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CAPÍTULO 1 — Correlações entre o Sonoro, o Visual e o Espaço Físico

1.2 Interação entre Cor e Som

A relação entre cores e os sons aparecem historicamente como o relacionamento audiovisual mais antigo. Prova disso são as inúmeras e variadas expressões utilizadas pelos músicos como, por exemplo: tom, tonalidade, cromatismo, brilhante, escuro, entre outras. A relação de estruturas musicais com as cores é muito empregada para ilustrar dois importantes aspectos da música.

Primeiro essas relações são utilizadas em relação ao timbre. A própria definição de timbre, muitas vezes, é encontrada como sendo a “cor de um som”. Essas correlações entre timbre e cores ocorrem durante séculos. No século XX, compositores como Edgar Varèse (1883-1965) descreveram a orquestra sinfônica como sendo um grupo que oferece a maior mistura possível de cores sonoras. O compositor Olivier Messiaen (1908-1992), em sua obra Cronocromia (1960), explorou a relação entre harmonias e cores. Messiaen escreveu também um tratado denominado de "Traité de rythme, de couleur, et d'ornithologie". Ele experimentou uma leve forma de sinestesia que se manifestava através da percepção de cores quando ouvia alguns acordes, particularmente acordes construídos a partir dos modos por ele criados, e ele usou a tonalidade dessas cores em suas composições.

A partir das experiências composicionais de Messiaen e Scriabin, vemos que a relação entre cores e alturas foi empregada com resultados musicais muito relevantes. Tentativas de criar uma correspondência entre notas de uma dada escala musical e determinadas cores são reportadas há séculos. Entretanto, este ponto de vista só passou a ser abordado formalmente a partir do século XVII. É neste século que são encontrados Mersenne, Kircher e Castel, três pensadores jesuítas que pesquisaram e criaram modelos sobre as relações dos sons e das cores.

Segundo Caznok (2003, p. 38), “embora as propostas de correspondência dos três jesuítas entre sons e cores não seja coincidente termo a termo, algumas constantes aparecem nas ideias de Mersenne e Castel.” Essas constantes seriam o aproveitamento da pesquisa de Newton a respeito da refração das cores e a relação, aparentemente arbitrária, entre sons graves com as cores escuras e dos sons agudos com as cores claras.

Castel, durante trinta anos de sua vida, pesquisou e concebeu a construção de um teclado que relacionava cores e sons. Nesse período, ele desenvolveu inúmeros modelos utilizando-se de velas, lâminas de papel colorido e lâminas de vidro. Mas, com sua morte, a busca pela construção desse teclado foi deixada de lado e só foi retomada na segunda metade do século XIX, fomentada

por novas possibilidades tecnológicas da época, a utilização da energia elétrica e os estudos sobre sinestesias que estavam sendo cultivados como um ideal perceptivo a ser alcançado.

A partir de 1890 surgiram inúmeros inventos que relacionavam som e cores, entre eles mencionamos:

• O órgão silencioso, construído em 1895 por Wallece Rimington (1854- 1918), professor de Belas-Artes do Queen’s College de Londres;

• O Clavilux, apresentado em 1922 pelo músico holandês, Thomas Wilfrid (1889-1968). Esse aparelho na realidade não relacionava as cores com os sons, mas buscava desenvolver um conceito de arte com as cores semelhantes ao da música, buscando similaridades em fatores temporais e rítmicos;

• Em 1877, Bainbridge Bishop combinou e sincronizou um instrumento de projeção de cores com um pequeno órgão de câmara.

Além destes e outros instrumentos construídos para relacionar sons e cores, surgiram também nessa época inúmeros livros e escritos falando sobre esse assunto. Alguns desses escritores defendiam a ideia de que as cores serviriam para complementar a apreciação musical. Entre esses livros estão:

• The Art of Mobile Colour de Wallace Rimington publicado em 1911;

• Die Farblichtmusik (Música de Cores e Luz), publicado pelo húngaro Alexandre László. Além desse livro, László inventou um piano que projetava luzes e criou uma espécie de notação colorida impressa sobre as pautas;

• The Art of Light, publicado em 1926 por Adrian Bernard Klein. Ideias que resultaram na construção, em 1932, de um projetor de cores acoplado a um órgão que controlava luzes coloridas.

Essas inúmeras experiências e tentativas de relacionar cores e sons não foram adotadas explicitamente pelos compositores mas, de acordo com Caznok (2003, p.43) “causaram, com certeza, reverberações na imaginação dos criadores e dos ouvintes e apareceram em inúmeras obras”.

Como mencionamos anteriormente, essas correlações entre propriedades do som e das cores são ocasionadas pelo fato dos órgãos sensoriais

comunicantes. Dessa forma, algumas das sensações que sentimos quando vemos uma cor ou ouvimos um determinado som são processadas por grupos neuronais próximos ou até mesmo a mesma configuração neuronal produzindo sensações semelhantes.

Quando ouvimos um som, todos os nossos sensores perceptivos estão funcionando e não apenas a audição. Dessa forma, o que sentimos na verdade é um resultado de todas as diferentes sensações. Essas correlações que criamos entre nossos diferentes sentidos estão diretamente ligados a fatores culturais. Peirce (1998)18, ao tratar das múltiplas possibilidades sensoriais do homem, da especialização e intensificação de alguns sentidos e da dormência de outros em decorrência da habituação advinda do cultural, comenta que:

“Não podemos formar agora mais que uma débil concepção da continuidade das qualidades intrínsecas do sentir. O desenvolvimento da mente humana extinguiu praticamente todas as sensações, exceto uns poucos tipos esporádicos, como sons, cores, odores, calor etc., que aparecem agora desconectados e separados [...] Mas dado um número determinado de dimensões do sentir, todas as variedades possíveis são obtidas, variando as intensidades dos diferentes elementos [...] Segue-se, pois, da definição de continuidade, que quando está presente qualquer tipo particular de sensação, está presente um contínuo infinitesimal de todas as sensações, que se difere daquele infinitesimalmente.” (Peirce, 1998, p. 132).