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Quando analisamos a Constituição de 1988, pudemos constatar que a decisão acerca da supralegalidade dos tratados internacionais de Direitos Humanos permitiu ao STF inclui- los como relevante fator para a interpretação da Constituição que, apesar de superior hierarquicamente, pode ter seu conteúdo construído com base nas prescrições e interpretações internacionais.

Para fazer o inverso, ou seja, para explicitar as formas com que a CtIDH, ainda que se autoproclame intérprete final da CADH, interpreta e reconhece as normas constitucionais dos países do SIDH para construir os sentidos e conteúdos dos direitos humanos, será necessário analisar as vias interpretativas que o discurso constitucional da corte concede à interação entre os ordenamentos, tal qual a supralegalidade no caso brasileiro.

Para o leitor familiarizado com a jurisprudência da CtIDH, demonstrar que a corte de San José utiliza normas constitucionais americanas e suas interpretações jurisprudenciais parece tarefa impossível, uma vez que a utilização de decisões judiciais ocorre, geralmente, para “anulá-las”, em decorrência de sua incompatibilidade convencional277. Diferentemente dos precedentes oriundos do SEDH, mais particularmente, da CtEDH278, a CtIDH raramente faz menções ao direito constitucional americano para fundamentar suas sentenças. Como podemos, então, descrever a interação entre os ordenamentos dentro da perspectiva da proteção multinível, capaz de demonstrar o pluralismo constitucional?

A resposta é longa e se confunde com o desenvolvimento institucional do SIDH. A abordagem, no entanto, focará na atuação da CtIDH.

277 Cesti Hurtado v. Peru, § 08; Cantoral Benevides v. Peru, § 77-78; Tristán Donoso v Panama, § 19. Os exemplos foram retirados de Pasqualucci (2013, p. 221-222).

278 Burgorgue-Larsen e Cespedes (2013, p. 189), analisando os pronunciamentos da CtIDH até 2012, identificaram que a CtIDH citou a CtEDH 159 vezes em suas decisões, dentre as quais, 11 foram em Opiniões Consultivas.

O SIDH passou, ao longo dos anos, por diversas fases em seu percurso institucional que podem explicar as motivações e a suposta ausência de interações entre ordenamentos nos seus primeiros anos279.

Desde sua estruturação orgânica atual, no final da década de 1970, o SIDH tem diante de si um continente americano marcado por regimes ditatoriais ou democracias frágeis, situações que afetavam a prestação judicial e a garantia de direitos fundamentais nos planos internos. Os órgãos subsidiários de proteção regional de direitos humanos, por essa razão, durante algum tempo, foram a principal válvula de escape para a denúncia das precárias condições jurídicas existentes nos países da região. Seguindo a periodização proposta por Jorge Contesse (2011, p. 164-170), o desenvolvimento do sistema se estende por três grandes períodos sobrepostos e inter-relacionados280.

O primeiro, que compreende o período de entrada em vigor da CADH (1978) até 1990281, representa a época em que inúmeros países do continente americano praticavam violações sistemáticas e em massa de direitos humanos como parte da política estatal282. A demora da CIDH em apresentar casos contenciosos perante a CtIDH após sua instauração, somada à incerteza quanto à atitude de um Estado em face de uma possível condenação

279 Apesar da similaridade institucional (quanto aos órgãos, até a entrada em vigor do Protocolo nº 11) e normativa (quanto aos textos base) entre o sistema regional europeu e americano, a maior diferença entre eles reside nos seus desenvolvimentos diferenciados, em função do contexto político dos governos autoritários e militares dos países que faziam parte da CADH e que, inicialmente, eram raros no Conselho da Europa nos seus anos de consolidação (ALSTON; GOODMAN, 2013, p. 980). No mesmo sentido, cf. Pasqualucci (2013, p. 04). Alexandra Huneeus (2011. p. 112-113) afirma que, em função do contexto político diferenciado de seu desenvolvimento, a jurisprudência e o procedimento da CtIDH foram diferentes da CtEDH. Enquanto a CtEDH supervisionava, na ocasião de sua criação, um pequeno grupo de democracias funcionais e comprometidas com o Estado de Direito, a CtIDH iniciou suas atividades lidando com crimes em massa sistemáticos patrocinados pelo próprio Estado. Além de desenvolver uma pioneira jurisprudência acerca do desaparecimento forçado e leis de anistia, o contexto diferenciado americano fez com que a CtIDH desenvolvesse medidas de reparação únicas e diferenciadas do sistema europeu, que extrapolavam a mera reparação pecuniária, cuja natureza poderia ser considerada insuficiente para reparar, prevenir e garantir a não repetição daquelas espécies de violações. 280 Claudio Grossman (2009, p. 50-51), igualmente, caracteriza a evolução do SIDH em três grandes fases inter- relacionadas e sobrepostas. No entanto, apesar da aproximação de conteúdo com a de Contesse, a caracterização de Grossman está focada em três decisões consideradas pelo autor como paradigmáticas para o SIDH. Para Grossman, a primeira fase inicia-se com o surgimento do sistema e finda em 1980, época em que o sistema lidava com as consequências das violações em massa oriundas de regimes ditatoriais (o caso paradigmático é

Velásquez Rodríguez). A segunda fase compreende o ressurgimento das democracias nas Américas e a rejeição do legado ditatorial, ocasião em que o sistema ocupou-se do desenvolvimento das obrigações de processar e punir os responsáveis pelas violações em massa de direitos humanos da primeira fase (Barrios Altos). A última e atual fase expõe o SIDH aos problemas de desigualdade e exclusão de grupos vulneráveis (mulheres, indígenas, crianças etc.), que podem por em risco os avanços alcançados durante o segundo período (Mayagna (Sumo)

Awas Tingni).

281 O período marca o ano em que todos os governos dos países que compunham a OEA estavam sob o comando de civis (GONZÁLEZ, 2009, p.113).

282 Para utilizar a noção desenvolvida por Medina Quiroga (2009, p. 21), violações maciças e sistemáticas são aquelas caracterizadas por servir de instrumental para a realização e sucesso de determinada política governamental, perpetradas em tal quantidade e de tal maneira a criar uma situação em que os direitos à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal da população de um Estado, como um todo ou de um ou mais setores, são continuamente violados ou ameaçados.

judicial e a natureza sistemática das violações, cuja solução imediata não adviria de uma sentença judicial (MEDINA QUIROGA, 2009, p. 21), foram fatores que estimularam a corte à desenvolver importantes interpretações da CADH por meio de sua competência consultiva (GONZÁLEZ, 2009, p. 112)283.

As referidas demandas, que dificilmente seriam solucionadas propriamente no plano interno, foram levadas aos órgãos do SIDH284. Nesse período, os poucos casos contenciosos que chegavam à corte e a parca jurisprudência do sistema estavam focados em situações de desaparecimentos forçados, execuções extrajudiciais, penas de morte, conflitos armados, direitos de detentos e à garantia do devido processo legal, os quais podem ser paradigmaticamente representados pelos casos hondurenhos (Velasquez Rodriguez, Fairen Garbi e Solis Corrales e Godinez Cruz). A ausência de respostas devidas e efetivas por parte dos Estados acarretava, invariavelmente, em sua condenação a reparar as vítimas de violações em massa. O papel do sistema foi, portanto, o de último recurso de justiça para as vítimas daquelas violações, desamparadas nos sistemas internos (ABRAMOVICH, 2009, p. 09).

O período seguinte (1990-1995) caracteriza-se pela progressiva redemocratização dos países, principalmente, da América-latina, que anteriormente estavam sob o jugo de governos militares. Ainda que a pauta da corte estivesse substancialmente ocupada com os tipos de casos originados nos períodos de exceção indicados no parágrafo anterior, o sistema começa a abrir-se para demandas de grupos específicos politicamente minoritários, como as mulheres, as crianças e os indígenas (GONZÁLEZ, 2009, p. 122). Na medida em que os Estados vão deixando para trás suas características autoritárias, o sistema passa a desempenhar o papel de auxiliar do robustecimento dos regimes democráticos recém-instalados (direito à justiça, à verdade, à reparação de graves violações em massa e sistemáticas, invalidação de leis de anistia, invalidação de tribunais militares para julgar civis e casos de direitos humanos, proteção do habeas corpus e às garantias processuais). A atuação passa a ser de participação conjunta, e não adversarial. Como afirma Víctor Abramovich (2009, p. 10), a preocupação do

283 Considerando que a primeira decisão de mérito da corte ocorreu em julho de 1988, a CtIDH editou 43% (09) de suas opiniões consultivas antes de 1989. 21 opiniões consultivas foram exaradas até meados de 2015.

284 Nancy Thede e Hughes Brisson (2011, p. 27) apontam o perfil dos candidatos indicados por governantes democraticamente eleitos para ocupar cargos nos órgãos do sistema como um dos fatores do desenvolvimento institucional desfrutado a partir da década de 1990. Atualmente, muitas críticas são feitas ao processo de seleção dos juízes que compõem a CtIDH. São citados desde problemas quanto à qualidade dos indicados (PASQUALUCCI, 2013, p. 31), como críticas quanto à sub-representação de mulheres na CtIDH (GROSSMAN, 2012, p. 654-659).

sistema no período era estabelecer princípios capazes de influenciar a qualidade dos processos democráticos dos países285.

O terceiro e último período (1996-2001) está caracterizado pelos debates acerca de alterações procedimentais do sistema e a um desenvolvimento substantivo da jurisprudência do sistema para outros temas antes inexplorados, alavancados pela estabilidade e fortalecimento dos regimes democráticos americanos. A estabilidade política e democrática no continente abriu espaço para novas interações entre o sistema e os Estados (maior uso de soluções amistosas) e dos atores da sociedade civil com o sistema, que trouxeram casos aos órgãos do SIDH que envolviam demandas que não floresciam através da linguagem dos direitos humanos em contextos autoritários (liberdade de expressão em face de autoridades públicas, direito à identidade, direitos reprodutivos, direitos relacionados à igualdade de orientação sexual etc.)286.

O último período foi sedimentado com a Carta democrática da OEA de 2001, que solidificou a importância da democracia representativa no continente para a estabilidade, paz e o desenvolvimento da região. Ao longo dos arts. 07 a 09, a carta estipula a interconexão entre direitos humanos e democracia, enfatizando o compromisso dos Estados de fortalecer o SIDH, considerado como importante via para consolidação da democracia287.

As violações de direitos em massa e sistemáticas que a corte teve de lidar no primeiro período referenciado estavam ligadas aos padrões considerados básicos e elementares para a defesa de Direitos Humanos, como a dignidade, vida e liberdade de locomoção. Direitos que, mesmo dentro de uma estrutura constitucional nacional em períodos de normalidade institucional, seriam garantidos aos indivíduos288. Entretanto, a conjuntura autoritária dos países que ratificaram a CADH inibia, à época, a CtIDH de citar decisões judiciais internas ou mesmo Constituições internas, porquanto o material poderia ser, ele próprio, o objeto de violação de direitos humanos. Ainda que guarde desconfiança quanto à referenciada estratégia

285 Para argumento similar acerca da preocupação com a qualidade da democracia dos países do sistema, cf. Nancy Thede e Hughes Brisson (2011, p. 28).

286 Abramovich (2009, p. 11), na linha do exposto, confirma que “no novo cenário político regional, além de uma mudança de enfoque, é possível identificar também uma variação na agenda”.

287 Em 2009, Honduras foi suspensa da OEA, em função da expulsão de Manuel Zelaya da presidência do país por meio de um golpe militar que o exilou na Costa Rica, o que foi seguido de posterior remoção pelo Congresso, sem que houvesse um processo constitucional específico com ampla defesa e contraditório. O país foi readmitido em 2011, com o retorno do presidente.

288 Burgorgue-Larsen (2011, p. 618-619) explica a ausência de uma maior e mais substancial jurisprudência acerca de direitos sociais na CtIDH com base em dois fatores, um deles era o político. Segundo a autora, o fator político pode ser explicado pela pauta da corte ainda se ocupar das graves e maciças violações de direitos humanos disseminados por regimes autoritários que ocorreram no continente durante os anos 1970. Não por outra razão, os principais direitos violados foram os arts. 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal) e 7 (direito à liberdade pessoal).

interpretativa utilizada pela corte, Neuman (2008, p. 101-102) lembra que, em seus primeiros anos, a corte olhou para fora do sistema americano e buscou o Europeu e o da ONU como pontos de referência interpretativa da CADH289, em função das situações políticas e contextuais das Américas (pobreza, democracia frágeis, sociedades divididas, cortes nacionais frágeis e conflitos internos).

Pensemos no primeiro período de desenvolvimento do sistema: como poderia a CtIDH citar uma decisão de um tribunal constitucional cujo governo autocrático interferia na independência judicial e cuja política governamental caracterizava-se pela prática de tortura, desaparecimentos forçados e censura, como o Chile, o Peru e a Argentina290? A natureza das violações de direitos humanos e a conjuntura política e social, especialmente, dos países das Américas do sul e central, podem explicar porque a CtIDH evitou apontar como fontes de interpretação da CADH, as normas constitucionais dos países que a ratificaram nos dois primeiros períodos.

O terceiro período remanescente demonstra o surgimento de demandas diversas em função da instauração e posterior estabilidade dos regimes democráticos na região e do reconhecimento, por parte dos atores sociais, do âmbito regional como respeitável via alternativa de garantia de direitos humanos. O primeiro fator, a democratização constitucional das Américas latina e central, influencia a alteração na abordagem dos casos pela Corte, que, ao menos nos casos em que precisava expandir a interpretação da CADH para abarcar situações que se distanciavam das violações referentes à atuação de governos autoritários, passou a utilizar os direitos convencionais com base nas normas e interpretações internas291.

O exemplo emblemático ocorre no caso da Comunidade (Mayagna) Awas Tingni v. Nicaragua (2001)292. Além de afirmar que os tratados internacionais de direitos humanos precisam ser interpretados de acordo com as perspectivas políticas e sociais atuais, de maneira evolutiva, a corte, interpretando o art. 29, b, da CADH, declarou que a referida norma

289 O que indica que as interpretações da CtIDH não foram “inventadas” ou advieram de algum conjunto de direitos naturais. Ponto que será retomado posteriormente.

290 González (2009, p. 106-107) explica que a contraditória edição de um tratado de direitos humanos no âmbito da OEA em uma época (final da década de 1960) em que inúmeros países membros da organização eram governados por regimes autoritários pode ser explicada por dois fatores, sendo o último mais importante para o reforço do argumento do parágrafo acima: i) comprometimento retórico dos países, o que explica a demora na entrada em vigor do tratado, que aguardou e coincidiu com a transição democrática de muitos países (foi o caso do Brasil); e ii) a crença de que as provisões da CADH seriam cláusulas não operativas, da mesma forma que as declarações de direitos fundamentais presentes nas Constituições nacionais. Se as cortes constitucionais não obtinham sucesso na defesa dos direitos fundamentais, qual a preocupação com uma declaração internacional? 291 Pasqualucci (2013, p. 13-14) defende posição semelhante.

292 Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 31 de agosto de 2001. Serie C No. 79.

permitia a utilização de normas internas como instrumentos interpretativos dos direitos da convenção, pois a CADH impõe a não restrição dos direitos internamente garantidos.

A corte, antes de analisar se houve violação do art. 25, da CADH, considerou importante aferir se no ordenamento interno da Nicarágua existia procedimento de titulação de terras que fosse eficaz para proteger os direitos dos indígenas293. Para afirmar a existência de um direito à propriedade comunal (que ensejaria a necessidade de demarcações em face da ausência de títulos reais de propriedade), a corte analisou os arts. 5, 89 e 180, da Constituição da Nicarágua, bem como as leis internas 14/1986 e 28/1987. O conjunto normativo, em suma, reconhecia e protegia o direito à propriedade comunal indígena294. Não obstante a expressa previsão normativa interna, a corte decidiu que o Estado não estabeleceu mecanismos eficazes para a demarcação e delimitação das terras indígenas295.

Em seguida, analisando o direito à propriedade previsto na CADH, a CtIDH afirmou que a ideia de “bens” presente no texto do art. 21 incluiria coisas materiais e imateriais que se agregam ao patrimônio de uma pessoa e são suscetíveis de serem valorados. A noção de bens foi preferida em detrimento da construção civil tradicional de propriedade privada nos trabalhos preparatórios da CADH296. Na conclusão de seu raciocínio, e evocando a interpretação evolutiva da CADH297, a CtIDH afirmou que o art. 29, b, não permite uma interpretação que limite (ou restrinja) os direitos previstos no direito interno298e considerou que o artigo 21 da Convenção protegeria o direito à propriedade em um sentido que inclui, entre outros, os direitos dos membros das comunidades indígenas sob o marco da propriedade comunal, que também é reconhecido na Constituição da Nicarágua299.

Burgorgue-Larsen (2011, p. 510-511), ao comentar o caso, afirma que a fórmula da não restrição do direito interno presente no art. 29, b, e a interpretação evolutiva foram utilizadas para construir a noção de propriedade comunal sem o recurso ao direito internacional, fonte amplamente utilizada pela CtIDH, e possibilitou à corte interpretar a CADH evolutivamente sem se afastar dela.

293 Idem, § 115. 294 Idem, § 122. 295 Idem, § 137. 296 Idem, §§ 143-144. 297 Idem, § 146. 298 Idem, §§ 147-148.

299 Idem, § 148. Apesar de não estar presente no voto concorrente conjunto dos juízes Cançado Trindade, Pacheco Gómez e Abreu Burelli, a interpretação de que o direito à propriedade comunal já estava previsto e garantido nas normas constitucionais do continente americano foi ressaltada nos votos concorrentes dos juízes Hernán Salgado Pesantes (§ 01) e Sergio García Ramírez (§ 10), o último acrescentou, inclusive, que, à luz do art. 29, b, o direito à propriedade comunal deve ser reconhecido na hora de interpretar e aplicar a CADH e, apesar de citar extensa legislação internacional, sustenta que as mesmas respaldam o direito nacional que o previu anteriormente (§ 12).

Portanto, em um caso delicado para o sistema (direito de propriedade de comunidades indígenas), a CtIDH construiu a ideia de propriedade comunal com base no direito constitucional nicaraguense300.

A ideia de que a CADH foi interpretada de acordo com o direito interno ganha força quando Burgorgue-Larsen (2011, p. 512) e Pasqualucci (2009, p. 66) questionavam se a construção interpretativa da propriedade comunal atribuída ao art. 21, da CADH dependeria da previsão jurídica interna ou da ratificação de outros tratados internacionais por parte do Estado para ter efeito. Nos casos julgados pela CtIDH de 2010 até 2014 relativos ao tema (e não abrangidos pelas pesquisas das autoras citadas), nenhum dos países requeridos se enquadrava nas seguintes categorias: a) omissão de previsão constitucional ou legislativa do direito à propriedade comunal à comunidades indígenas ou populações tradicionais; e/ou b) ausência de ratificação dos principais instrumentos internacionais sobre o tema (OIT 169 e/ou o PIDESC)301.

Outro caso em que a proteção do direito no plano nacional foi determinante para a interpretação da CADH foi o caso dos Cinco Pensionistas302. Sem adentrarmos na problemática acerca da proteção de direitos sociais no âmbito da CADH e o alcance do art. 26, a tradicional abordagem da corte de proteger direitos que podem ser considerados como sociais através dos direitos civis se fez presente no caso citado303, mesmo que a CtIDH tenha afirmado que, no caso, não tenha havido violação do art. 26304, ao invocar a garantia do pagamento das pensões pela via do direito patrimonial adquirido.

300 A CtIDH, ao analisar o direito político de comunidades indígenas na Nicaráugua, realizou o mesmo iter interpretativo para estabelecer que o Estado violou direitos constitucionalmente assegurados (Caso Yatama Vs. Nicaragua. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 23 de junio de 2005. Serie C No. 127, §§ 203 - 205).

301 Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek. Vs. Paraguay. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24 de agosto de 2010 Serie C No. 214, §§ 88-89; Caso Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku Vs. Ecuador. Fondo y reparaciones. Sentencia de 27 de junio de 2012. Serie C No. 245, § 149 e 162-163; Caso de las Comunidades Afrodescendientes Desplazadas de la Cuenca del Río Cacarica (Operación Génesis) Vs. Colombia. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 20 de noviembre de 2013. Serie C No. 270, § 347. Antkowiak (2013, p. 160) defende que a preocupação das autoras pode ter sido sanada no caso Saramaka v. Suriname (2008), ocasião em que a CtIDH reforçou o art. 21 da CADH como a fonte dos direitos comunitarios. 302 Caso "Cinco Pensionistas" Vs. Perú. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 28 de febrero de 2003. Serie C No. 98, § 101-103.

303 Sobre o tema, cf. Terezo (2014, p. 258).

304 Idem, § § 147-148. A decisão baseou-se na criticada posição da corte de considerar que a dimensão coletiva dos direitos sociais apenas poderia ser compreendida de maneira a abarcar toda a população de um país, em decorrência de um critério de equidade social, e não conforme o caso de um grupo específico de pessoas, como os pensionistas. Para críticas da posição da CtIDH no caso, cf. Rossi e Abramovich (2007, p. 44-46). A posição da corte fica mais clara e refinada no julgamento do Caso Acevedo Buendía y otros (“Cesantes y Jubilados de la Contraloría”) Vs. Perú. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 1 de julio de 2009 Serie C No. 198. Em circunstâncias fáticas quase idênticas às do caso dos pensionistas, a CtIDH, além de afirmar que é competente para analisar possíveis violações que tenham como objeto o art. 26 (§§ 16-19), afirmou que o

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