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Primeiramente, é preciso deixar claro que descrever participação em termos utilizados por Lave e Wenger (1991) não nos permite atrelar esse fenômeno a uma ideia de temporalidade ou localidade. Ou seja, não é possível conceber a participação se dando em um determinado local ou espaço temporal unicamente. A compreensão de participação abrange

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Segundo a autora, práticas questionadoras referem-se às práticas em que estudantes questionam o fabricante dos materiais manipuláveis ou mesmo as compreensões do professor.

mais que isso, diz respeito a ser participante ativo nas práticas sociais de um grupo (WENGER, 1998).

É importante observar, ainda, que os membros de um grupo têm diferentes motivações, contribuem de diversos modos e apresentam visões diferenciadas. Assim, na medida em que os sujeitos vão se apropriando dos costumes e ações corriqueiras da prática de um determinado grupo, eles vão apresentando formas diferentes de participação. Entretanto, os autores não queriam implicar suas argumentações em co-presença nem tampouco em limites de fronteira claros. Isto é, para participar de uma prática social não precisa necessariamente estar presente, até porque as diversas interações promovidas no âmbito da prática social não fazem nenhuma referência aos limites físicos da comunidade, ou seja, não há limites fronteiriços para a prática social. Assim, apesar de as duas tarefas terem sido desenvolvidas em sala de aula, não quer dizer que o limite da prática social formada seja a própria sala, nem mesmo o contexto escolar.

Portanto, acrescento que numa prática social a participação se dá num envolvente sistema de atividades ou tarefas desempenhadas pelos membros. Nesse movimento de participação, então, pode-se considerar a partilha do que cada participante compreende sobre aquilo que é realizado ou feito na prática. Assim, o significado que é negociado por eles sobre cada elemento constitutivo da prática (sejam eles, as ações, as falas, os objetos e outros) é, em algum momento, compartilhado.

Segundo Wenger (1998), essa prática social significa um fazer dentro de um contexto histórico e social que dá estrutura e significado as nossas ações. Na presente pesquisa, a prática social em questão é a matemática escolar. Nessa prática, as relações sociais são específicas e por conta disso envolve linguagem, símbolos, ferramentas7, papéis bem definidos, critérios específicos, procedimentos, regulamentos, contratos, percepções específicas, relações implícitas e visões de mundo compartilhadas (WENGER, 1998). As interações entre os estudantes e professores são reguladas pelos procedimentos, regulamentos e pelos papéis destinados aos sujeitos que integram o contexto da sala de aula.

Nesse caso, a linguagem que é veiculada em sala é uma mescla de linguagem matemática e linguagem comum (como recurso de comunicação utilizado pelos estudantes em outros contextos). Não temos, porém, necessariamente harmonia em tudo que é feito na

7 Em consonância com a teoria, ferramentas podem ser concebidas como recursos que são utilizados ou construídos durante a prática social desenvolvida pelos participantes. Seu uso, porém, não é estático e muda conforme a necessidade dos membros. Todavia, como tudo que ocorre na prática, a funcionalidade deste recurso dependerá da aceitação dos membros, isto é, dependerá da legitimação dos membros.

prática social do grupo. Wenger (1998) ressalta que participação pode envolver todos os tipos de relações, isto é, conflituosas, competitivas ou cooperativas, inclusive. No contexto da sala de aula isso pode ser visto, quando os estudantes querem demonstrar, por exemplo, que sabem realizar um procedimento, uma ação ou que sabem responder às perguntas do professor.

A Perspectiva da Aprendizagem Situada de Lave e Wenger (1998) desloca o eixo de análise dos indivíduos isoladamente para os indivíduos como participantes no/do mundo social. As dicotomias entre mente e corpo, contemplar e envolver-se, abstrair e experimentar não fazem sentido tendo em vista que os autores não delimitam a prática em torno de tais dicotomias. Afinal, tudo está conectado, ou seja, os participantes, o mundo social e as ações estão intimamente ligados ao conhecimento, aprendizagem na prática e discurso oriundo da prática.

Na dinâmica do grupo social, a participação é pautada na negociação de significados no contexto em que os sujeitos estão inseridos; essas significações não são estáticas, permitindo uma nova negociação. Assim, as compreensões geradas na prática social e as experiências advindas dela possuem significados comuns aos membros, são compartilhados. Entretanto, não queremos gerar a compreensão de que apenas as coisas que estão relacionadas à prática à qual pertencemos são significativas. Pelo contrário, queremos frisar que o mundo social é muito maior do que as práticas vivenciadas por cada indivíduo (FRADE, 2003). Assim, podemos observar que os conceitos de concreto e abstrato não fazem referência, necessariamente, a significativo e não-significativo respectivamente, tendo em vista que algo concreto para uns pode ser abstrato para outros e vice-versa.

O intuito, nesse momento, é destacar alguns elementos que são indissociáveis da prática social e, por consequência, da participação. No entanto, ressaltamos, antes disso, que o foco desta pesquisa é o primeiro e o terceiro dos elementos a seguir. Na sua obra, Wenger (1998, p. 73) argumenta que existem três relações que associam a prática com a comunidade formada num determinado contexto: (1) O engajamento/envolvimento mútuo (organizado em torno dos objetivos que a comunidade busca alcançar); (2). Um empreendimento conjunto (e, consequentemente, negociação mútua e responsabilidade da qual se devem prestar contas); (3). Um repertório compartilhado (rotinas, linguagens, símbolos, modos de fazer). Todas as três relações poderiam ser abordadas, mas a primeira e a terceira se mostraram mais visíveis nos dados coletados, tornando-se categorias de análise desta dissertação.

Tendo em vista, a compreensão de alguns conceitos, é preciso delimitar alguns aspectos da teoria. A participação é mais que o simples engajamento numa tarefa, pelo fato de que nessa há um reconhecimento mútuo (explícito ou implícito). Deste modo, por exemplo,

suponhamos que, nas tarefas que serão descritas a seguir, um dos estudantes observados estivesse lendo uma revista em quadrinhos no momento em que todos estavam manipulando o material utilizado na tarefa proposta pelo professor. Esse estudante, com certeza estava engajado na leitura de sua revista, mas não seria reconhecido como uma participante do grupo, por não ser reconhecido como participante da tarefa.

Engajamento, nesse sentido, refere-se ao envolvimento ativo em processos de negociação conjunta, ou seja, em que todos contribuem para dar significados àquilo em que estão se envolvendo. Assim, podemos considerar os participantes como tais quando reconhecemos seu envolvimento integral e grupal naquilo que se propõe a fazer. Nesse sentido, engajar-se em algo diz respeito ao reconhecimento do que ocorre na situação, em sua totalidade.

Aprendizagem é um conceito que não é simples discutir, mas vale ressaltar alguns aspectos em função da compreensão de outros elementos que serão destacados da teoria. Para Wenger (1998, p.95), aprendizagem na prática inclui, dentre outros elementos:

Desenvolver seu repertório, estilos e discurso (renegociar o significado de vários elementos - da prática, produção ou adoção de instrumentos/ferramentas, criando novos termos ou abandonando velhos, modos de falar sobre eventos ou de recontá-los,…).

Nesse sentido, o aprendiz8 precisa não só desenvolver a habilidade de se engajar com outros membros e com os afazeres e rotinas da prática, como também fazer uso do repertório da prática para nela poder se engajar. Assim, acrescentamos que o repertório da prática é particular, estruturado em torno das necessidades dos participantes. Quando o estudante manipula o triângulo, por exemplo, ele pode fazê-lo para perceber o lado maior e relacioná-lo com o lado do quadrado maior, enquanto que em outro contexto ele poderia apenas visualizar o triângulo como elemento de decoração.

O artigo de Gellert (2004) reflete sobre o uso de material didático em aulas de Matemática, focando sobre atividades matemáticas de estudantes e atividades didáticas de professores. A rotina9 da prática, neste caso, foi caracterizada pela visualização das multiplicações de números naturais na tabela e pelo cálculo mental de certas multiplicações,

8 Naturalmente, podemos nomear cada participante observado dessa maneira, tendo em vista que a tarefa proposta foi elaborada no intuito de favorecer a aprendizagem dos estudantes. Além disso, este termo está em consonância com a teoria utilizada nesta dissertação, onde concebe os participantes que se iniciam na prática como aprendizes.

representadas em cores escuras, ditas fáceis pelos autores e associação com outras, ditas difíceis. Um exemplo que ilustra bem a tarefa é quando uma estudante realiza a multiplicação 3x2 = 6 (que é uma multiplicação de números pequenos) para chegar a 3x4. A estudante soma ao resultado 6, 3 unidades e depois mais 3 unidades e para vários outros exemplos de multiplicação, utilizando procedimento análogo. No referido trabalho, o momento em que os estudantes são incentivados a resolver algumas multiplicações, olhando para a tabela, eles estão se engajando nesse processo mutuamente. Isso marca o ponto em que eles estão convergindo olhares, falas, pensamentos, ou seja, compartilhando os afazeres da prática social. Além disso, o reconhecimento dos elementos do material apresentado na aula foi fortemente marcado no artigo.

O trabalho de Kamii, Lewis e Kirkland (2001), por exemplo, foi feito a partir da ótica piagetiana, na qual o foco é no indivíduo. Eles analisaram as utilidades de materiais manipuláveis no que se refere à aquisição de conhecimento lógico-matemático pelas crianças, concluindo que o importante na construção deste conhecimento é que os sujeitos pensem. Todavia, a partir de uma leitura com lentes da perspectiva da aprendizagem situada, o que move o conhecimento nessa situação são as interações sociais promovidas no contexto. Sendo assim, as experiências advindas da manipulação desses materiais podem possibilitar a conexão com os conceitos e ideias matemáticas, favorecendo no desenvolvimento do pensamento e da aprendizagem.

Além disso, para os autores citados, a Matemática não existe nos manipuláveis sugeridos, isto é, o manipulável pode ser útil ou inútil dependendo da qualidade do pensamento que eles estimulam. Sob a ótica da perspectiva da aprendizagem situada, os manipuláveis são recursos da prática e possibilitam experimentação e interação social na prática da matemática escolar, na qual os participantes podem coexistir e trocar saberes. De modo geral, outra leitura dos resultados do trabalho de Lewis e Kirkland (2001) sugere considerar o indivíduo, em termos da perspectiva da aprendizagem situada, e sua relação com o contexto social, rodeado dos elementos presentes no meio social, sujeito às formas de pensar e agir dos demais integrantes. Assim, desconsiderar as possíveis contribuições do contexto parece inconsistente.

O pensamento, elemento indissociável da construção do conhecimento lógico- matemático das crianças, conforme salientam os autores, pode ser concebido como uma estruturação das ações, associação de elementos, determinação de direções a serem seguidas. Assim, em termos da perspectiva da aprendizagem situada, o pensamento diz respeito à tomada de decisão. Nesse sentido, os estudantes devem exercitar a tomada de decisão,

durante o trabalho com os materiais manipuláveis. Outro fator importante é que não há possibilidade de classificar o material como útil ou inútil, ou seja, a concepção do professor sobre o material, a forma como os estudantes o recebem, a forma como ele é abordado, os conteúdos a serem trabalhados, todos esses elementos são contundentes na escolha do material pela sua utilidade ou não.

Por fim, projetando um olhar sob as lentes da perspectiva da aprendizagem situada (LAVE; WENGER, 1991), uma ocasião na qual os estudantes podem utilizar os materiais manipuláveis na aula de Matemática que abordam tópicos de geometria constitui-se em uma prática social. Nesta pesquisa, os sujeitos dessa prática, incluindo as professoras, puderam interagir uns com os outros e com os materiais manipuláveis e, do mesmo modo, puderam dar significado às suas ações, às suas falas, aos seus gestos, às suas ferramentas, levando em consideração os significados historicamente já atribuídos. Assim, discutiremos esses aspectos a partir dos trechos das aulas apresentados posteriormente.

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