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Interação entre grupos ou coletivos de pesquisadores

1.2 E LEMENTOS PARA UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO ACADÊMICA EM ENSINO DE BIOLOGIA

1.2.3 Interação entre grupos ou coletivos de pesquisadores

Por se tratar de uma atividade condicionada socialmente, a produção do conhecimento pressupõe grupos/coletivos de pesquisadores conectados por determinados referenciais/convicções que irão nortear seu pensar e seu fazer. A história da ciência está eivada de exemplos de que grandes transformações, em períodos importantes, foram marcadas por intensa interlocução entre pesquisadores. Também as pesquisas apresentadas mostram que tanto o processo de instauração de uma área do conhecimento, quanto os períodos que registraram transformações importantes, foram marcados por intenso debate entre pesquisadores, inclusive de áreas afins, debate esse que acaba por influenciar mutuamente as áreas em diálogo.

Fiorentini (1994) destaca que a Educação Matemática enquanto campo do conhecimento, ao buscar identidade própria, distinguindo-se da Matemática, o fez sob o olhar de pesquisadores de diferentes campos do conhecimento, principalmente pedagogos, psicólogos educacionais e matemáticos:

A alta dispersão de orientadores das pesquisas acadêmicas em Educação Matemática no Brasil decorre, em grande parte, da falta de doutores especialistas em Educação Matemática. Neste sentido, não podemos negar que, apesar da dispersão, a produção científico-acadêmica em Educação Matemática tem-se mantido ativa graças à contribuição de doutores de outras áreas afins, como psicólogos, matemáticos e pedagogos ou educadores em geral. [...] a educação matemática no Brasil evoluiu muito durante a década de 80 tendo sido relativamente intensa e diversificada. Isso de deve, em parte, à ampliação dos cursos de pós-graduação e, neles, à colaboração de muitos profissionais que, embora não tivessem formação específica na área, fizeram da educação matemática seu principal campo de produção de conhecimentos e/ou de orientação de estudos. (FIORENTINI , 1994, p. 115 e 176).

Situação similar ocorreu em outras áreas. Megid (1999) relata que o início da pós-graduação em Educação no país, década de 60 e 70, foi marcado por certa "improvisação e falta de organicidade dos programas" e por um expressivo ecletismo tanto do corpo docente quanto discente – um mosaico tanto de interesses quanto de condutas. Além disso, houve a articulação entre profissionais de diferentes campos do saber. Referindo-se especificamente à área de Ensino de Ciências, o autor novamente resgata o diálogo entre áreas afins, ao detectar que pesquisadores do programa do IF-USP orientam pesquisas no programa FE-USP e vice-versa.

Megid (1999) argumenta que a área de Ensino de Ciências tem importado "modismos" de outros centros culturais, prejudicando o desenvolvimento livre e autônomo da pesquisa, assim como a consolidação de linhas e grupos de pesquisa. Entretanto, essa dinâmica poderia ser interpretada como a evolução das abordagens metodológicas, que surgem, desenvolvem-se e transformam-se principalmente a partir da interlocução entre pesquisadores de diferentes áreas, os quais, ao adotar determinada postura de outra área, transformam seu significado. Essa mesma perspectiva está contemplada na análise de Fiorentini (1994), quando descreve que as pesquisas de cunho experimental com tratamento estatístico de dados, que caracterizam as pesquisas em Educação Matemática no início da década de 80,

[...] foram marcados pelo modelo de agricultura – método experimental, que tem como princípio experimentar para melhorar produtos através de tratamentos manipulativos [...] – acompanhado de uma abordagem quantitativista de supervalorização das técnicas estatísticas. (FIORENTINI, 1994, p. 153)

Ou seja, trata-se de adquirir, via circulação de idéias e práticas, inclusive entre distintos grupos de pesquisadores e campos do conhecimento, determinada atitude de pesquisa. Para Gamboa

O caminho, o método, varia segundo o objeto e as posturas do sujeito. Os dois termos da relação também estão submersos em uma teia de relações histórico-sociais que fazem da simples relação sujeito-objeto uma 'relação de múltiplas relações'. Essa relação de relações faz com que cada pesquisa seja uma síntese de múltiplas determinações, daí a dificuldade de tipificar a diversidade de maneiras, nuanças e estilos segundo os quais os sujeitos concretos abordam os objetos específicos, e de pretender explicar os métodos por si mesmos sem levar em conta os contextos teóricos e as condições histórico-sociais da produção da pesquisa. (GAMBOA, 1987, p. 74).

Por sua vez, o estudo de Lemgruber (1999) sobre a produção acadêmica brasileira em Ensino de Ciências Físicas e Biológicas detecta a presença expressiva de orientadores ligados ao Ensino de Física, sobretudo da USP. Este fator pode ser indicativo da existência de um coletivo de pesquisadores influenciando outras áreas do conhecimento.

Essa mesma característica é detectada por Fiorentini (1994) na área de Educação Matemática, que atribui a essa intersecção de áreas o fortalecimento da pesquisa e a criação de novas linhas de pesquisa. Nesse importante processo de interlocução entre pesquisadores, Fiorentini (1994), ao investigar o surgimento da Educação Matemática enquanto campo de pesquisa, aponta outro importante fator a contribuir para promover esse intercâmbio: as organizações científicas, seja na

forma de eventos específicos onde são socializados e analisados os trabalhos produzidos na área, seja através de publicações sistemáticas, fazendo circular no meio acadêmico o pensamento dos diversos pesquisadores e promovendo o debate. Em Delizoicov, D., Angotti; Pernambuco (2002), é possível localizar um levantamento da crescente e sistemática ocorrência, ao longo dos últimos anos, de eventos e publicações científicas nas diferentes áreas do Ensino de Ciências. Esse dado mostra o processo de desenvolvimento pelo qual passa a área e a importância da interação comunicativa que ocorre entre os pares. Desse modo, está na interlocução entre grupos de pesquisadores da mesma área ou áreas afins um novo elemento para uma análise epistemológica. Essa interlocução entre sujeitos e áreas do conhecimento em muito se aproxima do que Fleck (1986) denominou de circulação inter e intra-coletiva de pensamento.

Ao enfatizar esses três pontos extraídos das pesquisas que apresentei e tendo em vista a realização de estudo similar na área de Ensino de Biologia, meu objetivo é argumentar que esses elementos poderão ser explorados a partir da matriz epistemológica de Fleck (1986), utilizando especialmente as categorias analíticas "estilo de pensamento", "coletivo de pensamento" e "circulação inter e intra coletiva de pensamento". No próximo capítulo, no qual apresento o referencial teórico-metodológico adotado pelo presente estudo, essas categorias epistemológicas serão apontadas, bem como o uso que algumas pesquisas têm feito delas e de que forma se articulam com meu particular problema de investigação.

Conforme argumentei ao longo deste capítulo, as pesquisas de Gamboa (1987); Megid (1990); Fiorentini (1994); Pierson (1997); Megid (1999); Lemgruber (1999), ao estudar a produção acadêmica nas distintas áreas do conhecimento, caracterizam o contexto no qual as pesquisas que analisam surgiram e se desenvolveram, citando fatos ou eventos relevantes e o tipo de influência que exerceram. A identificação de tal contexto é de grande importância para a presente investigação, uma vez que, indiretamente, estas pesquisas também caracterizam o contexto no qual surgiram e se desenvolveram as pesquisas em Ensino de Biologia. A análise sobre a produção acadêmica em Ensino de Biologia levará em conta os aspectos apontados pelas pesquisas relatadas neste capítulo e as influências delas decorrentes.

2 A EPISTEMOLOGIA DE FLECK COMO INSTRUMENTAL PARA

ANÁLISE DA PRODUÇÃO ACADÊMICA EM ENSINO DE BIOLOGIA

Este capítulo tem por objetivo apresentar a teoria da ciência de Fleck (1986), a forma como esta tem subsidiado pesquisas e o modo como se articula com o problema desta investigação. O texto foi estruturado em quatro momentos: anuncia dados biográficos de Ludwik Fleck; aborda a teoria da ciência desenvolvida por esse epistemólogo, com destaque para as categorias analíticas "estilo de pensamento", "coletivo de pensamento" e "circulação inter e intracoletiva de idéias", preconizadas no estudo da produção acadêmica em Ensino de Biologia; explicita a utilização que algumas pesquisas nas áreas de Saúde e Educação em Ciências têm feito da matriz epistemológica fleckiana; delineia o modo como a presente investigação utilizará as categorias analíticas de Fleck para analisar a produção acadêmica em Ensino de Biologia.