• Nenhum resultado encontrado

A INTERAÇÃO COM OS BANCÁRIOS NO VAPOR E NO SAPATINHO

6 ROUBOS AOS BANCOS E VITIMIZAÇÃO

6.2 A INTERAÇÃO COM OS BANCÁRIOS NO VAPOR E NO SAPATINHO

No vapor os assaltantes podem anunciar o assalto de forma frontal e direta, com armas em punho, destruindo paredes, divisórias e portas, atirando contra bens, criando um clima de terror; ou podem se aproximar dos bancários e demais trabalhadores disfarçados como clientes ou pessoas pedindo informações, após o que anunciam o assalto, mostrando as armas e os demais integrantes do grupo, que estão posicionados no interior da agência.

Essa aproximação e surpresa, que é intitulada pegada, é importante, pois se trata de dominar os indivíduos alvo, entre eles policiais, vigilantes e bancários, nessa ordem de importância, para, no caso dos dois primeiros, tomar as armas e impossibilitar qualquer tipo de resistência, e no caso do terceiro, o bancário, para que viabilize a abertura do cofre e a obtenção do dinheiro.

O conceito de estigma, que é uma condição que diferencia negativamente quem o possui, e aponta para a classificação social dos indivíduos em categorias onde são estabelecidos atributos comuns e incomuns para um determinado contexto (GOFFMAN, 1965), ajuda a compreender os efeitos do anúncio do assalto sobre os trabalhadores.

A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias. Os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm probabilidade de serem neles encontradas. As rotinas de relação social em ambientes estabelecidos nos permitem um relacionamento com “outras pessoas” previstas sem atenção ou reflexão particular. Então, quando um estranho nos é apresentado, os primeiros aspectos nos permitem prever a sua categoria e os seus atributos, a sua “identidade social”- para usar um termo melhor do que “status social”, já que nele se incluem atributos como „honestidade”, da mesma forma, que atributos estruturais, como “ocupação”. (GOFFMAN, 1988, p.11-12).

Nesse sentido, podemos entender que a clivagem que ocorre durante a revelação de um assalto ou seqüestro, implica na criação de duas situações, uma diz respeito ao assaltante ou seqüestrador e a outra ao trabalhador bancário.

No caso do perpetrador, ele passa, para o olhar do trabalhador, da condição de cidadão comum, vestido e comportando-se dentro das normas estabelecidas pelo contexto, para a de um assaltante ou seqüestrador, quando além de anunciar o crime, mostra as armas escondidas sobre as roupas e revela detalhes sobre a vida do trabalhador, que é paralisado pela surpresa.

Para o bancário, que está dentro de seu contexto diário, a revelação, que implica na definição da situação projetada pelo perpetrador, representa a passagem para uma condição de subjugação, vulnerabilidade e obediência extremas.

Trata-se de uma habilidade camaleônica dos criminosos de antecipar-se ao ambiente e revelar uma condição escondida, que provoca grande impacto nos demais, paralisando-os e fazendo-os entrar em desespero.

No caso da invasão do domicílio, os seqüestradores utilizam a pressão psicológica, que pode durar horas, contra o bancário e familiares, mostrando as armas, que dão ênfase a seu poder de destruição e reforçam sua superioridade. Nesse contato, eles utilizam um jogo com o trabalhador, em que alguns do grupo assumem o papel de descontrolados e ávidos por morte, enquanto o outro, que passa a idéia de liderança, acalma e mantém os demais sob controle, criando uma tensão constante e a sensação de perigo eminente.

Por sua vez, os trabalhadores, como forma de protegerem-se, estabelecem um vínculo de confiança com o suposto líder, pois identificam nele maneiras mais cordatas e uma fonte de proteção e segurança, em relação aos demais.

Essa dinâmica, com forte apelo cênico, onde os papéis são bem definidos, é uma forma de criar uma atmosfera de medo e mostrar que, em caso de não cooperação, eles podem adotar atitudes mais agressivas, colocando sobre os trabalhadores a responsabilidade do desfecho. Um dos assaltantes entrevistados, Renato, 40 anos, fala sobre esta estratégia:

Vocês estão vendo aquele ali? Se eu deixar, ele faz miséria, mas eu não deixo. Vocês estão me achando bonzinho, né? Mas se não der certo, eu vou ter que voltar aqui e não vou ser nada bonzinho não? A gente fala assim, baixo, mas firme, e fica ali a noite toda na pressão psicológica.

O relato acima se refere ao uso da tortura psicológica e da ambivalência, deixando claro ao bancário que eles são capazes de coisas bem piores do que as que estão sendo realizadas ali. Trata-se do uso instrumental da violência, que caracteriza a atuação desses grupos de criminosos, constituindo um meio para lograr êxito nas investidas, diferentemente do uso expressivo da violência, que é a manifestação da agressividade descontrolada, impulsiva, destrutiva, sem explicações plausíveis no contexto (MENDO, RODRIGUES e MACÍAS, 2004. Disponível em <http://www.efdeportes.com/efd70/violen.htm> acessado em 21/02/2007).

O Sapatinho permite ao trabalhador se reestruturar, após choque inicial, recobrar-se da surpresa e relembrar senhas ou montar uma forma adequada e insuspeita de transitar na agência, além dos familiares serem usados como elemento de pressão para obedecer aos comandos do grupo.

psicológico irreparável e superior ao causado pelo vapor, tendo em vista o contato próximo e ambivalente estabelecido na cena dentro da residência, em que os agressores torturam psicologicamente buscando intimidar as vítimas, causando no trabalhador a quebra da idéia de proteção atribuída ao lar e do papel de protetor da família, conferida aos provedores da casa, que se sentem culpados por estarem expondo seus entes queridos a esse drama, como se pudessem ter algum controle sobre esses eventos.

Documentos relacionados