• Nenhum resultado encontrado

3 CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA

3.3 INTERAÇÃO UNIVERSIDADE E EMPRESA

A interação universidade e empresa, embora seja muito debatida em meios científicos, políticos, econômicos e culturais, ainda não pode ser considerado assunto resolvido. O contexto atualmente existente no Brasil aponta para o fato de que ciência e pesquisa são feitas somente nas universidades e em alguns institutos isolados, elaboradas basicamente com financiamentos públicos. Não há uma participação maior das empresas nesse processo, com raras exceções, como a PETROBRÁS, uma das empresas líderes em produção de patentes no Brasil (TEIXEIRA; SIMÕES, 2006, GLANZEL; LETA; THIJS, 2006) que, como constatado neste estudo, também produz ciência, através da publicação de artigos.

Além disso, parece haver um hiato entre a formação de recursos humanos, função primordial da universidade, e o que as empresas necessitam, pois se sabe que pesquisadores não encontram espaço nas empresas, e sim, na própria universidade, onde poderão dar continuidade a suas pesquisas.

Dentro dessa discussão, encontra-se o papel da universidade no desenvolvimento socioeconômico do país. Na tentativa de auxiliar na construção de uma resposta a esta questão, encontram-se estudos como aquele realizado nos Estados Unidos, sob a coordenação e patrocínio do Banco de Boston, que identifica a importância do Massachusetts Institute of Technology (MIT), através do seu alunado e das suas pesquisas inovadoras, na economia do Estado de Massachusetts, naquele país e no exterior (FAVA-DE-MORAES, 2000). Este tipo de estudo torna-se fundamental para verificar o papel socioeconômico que uma universidade de renome oferece para a sociedade e para a nação. Entre os resultados, constatou-se que as empresas criadas por alunos ou docentes constituem, sozinhas, a 24ª economia mundial. São 4.000 empresas, com 1.1 milhão de empregados e US$ 232 bilhões de faturamento anual. Isto comprova o enorme efeito que uma grande universidade pode gerar, nos mais variados aspectos da economia de uma nação.

Outro detalhe apontado neste estudo é o fato de, nos EUA, embora a maior parte dos recursos à pesquisa sejam de origem governamental, as empresas estrangeiras também investem bilhões de dólares na criação de centros de pesquisa e desenvolvimento. Entre os motivos para este interesse das empresas encontram-se o acesso aos cientistas e à infra-estrutura universitária e dos centros de inovação. Ou seja, esta

[...] relação indústria/universidade é entendida como de vital importância para o êxito empresarial e com benefícios mútuos via patentes compartilhadas, que cresceram de 8% (até 1973) para 25% (até 1993), apesar de, com raríssimas exceções, o rendimento médio de licenciamentos para a universidade (5%) ser ainda muito baixo. (FAVA-DE-MORAES, 2000, p. 9).

Ainda em relação às empresas criadas pelos ex-alunos do MIT, a pesquisa aponta para o fato de elas se localizarem, preferencialmente, no entorno geográfico do MIT, ou próximas a universidades qualificadas, em outras regiões, demonstrando que a eficácia da inovação é tanto maior quanto menor é a distância do centro inovador:

Portanto, por inúmeras e óbvias razões, empresas dependentes da pesquisa e desenvolvimento associadas à inovação tecnológica não cometerão jamais a ingenuidade de interromper suas relações com excelentes universidades de pesquisa para cooperar, financiar e usufruir do avanço do conhecimento que terão “conseqüências” produtivas a médio e longo prazos. Ou seja, a universidade ainda é o centro principal de produção do conhecimento em todo o mundo, embora não detenha mais a sua exclusividade. (FAVA-DE-MORAES, 2000, p. 10).

Contrapondo esta idéia, Cruz (2003) afirma que, enquanto a missão primordial da empresa na sociedade é a produção e a geração direta de riqueza, a missão fundamental e singular da universidade é formar pessoal qualificado. Mansfield15 1

Ainda assim deve-se notar que a interação universidade-empresa é importante para a universidade na medida em que contribui para a melhor formação dos estudantes, e isto é razão suficiente para buscar a sua intensificação. Do outro lado, esta interação pode contribuir para levar a cultura de valorização do conhecimento para a empresa. Mas é essencial evitar a ilusão de que esta interação será a solução para os problemas de financiamento da universidade e de tecnologia da empresa. A verdade é que o principal mecanismo para a interação entre a universidade e a empresa é a (1996 apud Cruz, 2003), ao ser questionado sobre o papel da Universidade de Stanford no sucesso da Silicon Valley afirmou que o mito é que a tecnologia de Stanford foi o que criou o sucesso da Silicon Valley.

Neste sentido, um levantamento cobrindo 3.000 pequenas empresas no local encontrou apenas 20 companhias que usaram tecnologia vinda, direta ou indiretamente, de Stanford. A contribuição de Stanford para o Siliccon Valley, segundo o mesmo autor, foram estudantes talentosos e muito bem educados:

151MANSFIELD, E. Contributions of new technology to the economy. In: SMITH, B.; BARFIELD, C.

(eds.) Technology, R&D and the economy. Washington, DC: The Brookings Institution, [199?], p.

contratação dos profissionais formados nas universidades pelas empresas.

(CRUZ, 2003, p. 10).

Fracasso, Slongo e Nascimento (1990) abordam as dificuldades existentes no processo de interação universidade − empresa, devido, principalmente, às divergências de ambas as organizações no que diz respeito a objetivos, cultura e estruturas:

A universidade é uma organização que tem por objetivo a busca da disseminação do conhecimento, uma cultura com orientação temporal de longo prazo e uma estrutura complexa, povoada de órgãos colegiados que tornam demorado seu processo decisório. Por outro lado, o objetivo da empresa é a transformação do conhecimento em produto ou processo, gerando lucro, orientação temporal de curto prazo e estrutura mais hierarquizada, com o poder concentrado, facilitando o processo decisório.

(FRACASSO; SLONGO; NASCIMENTO, 1990, p.134).

Outro estudo que aborda os obstáculos à interação entre universidade e empresa é o de Albuquerque e Silva (2005), que discute os dados da pesquisa: “Pesquisa Industrial – Inovação Tecnológica 2000” (PINTEC), realizada pelo IBGE em 2002. Esta pesquisa forneceu dados que permitem uma focalização nas relações entre atividade inovativa, P&D e importância de universidades e institutos de pesquisa como fonte de informação para as atividades inovativas, estudo que teve como hipótese que o envolvimento de uma empresa com atividade interna de P&D amplia a importância das universidades como fonte de informação para suas atividades inovativas. Os autores discutem a questão de políticas públicas para o estabelecimento e manutenção de interações entre universidades e empresas.

Essas políticas podem ser pensadas de forma dupla: por um lado, partindo das empresas, estariam as políticas que estimulam o investimento em P&D pelas empresas (teriam o efeito de ampliar a importância atribuída às universidades); por outro lado, partindo das universidades, identificar empresas que mantêm algum relacionamento com este tipo de instituição e avaliar até onde é possível sustentar esse relacionamento sem um maior envolvimento das empresas com P&D interno.

Existem pensamentos de variadas vertentes na universidade em relação à aproximação da universidade com a indústria. A vertente que vê a aproximação com o setor produtivo como ameaça à tradição da universidade, enquanto instituição preservadora do ideal da ciência como um bem coletivo, não admite que a pesquisa acadêmica tenha influência externa, e sim que surja do próprio comportamento especulativo do pesquisador. Já a vertente que defende a articulação entre a universidade e o setor produtivo argumenta que, dessa forma, a universidade poderá alcançar a sua liberdade financeira (SOARES, 1998).

No Brasil, assim como na maioria dos países, a pesquisa científica concentra-se, principalmente, nas universidades públicas, então é pela atividade de extensão que a universidade tem a oportunidade de difundir parte do conhecimento acumulado para a capacitação tecnológica das empresas e de conhecer as necessidades da indústria, fator importante para assegurar a conectividade com as atividades de ensino e pesquisa (FUJINO, 2000; 2005).

A união de governo, universidade e empresa forma a Tríplice Hélice, termo cunhado por Leydesdorff e Etzkowitz (1998) para descrever a inter-relação e a cooperação entre universidade e empresa, em prol do desenvolvimento tecnológico nacional. Este novo modelo para ciência, chamado de novo modo de produção do conhecimento, de forma genérica, constitui um movimento internacional para compreensão das ciências e de seus contextos interno e externo. O nome teve sua origem em uma analogia à Hélice Dupla, usada em biologia molecular, por Watson e Crick (SANTOS e FRACASSO,161

A primeira conferência sobre a Tríplice Hélice ocorreu em janeiro de 1996, em Amsterdam, tendo como discussão principal o futuro da pesquisa na universidade e a emergência de um novo modo de produção e de disseminação do conhecimento. Na segunda conferência, em Purchase, New York, em 1998, os questionamentos levantados foram os seguintes: como o futuro da pesquisa relaciona-se com o programa da Tríplice Hélice? Por que algumas regiões e países com significantes recursos em pesquisa e desenvolvimento ficam para trás na criação de indústrias de alta tecnologia? Como melhor utilizar estes recursos para atualização e avanço?

2000, apud ICHIKAWA et al., 2004), para descrever a estrutura da molécula de DNA. Na molécula de DNA, a interação de diferentes pares de base química expressa diferentes características genéticas, e na relação Governo-Universidade-Indústria, os diferentes arranjos de três elementos resultam em diferentes formas de cooperação (LEYDESDORFF e ETZKOWITZ, 1998). A Hélice Tríplice parte da percepção de que mudanças na profundidade e no significado do papel do governo, das empresas e das universidades estão levando empresas, governos e universidades a interagirem e usarem a Ciência e a Tecnologia para produzirem riqueza e para manter ou ganhar competitividade em escala global (SANTOS e FRACASSO, 2000).

Como a perspectiva de rede da Tríplice Hélice relaciona-se com os materiais coletados

161SANTOS, Marli E. Ritter dos; FRACASSO, Edi M. Sabato’s Triangle and Triple Helix: expressions of the same concept? In: Third Triple Helix International Conference. Rio de Janeiro, 26-29 April 2000. Rio de Janeiro: Fundação COPPETEC, 2000. CD-ROM APUD Ichikawa et al., 2004

em estudos e práticas locais? Como podem estes estudos locais indicar um caminho teórico a ser seguido? (GALVÃO; BORGES, 2000). Em 2007, ocorreu a sétima conferência sobre este tema, em Singapura. Neste contexto, chamado de Segunda Revolução Acadêmica,171

Leydesdorff e Etzkowitz (1998) afirmam que a Tríplice Hélice pode ser compreendida por meio de três estágios distintos: no primeiro estágio, a Tríplice Hélice I, as três esferas (universidade, indústria e governo) são definidas institucionalmente. A interação entre elas ocorre por meio de relações industriais, transferência de tecnologia e contratos oficiais, amplamente disseminada em países desenvolvidos e em desenvolvimento. No segundo, a Tríplice Hélice II, as hélices são definidas como diferentes sistemas de comunicação, consistindo em operações de mercado, inovação tecnológica e controle de interfaces. As interfaces geram novas formas de comunicação ligadas à transferência de tecnologia e apoiadas em uma legislação sobre patentes e constitui-se em uma esfera intermediária. No terceiro e último estágio, a Tríplice Hélice III, as esferas institucionais da universidade, indústria e governo, em acréscimo às funções tradicionais, assumem papéis uns dos outros. A universidade passa a ter um desempenho quase governamental, como, por exemplo, organizadora da inovação tecnológica local ou regional. Neste conceito, o modelo de Tríplice Hélice é recursivo, ou seja, as interseções entre as esferas institucionais interferem na teoria e na prática. Ao mesmo tempo em que novos papéis são assumidos, alguns papéis são reforçados. Há uma troca de papéis, mas as instituições não desaparecem. Assim, a Tríplice além das atividades de ensino e pesquisa, as universidades incorporam uma terceira atividade: a atuação em desenvolvimento econômico local e regional, quando a universidade interage no seu entorno, na comunidade que está à sua volta.

Hélice modela uma nova forma de infra-estrutura de conhecimento, diferindo do modelo clássico de ciência, que é estável.

Alguns pontos importantes a serem destacados nesta teoria são: a mudança nas formas de avaliação, pois a ciência passa a ser avaliada não apenas como uma questão de verdade, mas também de uma perspectiva de utilização; as interfaces são fundamentais para que não haja distúrbios na colaboração entre os parceiros (universidade-indústria-governo);as hélices são constantemente recombinadas possibilitando distintas construções de trajetórias de inovação. Não há um caminho único a ser adotado, pois diferentes contextos pedem diferentes

171 Conforme WEBSTER, A.J. e ETZKOWITZ, H. Academic-industry relations: the second academic revolution? Londres, Science Policy Support Group, 1991, 31p. (SPSG concept paper nº12) APUD BRISOLLA et al (1997), a primeira Revolução Acadêmica ocorreu no século XIX quando à função

relações entre estas instituições. Assim, a tese da Tríplice Hélice traduz-se pela inovação e pelo modo de produção em rede, incluindo relações incertas e uma pluralidade de ambientes nos estudos da ciência.

Cruz (2003) afirma que a capacidade de uma nação em gerar conhecimento e convertê-lo em riqueza e desenvolvimento social depende da ação de alguns agentes institucionais geradores e aplicadores de conhecimento. Os principais agentes que compõem um sistema nacional de geração e apropriação de conhecimento são as empresas, a universidade e o governo. Porém, no Brasil,

[...] o debate em torno da importância das atividades de pesquisa científica e tecnológica tem, historicamente, ficado restrito ao ambiente acadêmico. Este fato, por si só, já é um indicador da principal distorção que os dados abaixo evidenciam: em nosso país a quase totalidade da atividade de pesquisa e desenvolvimento ocorre em ambiente acadêmico ou instituições governamentais. Ao focalizar-se a atenção quase que exclusivamente no componente acadêmico do sistema, deixa-se de lado aquele que é o componente capaz de transformar ciência em riqueza − o setor empresarial . (CRUZ, 2003, p. 5).

Em países tecnologicamente avançados, mais da metade dos cientistas e engenheiros de pesquisa trabalham nas empresas, enquanto no Brasil esta proporção não ultrapassa 10%.

Desta forma, não ocorre um fluxo dos recém-doutores, formados pelas universidades, para as empresas, ficando como única opção permanecerem nas universidades, com bolsas das agências de financiamento (FERREIRA, 2002). Esta discussão também é realizada por Cruz (2003), que, ao estabelecer uma comparação com os EUA, cita que, naquele país, a maioria dos cientistas e engenheiros trabalha para empresas, atingindo a cifra de 79%, e, em universidades, apenas 13%, situação bem diversa da realidade brasileira.

Esse baixo número de cientistas e engenheiros em empresas, no Brasil, acarreta uma série de dificuldades ao desenvolvimento econômico brasileiro, como, por exemplo, a baixa competitividade tecnológica da empresa brasileira e a reduzida capacidade do país em transformar ciência em tecnologia e em riqueza. Além disso, a falta de pesquisadores altamente qualificados nas empresas resulta na ausência de desenvolvimento de novas tecnologias e de inovação de produtos, afetando a competitividade e crescimento do país.

Ferreira (2002) aponta que o Brasil, apesar de possuir uma expressiva produção científica, não está conseguindo transformar esse conhecimento científico gerado em inovação tecnológica, capaz de alavancar o seu desenvolvimento.

de ensino foi acrescida a atividade de pesquisa. O modelo de universidade que representa o

Além disso, no Brasil, o setor produtor de conhecimento é majoritariamente representado por instituições públicas, enquanto o setor usuário, que, através do processo de inovação, internaliza conhecimentos e gera bens e serviços, é quase sempre privado. Frente ao problema representado pelo baixo grau de apropriação do conhecimento para promover a inovação, muitos esforços precisam ser feitos para aumentar a conexão entre os dois setores (CHIARELLO, 2000).

Embora o entendimento desta conexão entre universidade e setor produtivo seja necessário, observa-se que a elucidação das diferenças entre os produtos resultantes da atividade científica e tecnológica é primordial para uma compreensão da possibilidade de interação entre ciência e tecnologia, proposta deste estudo. Assim, após a discussão do gap existente entre produção científica e tecnológica e as dificuldades existentes na interação entre universidade e empresa, cabe aprofundar sobre a patente e o artigo científico, suas semelhanças e diferenças, no âmbito do processo de construção e desenvolvimento científico e tecnológico.