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A interação de cores como ponto de ancoragem nas seções e subseções

3.2 O livro Didático em termos de especificidade material

3.2.3 O papel das cores na estrutura da coleção

3.2.3.1 A interação de cores como ponto de ancoragem nas seções e subseções

os quais um lhe confere uma singularidade particular, sua utilização na esfera escolar. Neste sentido a primeira coisa que essa singularidade nos comunica, dentre tantas outras, é o fato de que especificidades no modo de concepção resultam em especificidades na forma de produção e consequentemente no modo de compreensão (suas representações de leitura). Não se lê um livro didático como se lê um romance, por exemplo, pela não obrigatoriedade de uma leitura linearizada (da introdução ao capitulo 1, passando pelo 2, até chegar-se ao final do livro). Na estrutura de sua composição material e visual, um dos recursos de que o livro utiliza para alcançar tais objetivos é a interação de cores na constituição da sua estrutura para favorecer lugares onde se quer prender a atenção do leitor sobre algum ponto que se julga de interesse. É o que se pode observar na figura 9, em seguida.

24 “A cor é o elemento visual com o maior grau de sensualidade e emoção visual. Nenhum outro atrai com tanta intensidade quanto a cor” (BIAZETTO, 2005, p. 77)

25 Vale ressaltar que, em vista de serem observadas as mesmas estratégias em todos os livros da coleção, os fragmentos foram selecionados aleatoriamente, o que a nosso ver não prejudica a compreensão da análise.

Figura 9 – Exemplo extraído do livro de 9º ano, Português: Linguagens, p. 28.

É constante, atualmente, o uso de cores nas formas de nomeação e elaboração das seções e subseções didáticas do livro com propósito de destaque, tornando o livro mais caro inclusive, mas também é visível, na utilização dessa estratégia, uma função de demarcação de certos lugares onde se pressupõe um repouso de olhar mais demorado, selecionado e com certa finalidade. A figura 9 traz o exemplo de uma seção didática intitulada “A língua em foco” preenchido em cor forte, tamanho de fonte alterada em relação ao restante do livro, o que facilita sua localização no desenvolvimento do capítulo sem muitos esforços visuais. O que nos chama atenção é que numa simples passada de olho nessa seção, somos convidados a

repousar e a saltar para outros pontos fortes relacionados a ela quase sem nos darmos conta disso:

o título “A língua em foco”, destacado dentro de uma cápsula laranja, informa imediatamente que se trata de uma seção sobre um tópico gramatical – o que se torna mais evidente quando se considera que o mesmo título aparece repetidamente ao longo da coleção;

o subtópico “sujeito indeterminado” em cores fortes e tamanho de fonte destacada informa imediatamente qual é o tópico gramatical em estudo nesta página e nas seguintes;

• os exemplos que são colocados em relação ao assunto são destacados em caixas com fundo colorido: “Telefonaram pra você hoje cedo; Levaram tudo.

• um conceito gramatical sobre o tópico tratado é destacado dentro de uma cápsula com fundo colorido: “Sujeito indeterminado é aquele que não aparece expresso

na oração nem pode ser identificado, ou porque não se quer ou por se desconhecer que pratica a ação".

Disso concluí-se que os pontos de ancoragens que o livro trás, pressupõem certos movimentos de leitura que satisfazem algumas expectativas historicamente criadas em torno do livro didático (conceitos gramaticais, propostas de exercícios, exemplos ilustrativos, etc.) e que o uso de cores constitui uma forma de tornar o livro mais encorpado, moderno, atraente, mas também de tornar esses aspectos mais visíveis, localizáveis em uma leitura rápida. Na verdade o que se quer é atrair a atenção do leitor do livro para algo que lhe chame atenção e lhe desperte o interesse. Por exemplo, o professor que estiver decidido a trabalhar, em sua próxima aula, com exercícios sobre sujeito indeterminado, já tem como pressuposto que adjunto a uma seção didática sempre há modelos de exercícios com respostas prontas, e em um salto de olho pode encontrar, bem próximo um conceito gramatical sintetizado de fácil memorização. Uma leitura como esta pode ser decisiva tanto em relação à escolha do livro (imagine-se um grupo de professores que se reúne durante um intervalo, um tanto às pressas, para folhear diversos livros e indicar aquele em que localizam de forma mais clara uma proposta com a qual desejem trabalhar – situação que, conforme os depoimentos colhidos, não é de todo incomum) quanto em relação ao seu uso (imagine-se que, como em geral acontece, o professor não realiza todas as atividades do livro, mas seleciona as que julga mais pertinentes, e neste caso poderia rapidamente encontrar o material para aulas de gramática).

Não podemos dizer que é louvável a atitude de um livro que faz uso intenso de cores como “âncoras textuais”, pois é um recurso que acrescenta um custo a produção do material, além de que é uma estratégia que satisfaz tanto os anseios do professor (que despende de pouco tempo para pesquisa e planejar suas aulas) quanto da indústria livreira, de modo que facilitando o trabalho daquele profissional (que procura algo que lhe complete sem muitos esforços) alarga seu potencial de utilidade, uso e consumo. Em suma, esse uso das cores, além de cumprir um papel didático de estabelecer divisões entre tópicos de ensino, também possibilita uma série de usos relacionados às posições epistemológicas e políticas daqueles a quem se destina. Dentre esses usos, pode-se pensar, por exemplo, na possibilidade de seleção pelo professor daqueles tópicos que lhe interessam (por exemplo, definições gramaticais) e o descarte de outros, sem que esses outros tópicos (por exemplo, o estudo de textos) deixem de estar presentes no livro ou serem considerados em sua avaliação. Em outras palavras, um livro pode ser avaliado, de forma global, como obra que propõe um ensino de gramática articulado ao texto, mas pode ser usado apenas como manual de gramática (ou, inversamente, como coletânea de textos), e sua composição gráfica favorece esse tipo de recorte de leitura.

3.2.3.2 A interação de cores como delimitação de espaços na estrutura das seções