proporciona maior abrangência na perceção do fenômeno estudado.

É importante esclarecer que alguns poucos participantes viveram em mais de uma cidade no Brasil. Como regra geral optamos por registrar a última cidade em que o sujeito morou, com exceção de 3 casos, no qual os participantes tinham relação de atual proximidade com duas cidades, como por exemplo o caso de uma das participantes que nasceu e morou até o início da vida adulta em Erechim/RS e em seguida mudou-se para Manaus/AM, onde construiu sua vida profissional e viveu durante muitos anos até que, já tendo decidido migrar do país, voltou para sua cidade natal ficando cerca de um ano lá até vir para Portugal.

Isto posto, quando este estudo se referir ao Brasil, a partir da narrativa de seus participantes, ele está usando como parâmetro alguma dessas cidades: Manaus/AM (Região Norte); João Pessoa/PB, Fortaleza/CE e Recife/PE (Região Nordeste); Brasília/DF (Região Centro-oeste); Indaiatuba/SP, Santo André/SP, São Paulo/SP, Niterói/RJ e Rio de Janeiro/RJ (Região Sudeste); e Erechim/RS (Região Sul).

1.6. Distribuição geográfica em Portugal

Já em Portugal, por questões de viabilidade, não foi possível abranger imigrantes residentes em numerosas cidades do país. Entretanto, a heterogeneidade deste fator não é tão importante nesse caso devido aos objetivos do estudo, que estão mais focalizados em aspectos da realidade brasileira. Ainda assim, além dos brasileiros residentes no Porto e Gaia, que foram 7, ainda foi possível entrevistar brasileiros residentes em Penafiel, Barcelos, Amadora e Sintra.

1.7. Tempo de permanência em Portugal

O tempo que os participantes têm de permanência em Portugal atingiu uma média de 16 meses, variando entre 6 meses a 46 meses em solo português, na altura da recolha de dados.

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Mas a média de fato representa bem a maioria da amostra, que já estava há pelo menos um ano em Portugal.

2. Motivações para a migração

Acreditamos ser pertinente dar início ao eixo de análise dos resultados a partir dos dados provenientes da categoria Motivações para migração. Ora, se queremos compreender a relação entre hipótese predatória e migração de Brasileiros a Portugal, é necessário inicialmente perceber qual o motivo, expresso pelos participantes, que os levou a essa mudança. Vale salientar que a pergunta relacionada a este assunto foi feita logo no começo da conversa, em um momento onde os interlocutores ainda não estavam imersos no tema central da investigação.

O primeiro ponto a se destacar é o caráter plural dos motivos para a migração. Com exceção de 3 participantes, todos os outros expressaram motivações associadas, explicando um conjunto de fatores que fortaleceram a ideia de mudança.

Em outras épocas era comum se ouvir que pessoas deixavam seus países, especialmente no caso dos países ditos subdesenvolvidos, procurando melhores condições de vida, nomeadamente melhores condições de trabalho e consequentemente melhores condições financeiras e, de fato, isso ocorreu no Brasil. A partir de 1980 o Brasil passou a ser um país de mais emigração do que imigração, o que ocorreu em decorrência da estagnação económica e do desemprego, somado à facilidade de acesso à informação e de transporte (Amaral, Costa & Allgayer, 2017). Desse modo, os países de destino eram frequentemente aqueles de notável sucesso económico, como os Estados Unidos da América. Por via da globalização, ou até mesmo pela proximidade geográfica, a notícia das possibilidades que os EUA ofereciam adentrava ao imaginário do Brasileiro. Os países da Europa também sempre estiveram no topo da lista de preferência dos Brasileiros, afinal este é um continente que concentra um grande número de países desenvolvidos, ou seja, com potenciais oportunidades de trabalho, e países que também possuem um capital cultural muito vasto.

Todavia, dessa época para cá muita coisa mudou no cenário mundial e brasileiro. Hoje o Brasil se tornou um país denominado “emergente”, com uma economia de relevância mundial. Embora, apesar do cenário próspero economicamente, essa nação ainda enfrenta uma série de contradições internas que geram desconforto em muitos dos seus habitantes.

A colocação do Brasil no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mensura o estado de desenvolvimento em todo o mundo a partir de indicadores de desenvolvimento humano em vários aspectos, como população, educação, saúde, renda,

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segurança, diferenças de género, sustentabilidade ambiental, entre outros, revela essas contradições. O Brasil ocupa 79º colocação no ranqueamento do IDH, encontrando-se logo a seguir à Venezuela (United Nations Development Programme, 2018), enquanto figura entre as 10 maiores economias do mundo em termos de produção total (International Monetary Fund, 2019) e a 35º colocação no ranqueamento de competitividade da indústria das nações (United Nations Industrial Development Organization, 2019).

Além disso, de acordo com os dados disponibilizados pela Organização Internacional para as Migrações – OIM (2017), se referindo ao ano de 2015, o Brasil ainda possui um número maior de emigração do que imigração. Portanto, percebemos que a mudança da conjuntura nacional brasileira não estancou os movimentos emigratórios, embora seja possível ponderar que há novas razões que os motivam.

Na amostra desta investigação só houve um participante que relatou ter saído do Brasil buscando melhores oportunidades de trabalho. Nenhum dos outros 10 participantes referiram esse tema como motivação. Houve motivações pontuais como a de sentir-se só na cidade em que residia, a vontade de fazer doutoramento, tranquilidade, saúde, ou por achar que o custo de vida é mais razoável em Portugal.Também houve 2 sujeitos que mencionaram como motivo primário acompanhar um familiar em trabalho ou estudo.

Outra motivação que também foi compartilhada entre os sujeitos foi o sonho antigo de ter uma experiência de morar fora do Brasil, na Europa, em países de mais estabilidade, citado por 3 participantes. “Primeiro a vontade de morar fora do Brasil, ter essas experiências (...)

aqui (Portugal), na Itália, aqui na Europa” (Antônio, 63 anos).

O Eurocentrismo parece ser ainda muito forte no ideário do brasileiro, o que faz muita gente idealizar e almejar viver em uma cidade europeia. Fantasiando que na Europa tudo é melhor, a qualidade de vida, a saúde, educação, segurança e a cultura. Essa ideia muitas vezes é baseada em pré-conceitos, e não em fatos. Essa motivação se conecta com o motivo educação, citada por 1 entrevistado como razão primária e por 2 como razão associada. “Educação europeia é melhor do que a do Brasil” (Antônio, 63 anos). “Foi um conjunto de fatores... a qualidade do ensino médio aqui é melhor do que o ensino médio no Brasil, infelizmente” (Samuel, 66 anos).

Também houve 2 citações à instabilidade política e económica do Brasil. Contudo o motivo que mais atravessou as narrativas dos sujeitos foi relacionado a questões voltadas à segurança e violência, estando presente no discurso de 5 entrevistados, havendo um deles que afirmou que esse era o único motivo da mudança de país. Seguem alguns excertos desse tópico: “segurança em 1º lugar, porque segurança é o que você vivencia todos os dias, é a sua

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liberdade de ir e vir, de não ter uma arma na tua cabeça, não ter alguém te roubando” (Cássio, 46 anos); “minha ex esposa, aconteceu um crime, num carro na frente do carro dela, aquilo deixou ela com mais vontade de voltar (para Portugal), chegou próximo, podia ter sido ela. E foi algo que quando ela chegou nós começamos a nos programar para vir” (Saulo, 48 anos); “Quando a situação do Rio de janeiro começou a ficar muito violenta e a situação do país muito caótica, a gente começou a pensar nisso mais seriamente” (Roberta, 43 anos).

Vários foram os fatores que fizeram os brasileiros quererem sair do Brasil, mas poucos pareciam sonhar em morar em Portugal. Portugal pareceu ser conveniente em diversos aspectos, como por um direito a dupla cidadania proveniente de antepassados ou cônjuges, ou por já terem parentes morando aqui, pela língua e proximidade cultural, pelo custo de vida mais baixo se comparado a outros países da Europa, ou até mesmo pela possibilidade do Visto Gold13.

“Eu comecei a pesquisar e vi que Portugal, embora não fosse o país mais valorizado, é a porta de entrada para a Europa, é um país que tem uma certa estabilidade, se a gente for ver, com pouco a gente vive razoável… o clima é bom, a língua é a mesma” (Sandra 47 anos).

3. Sentimento de insegurança no Brasil

Os resultados do tópico “motivações para a migração” indicaram a dimensão que as questões securitárias podem ter na vida de alguns indivíduos e, como o tema do sentimento de insegurança é central neste estudo, tratamos de explorá-lo a partir daí.

Já que os temas voltados à segurança afligem os brasileiros, e a violência no Brasil tem notoriedade internacional. É pertinente entender como os Brasileiros, que migraram ou não por esse motivo, percebem essa insegurança, como eles construíram esse sentimento, quais as causas percebidas da insegurança, qual a intensidade do medo, e como eles lidam com isso.

3.1. Causas percebidas para o sentimento de insegurança

Os participantes, normalmente, ao expressarem seu sentimento de insegurança automaticamente já tentavam justificá-lo, atribuindo causas, motivos que os legitimam nas suas perceções. São as causas percebidas pelos participantes para o sentimento de insegurança. E foi possível constatar que, ainda que apareçam algumas justificativas invulgares, a generalidade

13 Visto Gold é uma autorização de residência para entrada e permanência em território português, para fins de

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das informações não foge aos temas já apontados na literatura: a delinquência, as vitimações e os meios de comunicação são os fatores a que mais se atribui responsabilidade pelo crescimento do sentimento de insegurança. Na verdade, é até difícil perceber a influência de cada um desses determinantes de forma separada, no caso do Brasil todos eles parecem agir de forma intensa, constante e combinada.

Sobre as eventuais justificativas invulgares, como acima mencionamos, chamou-nos a atenção o caso de uma participante que mencionou a cultura como uma dessas causas, afirmando acreditar que a corrupção e a criminalidade são intrínsecas ao Brasil. “Essa questão

é uma questão cultural. As pessoas, em casa, aprenderam que se burlar a fila está tudo bem, se fizer isso errado está tudo bem, se ele pegar só 10 reais do outro está tudo bem…então não é só uma questão de política é o povo que precisa mudar, isso precisa ser aprendido nas escolas… então é uma purificação” (Sandra, 47 anos)

Apesar dela ter sido a única a referir-se expressamente a um suposto aspeto cultural relacionado à segurança, também houve outras menções que denotavam um acentuado descrédito com o Brasil e o brasileiro que podem ter relação com essa ideia: “a gente saturou

completamente de tudo, a gente não acredita mais em nenhuma melhora do Brasil” (Roberta,

43 anos).

Sob nossa reflexão, essa atribuição, que não pode se dizer rara, dos problemas de corrupção e segurança do Brasil à índole do brasileiro ou à sua suposta cultura de delinquência, nos parece mais uma tentativa descuidada de naturalização e conformação do problema, evitando-se uma análise crítica e profunda das condições materiais e históricas da sociedade brasileira que possam justificar a questão.

3.1.1. Delinquência

De modo geral os entrevistados percebem a cidade como perigosa através da delinquência, que se faz percetível através de indicadores como: troca de tiros audíveis, abordagens policiais ostensivas a indivíduos tidos como suspeitos nas ruas, tráfico e toxicodependentes visíveis, sujeitos vistos como degradados à circular entre carros no trânsito, índices crescentes de criminalidade expostos à população nos medias, interrupção da circulação em certas regiões da cidade por organizações criminosas. Tudo isso os mostra diariamente que estão vulneráveis.

Nesse sentido, três participantes mencionaram já terem ouvido tiroteios. A abordagem a supostos criminosos pela polícia nas ruas também traz ao sujeito sensação de proximidade do

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ato criminoso, um dos participantes conta: “me assustou, porque eu estava vindo a pé para a

casa da minha mãe, e de repente dois motoqueiros pararam, eu percebi que tinha algo estranho, viraram uma rua, daqui a pouco tinha policiamento ali, eu vi que estava a arma no chão, capacetes, ou seja, eram assaltantes. Então a gente às vezes percebe que a violência está próxima, então temos que tomar cuidado.” (Saulo, 48 anos)

A questão do tráfico é pontuada como um fator gerador de sentimento de insegurança, assim como a concentração de toxicodependentes em espaços urbanos é frequentemente associada à criminalidade: “ficava aqueles ‘craqueiros’ andando no meio dos carros, olhando

para ver se tinha bolsa” (Samuel, 66 anos). Esses são sinais de ruptura social, “grupos

problemáticos que habitam o espaço público – inspiram receio, ao mesmo tempo em que traduzem a impotência das instâncias de controle” (Rêgo & Fernandes, 2012).

As taxas de criminalidade divulgadas são intimidadoras. “A gente via no jornal que os

índices de assalto em ônibus, no metro e em todos lugares tinha aumentado muitos por cento e estava acontecendo em todos os bairros” (Camila, 34 anos). Sabemos que no caso de um país de

ampla dimensão como o Brasil, essas taxas podem ser supervalorizadas pela população, tendo em vista que os números são sempre grandes e as informações não são inteligíveis a todos. Não há a intenção aqui de desconsiderar os índices de criminalidade no Brasil, porque de fato eles são altos, mas eles precisam ser interpretados, porque, por exemplo, crimes violentos não costumam ter as mesmas incidências em todos os contextos brasileiros, nem configuram a maioria dos crimes notificados, mas parecem ser muito temidos por todos. No fim das contas, para muitos a ideia que fica é de caos absoluto, de risco constante, mesmo que para a maioria a vulnerabilidade ao crime ou à violência não seja realmente significante.

3.1.2. Mass media

O “a gente via no jornal” do último excerto apresentado já nos conecta ao tema dos meios de comunicação e o seu peso sobre a população. Os participantes comumente afirmam ter acesso às notícias sobre o país através de redes sociais via web e telejornais. “Eu acompanho

até hoje os jornais de lá pelo instagram” (Camila, 34 anos). Cabe esclarecer que essas redes

sociais contam com perfis de grandes jornais e do jornalismo independente que parecem ter credibilidade, mas também é campo fértil para a disseminação de notícias falsas (fake news). Sobre esse assunto, um participante comenta: “hoje está tendo coisas bizarras que a grande

massa do Brasil não é pensante, a grande massa do Brasil ela vai de ‘notícia whatsapp é verdade’” (Saulo, 48 anos).

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Tabela 1 - Número de concessões de cidadanias dadas a brasileiros por membros (os três primeiros da lista) da  união europeia por ano
Tabela 2 – Distribuição etária dos sujeitos entrevistados

Referências

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