• Nenhum resultado encontrado

3 ARTIGO II MATERIAIS MANIPULÁVEIS E REPERTÓRIO

4.1 INTERCALANDO COMPREENSÕES

1 A prática social a qual nos referimos é a prática da matemática escolar. Por vezes, utilizaremos apenas o termo prática para evitar repetições desnecessárias.

Nesta seção, sintetizamos algumas compreensões acerca do que extraímos dos dados analisados, em interface com o referencial da perspectiva da aprendizagem situada, segundo Lave e Wenger (1991). Assim, partimos da seguinte pergunta norteadora: Como estudantes

participam de aulas de Matemática que abordam tópicos de geometria ao utilizar materiais manipuláveis? Pertinentemente à perspectiva da aprendizagem situada, prática e participação

são constructos teóricos imbricados. Nesse sentido, conforme os autores, a participação, nesta pesquisa, configurou-se em função do engajamento das pessoas em ações com significados comuns a elas.

Por outro ângulo, a participação vincula-se ao repertório compartilhado pelo fato deste possibilitar o reconhecimento e definição de práticas compartilhadas, como frisa Beline (2012). Por assim dizer, a participação passa a ser delineada em função dessas práticas que são reconhecidas e definidas. Deste modo, compreender o repertório compartilhado no espaço onde ocorreu a prática da matemática escolar nos possibilita reconhecer e definir a participação em termos das ações que são partilhadas e que dão corpo à prática do grupo.

Nessa direção, demarcamos duas perguntas auxiliares para responder a pergunta norteadora:

Como estudantes se engajam em aulas de Matemática ao utilizarem materiais manipuláveis?

Como estudantes usam o repertório compartilhado em aulas de Matemática ao utilizarem materiais manipuláveis?

Miles e Huberman (1994) sugerem uma estrutura de dissertação na qual foca-se em questões de pesquisa, no caso a ser estudado, nos dados coletados e em como estes dados deveriam ser manuseados e analisados. Assim, procedemos em convergência com tal estrutura, partindo de duas questões de pesquisa, desmembradas da pergunta principal de pesquisa. Além disso, os participantes desta pesquisa, estudantes e professores, experimentaram uma situação que se configurou como aulas de Matemática envolvendo tópicos de geometria abordados por meio de materiais manipuláveis. O contato e interação desses participantes destinados a desenvolver tarefas de geometria no espaço da sala de aula configuraram uma estrutura social demarcada por Wenger (1998) como prática social2.

2

A prática social, a qual nos referimos, diz respeito à prática social da matemática escolar, isto é, a prática decorrente de interações entre membros em um ambiente escolar destinado a desenvolver algum conceito matemático.

Esta pesquisa, como já salientado, configurou-se no estudo de dois aspectos teóricos pertencentes à perspectiva da aprendizagem situada. A utilização dos conceitos engajamento

mútuo e repertório compartilhado subsidiou o entendimento de como estudantes participaram

de aulas de matemática, nas quais se fez uso de materiais manipuláveis, no sentido de que foi possível perceber a configuração da prática por meio dos elementos que a constituem. De forma mais simples, essa abordagem foi pensada acreditando ser necessário entender como estudantes se envolvem e como eles utilizam o que está disponível no desenvolvimento da prática.

Ao analisar os dados deste estudo, foi possível observar algumas formas particulares de participar na prática social com os materiais manipuláveis, caracterizadas pela diversidade dos membros, de elementos do contexto da prática social e dos materiais manipuláveis utilizados. Essas formas diferenciadas e particulares de se envolver em algo passou a ser entendida como formas de engajamento3. Além disso, o conhecimento4 que é produzido a partir das experiências oriundas dessa prática mostrou-se mutável, conforme as mudanças ocorridas nessas formas de engajamento. As formas de engajamento não se expressavam por si só, por vezes, caracterizaram outros engajamentos mais amplos. Esse conceito configurou- se, por assim dizer, em níveis, talvez não no sentido hierárquico, mas no sentido de demarcar etapas diferentes de engajar-se. Assim, engajar-se em determinada situação poderia favorecer o engajamento em outra situação.

Durante o processo em que os membros se engajam em algo, alguns critérios de atuação na prática social são estabelecidos naturalmente e outros são mais visivelmente negociados. Não só a forma de agir na prática, mas os significados atrelados a tudo que é feito, produzido e reproduzido é negociado. A tomada de decisão é uma ação dos membros que não se separou da negociação de significados5. As decisões dependem da configuração da prática que eles estabelecem a partir dessa negociação.

Das situações de engajamento percebidas nos dados e discutidas no capítulo II desta dissertação, vislumbramos o engajamento dos estudantes no contato preliminar com os

elementos do material manipulável, o envolvimento dos estudantes no recorte dos quadrados conforme as regras, o engajamento na associação do ângulo nulo à posição inicial dos

3

As formas de engajamento referem-se as situações pertencentes à prática social do grupo, nas quais os estudantes envolviam-se a finco com as nuanças da situação.

4 Wenger (1998) assume conhecimento como uma questão de competência com o empreendimento. Em outras palavras, conhecimento está relacionado a ser competente no que se dedica a fazer.

5 Negociação de significados é um constructo teórico apresentado por Wenger (1998) e discutido na seção Breve Fundamentação Teórica apresentada no capítulo I desta dissertação.

palitos e o envolvimento na associação dos lados dos quadrados com os lados do triângulo.

As situações nas quais houve compartilhamento de repertório foram: o uso compartilhado de

ferramentas e termos, interpretações compartilhadas sobre o ângulo de 180º, compartilhamento de símbolos, expressões e termos geométricos, tentativas compartilhadas de ajustar a fórmula do teorema de Pitágoras.

Apesar de essa não ser a discussão central, a negociação de significados se interrelaciona com o engajamento mútuo. A seguir, veremos as categoriais separadamente, mas nos serve como exemplo a discussão sobre círculo e sua representação que se refere à negociação de significados destinada a decidir o que seria o elemento do material (recorte de papel em forma circular). Como nomeá-lo, dependeria de como os estudantes iriam conceber tal elemento. Nesse caso, os estudantes participaram mutuamente no que se refere à compreensão do que era aquela figura. De maneira similar, Passos (2000) argumenta que estudantes possuem dificuldades em ler as representações bidimensionais de objetos tridimensionais. Isso ocorre por conta da dificuldade em identificar os diferentes elementos que compõem esses objetos. Por conta disso, os membros participaram de uma situação cuja experiência desprendida não possibilitou de imediato extrair determinadas propriedades tanto do círculo quanto da sua representação que são fundamentais para distingui-las ou associá-las.

O que se consolidou como produto da experiência nessa prática esteve atrelado à capacidade de abstrair a tridimensionalidade da representação do círculo por meio do material manipulável. Nesse sentido, a prática social desenvolvida propiciou aos estudantes rever e analisar elementos em situações específicas, ou seja, os manipuláveis favoreceram a visualização de elementos já vistos no dia-a-dia deles. Assim, conforme a argumentação de Passos (2000), a abstração necessária ao estudante quanto a diferentes tipos de visualização diz respeito ao criar e ler imagens, ou seja, criar imagens que dêem conta de representar objetos do espaço, além de interpretar as informações espaciais.

A seguir, mostramos as categorias extraídas da análise dos dados, apresentando primeiramente, as de engajamento mútuo e, em seguida, as categorias relacionadas ao repertório compartilhado. Em seguida, faremos as relações possíveis entre as categorias que se referem a engajamento mútuo e as que se referem ao repertório compartilhado.

Documentos relacionados