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3 CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA

3.2 ABORDAGENS DA SOCIOLOGIA DA CIÊNCIA E DO CONHECIMENTO

3.2.2 Novas Abordagens da Sociologia da Ciência

Solla Price (1976) destaca a mudança na forma de trabalhar e de fazer ciência do cientista, antes realizada de forma individual, agora em grupos, o que marcou a transição da Pequena Ciência para a Grande Ciência. Em sua obra Little Science, Big Science, o autor lança a pergunta: “[...] até que ponto é real a imagem do Pequeno Cientista como o gênio solitário e cabeludo, trabalhando no sótão ou no porão, menosprezado como inconformista pela sociedade, vivendo quase na pobreza, motivado por uma chama interior que o devora?”

(SOLLA PRICE, 1976, p.2). Assim, o autor, ainda em 196361

Kuhn (1996)7

, já introduz o início de uma nova forma de trabalhar do pesquisador, que hoje encontra-se consolidada: a produção científica cada vez mais é realizada em grupos, separados geograficamente, mas em rede, unidos a partir das tecnologias da informação, comportamento comum atualmente em diversas áreas. O autor também inovou ao se preocupar com o tamanho e ritmo da ciência, dando origem a diversos estudos posteriores, relacionados à cientometria, hoje uma área ainda mais valorizada. Suas investigações sociológicas da ciência lhe permitiram amplo reconhecimento.

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Mesmo que na teoria de Kuhn (1996) sobre a organização e o desenvolvimento da ciência, a adesão à normas e valores não assuma a centralidade e a ênfase com que é abordada na obra de Merton, esta adesão adquire importância através das próprias definições pelas quais , um dos principais teóricos dessa nova abordagem, apresenta uma proximidade com a obra de Merton. Para Kuhn, o conceito de ciência normal define-se justamente pela adesão e compromisso a um conjunto de regras, crenças e valores que organizam a prática científica. Ou seja, a idéia de uma atividade rotineira firmada pelo acordo comum quanto às regras do jogo está presente nas teorias dos dois autores, regras estas fundamentais para a realização da prática científica (KROPF; LIMA, 1999).

61 As citações de Solla Price utilizadas neste texto são uma tradução de sua obra original de 1963.

72 As citações de Kuhn utilizadas neste texto são uma tradução de sua obra original de 1962.

Kuhn articula seus dois principais conceitos: paradigma e ciência normal. O conceito de paradigma foi usado para designar toda a constelação de crenças, valores e técnicas partilhadas pelos membros de uma comunidade determinada, ou seja, o conceito adquire assim um sentido institucional, diretamente referido à noção de uma comunidade que pratica a ciência organizada em certos moldes, aproximando-se da teoria de Merton. Já o conceito de ciência normal refere-se aos períodos entre os momentos de quebra de paradigmas, quando os cientistas estão envolvidos com a resolução cotidiana dos “quebra-cabeças” da ciência.

Nesses períodos, a dinâmica da comunidade se caracteriza por: grupos de cientistas que compartilham de certa tradição de fazer ciência na sua especialidade; socializados nos mesmos valores e regras, ou seja, no paradigma; e reconhecido como responsável pela reprodução de um modo de praticar ciência, incluindo o treinamento dos que irão ser admitidos nessa comunidade e que passarão a compartir dos padrões constitutivos da mesma.

(SANTOS JÚNIOR, 2000, p. 21).

Bourdieu (1983) elaborou o conceito de campo científico em oposição ao conceito de comunidade científica de Kuhn (1996), com o objetivo de compreender e explicar a prática científica. Para ele, a autonomia da comunidade científica e da ciência, como requisito para a eficiência do trabalho científico, deveria ser entendida a partir da natureza da sociedade em que ela se insere. O autor define seu conceito:

Enquanto sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (em batalhas anteriores), o campo científico é o lócus de uma competição no qual está em jogo especificamente o monopólio da competência científica, no sentido da capacidade – reconhecida socialmente – de um agente falar e agir legitimamente em assuntos científicos. (BOURDIEU, 1983, p. 122-123).

Este campo científico é um campo de lutas, no qual os cientistas buscam o monopólio da autoridade e competência científica. O campo científico instaura-se, portanto, como um conflito pelo crédito científico. A especificidade do campo científico é que os produtores de conhecimento têm como consumidores/clientes os seus próprios pares/concorrentes. Sua autonomia, no entanto, é relativa, definida pela relação que mantém com os demais campos sociais e sendo, por isso, determinada estruturalmente pela sociedade em que está inserida.

(SANTOS JÚNIOR, 2000).

Outro aspecto interessante da comparação da teoria de Bourdieu com a teoria de Kuhn, é que ambos operam as suas análises ao nível macrossocial, em que os agentes individuais, apesar de suas estratégias racionais e maximizadoras, têm suas oportunidades e decisões determinadas ou anuladas pela estrutura do campo, que reproduz a sociedade. Assim,

Bourdieu justifica que a ação está subordinada à estrutura. Kuhn diria que a ação/resolução de quebra-cabeças estaria, ou não, adequada às normas, ao paradigma. Desta forma, como afirma Hochman, (1994, p. 211):

Ao procurar romper com a visão comunitária de Kuhn, que é criticado pelo silêncio em relação aos interesses, e instaurando uma visão mercantil da produção científica, Bourdieu pretende reintroduzir a sociedade capitalista de classes na análise da dinâmica científica. A comunidade está longe de ser neutra, cooperativa, indiferenciada, desinteressada e universalista, o `sujeito das práticas` impondo e inculcando a todos os membros seu sistema de valores e regras. Ao contrário, é o lugar da competição, da desigualdade, com indivíduos racionais e maximizadores, e mais, reproduzindo o diferencial de poder que existe na sociedade.

Para Knorr-Cetina (198181

81 KNORR-CETINA, K. D. The manufacture of Knowledge. An essay on the constructivist and contextual nature of science. Permanon Press: Oxford, 1981.

apud HOCHMAN, 1994), todos os modelos de economia capitalista descritivos da comunidade científica estão fundados em uma concepção de homem econômico que por qualquer razão, é racional, calculador e maximizador. Entretanto, esse homo economicus não é observado nos trabalhos sobre o lab life (estudos sobre a vida de laboratório). E mais, para a autora, esses modelos econômicos não foram levados aos seus limites de análise com a inclusão do crescente papel do Estado, da distribuição de renda, da política científica, etc. Enfim, não introduzem a complexidade da economia moderna.

Conforme Hochman (1994), a crítica que parece ser a mais relevante na proposta de Knorr-Cetina é a acusação de que a utilização de modelos econômicos na ciência (aqui especificamente a teoria de Bourdieu) promove uma visão internalista da mesma, em uma perspectiva que limita a ciência aos cientistas, pois a comunidade científica foi transformada em mercado, e os cientistas, antes colegas, agora produtores e clientes, sendo integrados não por normas, mas pela competição. Embora os cientistas tenham sido transformados em capitalistas, eles continuam sendo tratados isoladamente num sistema auto-contido e quase independente, formado por pequenos capitalistas ou corporações que se sustentariam explorando uns aos outros. Como diz Hochman (1994, p. 225):

Seria um “capitalismo comunitário” que causaria risos aos teóricos da economia, porque aqueles que fornecem os recursos iniciais e permanentes, que permitem a acumulação e reprodução do capital simbólico, estão ausentes do modelo de mercado científico. Este modelo continua a circunscrever a análise aos cientistas, reproduzindo de um modo mais sofisticado a comunidade científica fechada e auto-referenciada que procurou criticar.

Embora tenham sofrido críticas, estas teorias serviram de base para o surgimento de uma nova teoria, que surgiu principalmente a partir da tese de Kuhn (1996). A Sociologia do Conhecimento, a Sociologia da Ciência e diferentes correntes teóricas oriundas das ciências sociais passam a ser etiquetadas sob uma mesma denominação mais ampla, renovada e, por que não dizer, mais arrojada: a Sociologia do Conhecimento Científico (RODRIGUES JÚNIOR, 2002). O autor aponta que a Sociologia do Conhecimento Científico passou, então, a estudar, por um lado, os aspectos estruturais que compreendem as mútuas influências entre fatores sociais e cognitivos, no âmbito das organizações científicas e, por outro lado, questões estritamente atinentes à gênese e à validação do conhecimento científico.

Concluindo, Ben-David (1975), há mais de três décadas, já fazia críticas aos estudos sobre a sociologia da ciência, pois dizia que através deles foi possível identificar a ciência, descrever e medir o seu crescimento, além de identificar as organizações e instituições que tinham efeito direto sobre a própria ciência, mas estes estudos não conseguiram identificar os efeitos sociais da ciência. Os efeitos sociais da ciência são tão numerosos e difusos que é praticamente impossível separá-los um do outro. Todas as instituições das sociedades modernas têm sido profundamente afetadas pela ciência e pelo pensamento científico por tão longo tempo que é extremamente difícil separar o que é e o que não é influenciado pela ciência. Conseqüentemente, afirma ele, os sociólogos tentaram resolver o que era possível e deixaram à parte o que parecia ser impossível de ser feito.

A seguir, apresenta-se a Sociologia do Conhecimento Científico, com a abordagem construcionista, cujos objetivos e características serão apresentados e discutidos.