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CAPÍTULO 2 – AS BASES EPISTEMOLÓGICAS DA PESQUISA

2.1 O interacionismo sociodiscursivo – ISD

O ISD tem sua origem em Genebra, Suíça, devido aos estudos do Grupo Language-Action-Formation (LAF), dirigido por Jean-Paul Bronckart, e do Groupe de Recherche pour l´Analyse du Français Enseigné (GRAPHE), mais conhecido como Grupo de Didática das Línguas, cujos expoentes são Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz. Particularmente, estes pesquisadores e seus colaboradores desenvolvem pesquisas sobre gêneros textuais e SD, uma forma de transposição do objeto para o processo ensino-aprendizagem.

No Brasil, a entrada do ISD adveio em meio às reformulações das políticas educacionais e ao avanço da área de Linguística Aplicada, marcados especialmente pela produção dos PCN, cuja função é oferecer subsídios teóricos e metodológicos para o ensino. O primeiro Programa de Pesquisa a disseminar as postulações do ISD no país foi o Programa de Estudos Pós-graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL), da PUC/SP. Outros pesquisadores que também norteiam suas produções nos construtos dessa corrente teórica são os dos Programas de Pós-Graduação da UEL, UNICAMP, UNISINOS e, mais recentemente, UFGD.

Essa concepção teórica (BRONCKART, 2007) e a vertente didática (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004) de estudo das ações de linguagem, materializadas nos

textos empíricos33, entende que a linguagem é o principal fator de desenvolvimento humano

(BRONCKART, 2006), pois acontece num evento comunicativo34 (RICOEUR, 1988; 2000)

33 Os textos empíricos são construtos resultantes das ações de linguagem, isto é, são produtos verbais/semióticas que refletem e refratam uma ação linguageira, tomam ―emprestadas‖ as modelizações de um dado gênero textual, ao mesmo tempo em que também instaura em si mesmo peculiaridades do agente-produtor à própria ação de linguagem.

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O ISD dialoga ainda com os fundamentos sócio-filosóficos, especialmente Habermas e Ricoeur. Deste, apropria-se do conceito de evento comunicativo, que diz respeito às práticas sociais de linguagem efetivadas; de Habermas, apoia-se no conceito do agir comunicativo. Para Ricoeur, o evento é a ―atualidade‖ do discurso, isto é, enquanto a língua é concebida virtualmente (extratemporal), o discurso acontece sempre em um momento singular, distinto e ―presente‖, pois os sujeitos do discurso estão em uma situação real de comunicação e a língua em pleno uso.Diz o referido autor: ―Dizer que o discurso é um evento é dizer, antes de tudo, que o discurso é realizado temporalmente e no presente, enquanto que o sistema da língua é virtual e fora do tempo. [...] o evento

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de interação entre sujeitos35 interlocutores implicados em um projeto de dizer e em um

contexto de produção. Assim é que o discurso se materializa e adquire sentido numa prática social comunicativa, entendida como situações reais de usos da linguagem, promotoras de práticas de linguagem, que, por sua vez, engendram os gêneros de texto.

Para ilustrar e sintetizar o que se diz a respeito das práticas sociocomunicativas e das práticas de linguagem, recorre-se à imagem publicada por Barros (2009).

FIGURA 2 – Representação imagética das práticas sociais, das práticas de linguagem e dos gêneros.

As práticas sociocomunicativas, como lugar real de uso da linguagem, submetem-se a manifestações social e individual. Apesar de dinâmicas, heterogêneas e flexíveis, orientam-se é o fenômeno temporal da troca, o estabelecimento do diálogo, que pode travar-se, prolongar-se ou interromper-se.‖ (RICOEUR, 1988, p. 46)

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Na corrente teórica adotada neste trabalho, sujeito é entendido como o organismo humano envolvido em uma situação de comunicação, capaz de compreender as representações de si e do outro e que, devido a essa compreensão, age comunicativamente constituindo-se e ao outro pela própria interação entre eles.

43 por normas e códigos estabelecidos histórica e culturalmente. Logo, imprimem às práticas de linguagem dimensões psicossociais, cognitivas e linguísticas, já que estas dependem, em particular, dos sujeitos envolvidos no processo de interação bem como das representações que eles fazem de si/entre si e da distância, não exatamente física (territorial) mas sociossubjetiva, entre eles ( SCHNEUWLY; DOLZ, 2004).

Por isso, é possível afirmar que as práticas sociocomunicativas: 1) evidenciam as ações linguísticas, discursivas, cognitivas, sociais e interativas do homem nos eventos comunicativos; 2) contemplam o contexto sócio-histórico-cultural em que se moldam; 3) prefiguram manifestações sociodiscursivas e individuais nos/dos usos da linguagem nas esferas sociais; e 4) provocam a atualização da linguagem e, por conseguinte, o desenvolvimento humano.

Pela FIG. 2 vemos algumas possiblidades de operação da língua e da linguagem. Para exemplo de uma das situações apontadas na figura, na prática social ―aula‖, as práticas de linguagem veiculadas podem ser realizadas pela interação professor-aluno, aluno-aluno, aluno-professor, nas formas escritas ou orais, e configuradas em diversos gêneros, como: exposição do professor, diálogo entre alunos (a respeito do tema da aula ou não), anotações em caderno de classe, textos explicativos do livro didático, exercícios escritos ou orais, análise de texto, questionário, resposta de questionário, resumo, resenha, chamada oral, prova escrita, planejamento, plano de aula, bilhetes, entre outros. Esse exemplo demonstra que, nas práticas de linguagem, o homem desenvolve tanto a linguagem quanto a si mesmo, já que a utiliza e a atualiza conforme os espaços sociais (as próprias práticas sociocomunicativas) em que (ele) circula.

Práticas sociais semelhantes em relação ao processo interacional, ao

papel/representação dos sujeitos interlocutores, aos objetivos da comunicação, aos temas abordados e ao suporte de veiculação das mensagens podem ser agrupadas em esferas de comunicação, compreendidas como campos de circulação das práticas de linguagem (BAKHTIN, 2004), conforme representadas na FIG. 3.

44 FIGURA 3 – Esferas ou campos de circulação das práticas de linguagem (ROJO, 2009, p.110).

Em consonância com o exemplo dado anteriormente para a prática social ―aula‖, pode-se dizer que esta prática, geradora de vários gêneros, pertence a uma esfera ampla, a esfera escolar, por sua vez geradora de várias outras práticas de linguagem. Além das relações já apontadas na aula, há outras relações; por exemplo, aluno-diretor, no caso de reinvindicações, de advertências; diretor-comunidade escolar, em reuniões de pais, em campanhas para eleição de diretores; pais de aluno-professores, em reuniões bimestrais; pais de aluno-secretaria da escola, em período de matrícula; professores-secretaria da escola, em início do ano letivo ou fechamento de bimestre. Essas práticas de linguagem geram gêneros como: carta de solicitação para o diretor, ata de situações de indisciplina, aviso de reunião de pais, proposta de trabalho de candidato à direção, boletim escolar, cadastro de matrícula, contrato de professor temporário, diário de classe, canhoto de notas etc.

Em resumo, cada prática de linguagem faz ―nascer‖ um gênero de texto, que prefigura uma forma de uso da língua e da linguagem, visto que

Os textos são produtos da atividade humana e, como tais, [...] estão articulados às necessidades, aos interesses e às condições de funcionamentos das formações sociais no seio das quais são produzidos. Sendo os contextos sociais muito diversos e evolutivos, consequentemente, no curso da história, no quadro de cada comunidade verbal foram elaborados diferentes ‗modos de fazer‘ textos ou diferentes espécies

45 de textos36. Essa noção de espécie de texto [...] designa todo conjunto de textos que apresentam características comuns. A emergência de uma espécie de texto pode estar relacionada ao surgimento de novas motivações sociais (cf. as condições de elaboração do romance no fim da Idade Média ou as da emergência dos artigos científicos no curso do século XIX, etc.), pode ser consecutiva ao aparecimento de novas circunstâncias de comunicação (cf. os textos comerciais ou publicitários) ou ao aparecimento de novos suportes de comunicação (cf. os artigos de jornal, as entrevistas radiofônicas ou televisuais, etc.). (BRONCKART, 2007, p. 72).

Além disso, fatores intralinguísticos cooperam para a atualização da linguagem humana, visto que o homem é o único organismo vivo cuja linguagem possui dualidade de

estrutura37 (CABRAL, 1985; MARTELOTTA, 2009), ou seja, a única linguagem que tem um

caráter abstrato e concreto é a humana (SAUSSURE, 1995). Comparando a linguagem humana e a linguagem de outras espécies, Bronckart lembra:

Na espécie humana, a cooperação dos indivíduos na atividade é, ao contrário, regulada e mediada por verdadeiras interações verbais [...]. os seres humanos produziram instrumentos que reforçavam e prolongavam suas capacidades comportamentais. A exploração desses instrumentos no quadro de atividades complexas requeria, inelutavelmente, um mecanismo de acordo sobre o próprio contexto da atividade e sobre a parte da atividade que devia caber aos indivíduos instrumentalizados. As produções sonoras originais teriam sido motivadas por essa necessidade de acordo [...]. A linguagem propriamente dita teria então emergido sob o efeito de uma negociação prática (ou inconsciente) das pretensões à validade designativa das produções sonoras dos membros de um grupo envolvido em uma mesma atividade. Portanto, seria na cooperação ativa que se estabilizariam as relações designativas, como formas comuns de correspondência entre representações sonoras e representações sobre quaisquer aspectos do meio, isto é, como signos, na acepção saussureana mais profunda do termo. (BRONCKART, 2007, p. 32-33).

Nesse sentido, Bronckart (2006) alerta para a necessidade de entendimento e até de possíveis deslocamentos das proposições saussureanas para apoio aos fundamentos do ISD, por exemplo, deslocamentos no entendimento da estrutura do signo linguístico, em particular do significado. Em seguida, discute três aspectos das concepções de Saussure.

Em primeiro lugar, Bronckart (2007) destaca o caráter social da língua38,

consequentemente a transformação da língua ao longo dos anos, sob efeito das pressões tanto filológicas quanto semióticas, especialmente destas. Como antecipado pelo próprio Saussure, o sentido de uma palavra ultrapassa os limites do significante-significado.

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Grifo do autor. A fim de evitar repetições, neste trabalho, todas as expressões em negrito e em itálico que adiante aparecerem (exceto, palavras estrangeiras) devem ser assim entendidas.

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A dualidade de estrutura é a possibilidade de estruturação infinita de textos orais e/ou escritos pela ―combinação‖ de morfemas e fonemas, que são finitos, e das regularidades linguísticas. É no/pelo jogo entre possibilidades morfossintáticas, semânticas, fonológicas, ortográficas (ILARI, 2004) que a língua/linguagem vai se estruturando, se modificando, à luz também, e essencialmente, das interações; por conseguinte, o homem se desenvolve.

38 É certo que o signo é arbitrário; porém, seu significado é contextual, social, histórico, semiótico; enfim, fruto da interação.

46 Todo estudo de uma língua como sistema, ou seja, de uma morfologia, se resume, como se preferir, no estudo do emprego das formas, ou no da representação das idéias39. O errado é pensar que há, em algum lugar, formas (que existem por si mesmas, fora de seu emprego) ou, em algum lugar, idéias (que existem por si mesmas, fora de sua representação). (SAUSSURE, 2004, p. 32)40.

Isso significa que a interação entre os seres humanos é motivadora da produção de sentidos, o que, por sua vez, provoca o surgimento de sentidos contextuais para o signo linguístico, fortalecendo lhe a arbitrariedade.

Em segundo lugar, Bronckart recupera a noção saussuriana da arbitrariedade dos signos para continuar discutindo a semiotização dos enunciados e a função da interação nisso. Para Saussure (1995), o signo é arbitrário porque não há elemento que garanta a relação entre suas partes constitutivas, isto é, entre o significante e o significado. Nada há que faça a imagem acústica ser o conceito a ela atribuído. De igual modo, Bronckart destaca:

A noção de arbitrário radical exprime o fato de que, na medida em que têm origem no uso social, os signos submetem as representações individuais a uma reorganização, cujo caráter é radicalmente não-natural. O significante de um signo (o termo fruto, por exemplo) impõe, ao mesmo tempo, uma delimitação e uma reunião das diversas imagens que um ser humano é capaz de construir em sua interação solitária com esse tipo de objeto; e o significado do signo é constituído pelo conjunto das imagens mentais que se encontram assim compreendidas pelo significante. (BRONCKART, 2007, p. 54).

A correlação significante-significado é estabelecida pelas convenções linguístico-sociais, a iniciar pela inter-relação sujeito-signo-sujeitos. Por conseguinte, após o assentamento do signo em um grupo linguístico, o homem não tem poder para modificá-lo.

Em contrapartida, observa-se que, justamente pelas convenções, um significante pode assentir vários significados. Um dos fatores constitutivos desses sentidos contextuais está correlacionado às imagens dos envolvidos nas práticas linguageiras, já que do conjunto de

signos de uma língua, o agente-produtor41, à luz das representações da situação

39 Neste trabalho, respeita-se o Novo Acordo Ortográfico. Entretanto, em citações, mantem-se a escrita original, isto é, conforme o autor citado.

40 Depreende-se desta assertiva saussureana que ele mesmo já pressupunha a interação no estudo da língua. Todavia, apenas recentemente, isso tem sido investigado, também pelo Grupo LAF/UNIGE.

41 O termo agente-produtor empregado nesse trabalho designa o sujeito responsável pela produção de um texto. Esse sujeito é entendido em seu aspecto físico, ser humano real, e em seu aspecto sociossubjetivo, instância social que executa a ação de linguagem. Por exemplo, no caso de um artigo de opinião, quem o assina é o agente-produtor físico; quem articula a opinião, defendendo-a e/ou refutando outras é o agente-produtor sociossubjetivo, ou enunciador, na perspectiva da Linguística da enunciação. Conforme Bronckart, ―[...] a instância responsável pela produção de um texto é uma entidade única (salvo casos raros de co-escritura), que deve ser definida, ao mesmo tempo, de um ponto de vista físico e de um ponto de vistasociosubjetivo. Portanto, poderíamos chamar essa entidade de emissor-enunciador, mas, para simplificar, usaremos a expressão agente-produtor ou, mais simplesmente, ainda, o termo autor.” (2007, p. 95)

47 sociocomunicativa e dos objetivos pretendidos, seleciona aquele que, potencialmente, transita sentidos adequados a suas necessidades de comunicação.

O terceiro aspecto apontado por Bronckart sobre a teoria saussureana diz respeito ―ao estatuto das unidades de análise das Ciências Humanas/Sociais e à necessidade de compreender, a um só tempo, suas dimensões ‗físicas‘ e ‗psíquicas‘, em uma perspectiva metodológica que se une, quase que literalmente, àquela que propunha Vygotsky‖ (BRONCKART, 2006, p. 109).

Em síntese, Bronckart (2006), ao analisar algumas proposições de Saussure, defende que para haver desenvolvimento humano, é necessário ultrapassar os limites da estrutura da

língua. As diversas significações dos signos linguísticos42, além de constituírem-se como

―evolução‖ da linguagem, estimulam o desenvolvimento humano, porque, para adquirirem sentido, os interlocutores de um processo interativo precisam estar no mesmo jogo comunicativo (GERALDI, 1991; KOCH, 2003) e participar do mesmo contexto de produção, ainda que em coordenadas espaço-temporal distintas e distantes, como é o caso da maioria dos gêneros de texto mais elaborados (em se tratando de leitura e de escrita, evidentemente). Esse

movimento psicolinguístico exige dos enunciadores43 um planejamento do dizer à luz das

situações comunicativas. É, pois, devido a esse caráter contextual e semiotizado, que o ISD objeta o estruturalismo.

A abordagem interacionista dos sistemas semióticos pode certamente aproveitar-se, para uma primeira análise, das inúmeras descrições das estruturas e das unidades das línguas naturais fornecidas por três quartos de século de lingüística estrutural. Mas, devido a seus postulados fundadores (ou behavioristas ou neonativistas), essas correntes geralmente, se impedem de considerar os fatos de linguagem como traços de condutas humanas socialmente contextualizadas. É então às abordagens que integram essas dimensões psicossociais que o interacionismo se refere [...]. (BRONCKART, 2007, p. 23).

Entende-se que, na verdade, o que o ISD objeta no estruturalismo é a observação da língua à luz exclusivamente de suas particularidades sistêmicas. Ou seja, a língua pela língua, como estrutura e regra, sem considerar os aspectos sociointeracionais, porquanto estudá-la e desconsiderar suas manifestações é tarefa sem sentido, tampouco que estudar a linguagem

42 Sobre os signos linguísticos, Bronckart conclui: ―Se eles são, de fato, [...] instrumentos complexos de representação, são também, em primeiro lugar, instrumentos de regulação da atividade coletiva; constituem-se como instrumentos de cooperação, ou de intervenção sobre os comportamentos e as representações dos outros.‖ (BRONCKART, 2007, p. 55).

43 No ISD, ―a noção de enunciador designa as propriedades sociosubjetivas do autor, do modo como podem ser apreendidas por uma análise externa de sua situação de ação. [...] designa, na verdade, um construto teórico, uma instância puramente formal, a partir da qual são distribuídas as vozes que se expressam em um texto.‖ (BRONCKART, 2007, p. 95).

48 sem considerar a língua é infrutífero, como já advertiu o próprio Saussure, durante a Primeira conferência na UNIGE, em 1891.

[...] vocês transformam o estudo das línguas em estudo da linguagem, da linguagem considerada como faculdade do homem, como um dos signos distintivos de sua espécie, como característica antropológica ou, por assim dizer, zoológica. [...] mas, eu me permito dizer, os mais elementares fenômenos da linguagem jamais serão vislumbrados, nem claramente percebidos, classificados, compreendidos, se não se recorrer em primeira e última instância, ao estudo das línguas. Língua e linguagem são apenas uma mesma coisa: uma é a generalização da outra. Querer estudar a linguagem sem se dar o trabalho de estudar suas diversas manifestações que, evidentemente, são as línguas, é um empreitada absolutamente inútil e quimérica; por outro lado, estudar as línguas esquecendo que elas são primordialmente regidas por certos princípios que estão resumidos na idéia de linguagem é um trabalho ainda mais destituído de qualquer significação séria, de qualquer base científica válida. (SAUSSURE, 2004, p. 128-129).

Entender, portanto, a língua/linguagem requer um entendimento de sua constituição para além do estruturalismo linguístico, como faz o ISD, que, para estabelecer-se epistemologicamente, mantém um diálogo com diversas ciências, especialmente a Filosofia da Linguagem, a Psicologia e a Sociologia, e revisita o estruturalismo saussureano, o construtivismo piagetiano, o interacionismo social vygotskyniano e os pensamentos bakhtinianos sobre linguagem e práticas sociais comunicativas (BAKHTIN, 2004; 2003) e habermasianos sobre o agir comunicativo. A FIG. 4 resume a relação do ISD com essas ciências. Destaca-se que outras ciências interconectam-se a essa concepção (representadas na imagem pelas outras esferas).

Na FIG. 4, representam-se as intersecções entre os fundamentos teóricos bronckartianos, bakhtinianos, vygotskyanos e habermasianos, porém há certo distanciamento das concepções piagetianas, visto que o ISD objeta tal posicionamento epistemológico por não comungar da ideia de que o desenvolvimento humano ocorre apenas e tão somente após o desenvolvimento das capacidades naturais do organismo.

49 FIGURA 4 – A intersecção do ISD com outras ciências e autores.

Bronckart (2007; 2006) revisita as teses de desenvolvimento de Piaget44 e de Vygotsky

e resume:

O questionamento central de Vygotsky refere-se ao estatuto do psiquismo e é sustentado por uma hipótese clara: o psiquismo é social em sua origem. Em Piaget, o questionamento central se situa num nível mais abaixo; refere-se à gênese dos conhecimentos e deixa em suspenso a questão do estatuto do psiquismo. (BRONCKART, 2006, p. 38).

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Referindo-se a Piaget, Bronckart adverte: ―Lembremo-nos de que, para Piaget, a explicação por modelo consiste essencialmente em pôr em relação isomórfica um sistema de causalidade, baseado no sistema nervoso, e um sistema de implicação, produzido tanto no pensamento como no desenvolvimento da lógica e das matemáticas. Se podemos admitir a fundamentação correta desse paralelismo, apresenta-se, entretanto, como vimos, a questão da própria origem do pensamento lógico-matemático. Em Piaget, ele provém diretamente (sem mediação social) de uma interiorização e de uma reconstrução, no plano mental, dos próprios sistemas causais. Isso parece ser, a nosso ver, bastante misterioso.‖ (BRONCKART, 2006, p. 52).

50 Sobretudo quanto às teses piagetianas, Bronckart (2006; 2007) recusa-as porque Piaget entende que a linguagem é um mecanismo inato (biológico) ao ser humano e o desenvolvimento é um processo que acontece por estágios, resultantes do amadurecimento do sistema nervoso. Alcançar um novo estágio depende da concretude e completude do estágio anterior.

Além disso, Piaget postula que o desenvolvimento independe da aprendizagem. Ele desconsidera a interação social e a linguagem como fatores de produção do desenvolvimento, uma vez que, em suas formulações sobre o desenvolvimento cognitivo, interpreta-o ―a partir da experiência com o meio físico, deixando aqueles fatores em um lugar subordinado‖

(CASTORINA et al, 2002, p. 11). Em síntese, para Piaget, a criança pode ser estimulada e

entrar em contato com diversos meios, mas não vai se desenvolver se não tiver alcançado a maturação biológica.

Por conseguinte, Bronckart redimensiona as teses piagetianas defendendo que

[...] o desenvolvimento do homem está intrinsecamente relacionado ao efeito que permanentemente exercem sobre ele uma atividade social e significações de linguagem já existentes e em permanente evolução. Portanto, é na própria construção do social e do semiótico que se situam, em última instância, os princípios explicativos humanos. (BRONCKART, 2006, p. 55).

Em relação a Vygotsky, Bronckart (2006, p. 60-63) analisa e resume em cinco pontos