3 O MARCO CIVIL DA INTERNET: A BUSCA TELEMÁTICA NO BRASIL
3.5 INTERCEPTAÇÃO TELEMÁTICA OU BUSCA E APREENSÃO DIGITAL: PREMISSAS TÉCNICAS DE UMA DISTINÇÃO
Sidi define a interceptação como a aquisição auricular ou de outra natureza sobre o conteúdo de qualquer comunicação, seja pela wire, oral ou eletronic, por meio do uso de qualquer dispositivo eletrônico, mecânico ou de outra natureza. No entanto, o autor afirma que a jurisprudência americana exige mais para a definição de interceptação, considerando a interceptação como sendo a captação de uma comunicação contemporânea, ou seja, que esteja ocorrendo no momento em que for captada.279
277
PRADO, Geraldo. Prova penal e sistemas de controles epistêmicos: a quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. São Paulo: Marcial Pons, 2014b. p. 67.
278
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia 1. Lisboa: Assírio e Alvim, 2004. Disponível em: <https://ayrtonbecalle.files.wordpress.com/2015/07/deleuze-g_-guattari-f- o-anti-c3a9dipo-capitalismo-e-esquizofrenia-vol-3.pdf>. Acesso em: 24 out. 2017.
279
SIDI, Ricardo. A interceptação das comunicações telemáticas no processo penal. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.
Assim foi decidido no caso United States vs Jones, em que a United States
District Court For The District of Columbia afirmou que o regime legal existente em
torno das interceptações é aplicável à aquisição de comunicações no momento em que elas são encaminhadas, e não como naquele caso concreto (apreensão de mensagens de texto) no qual há apreensão de tais comunicações quando elas residam em arquivo eletrônico mantido por terceiros, como explica Sidi.280
O autor explica que, nos EUA, o acesso a um conteúdo comunicativo que esteja armazenado ou perenizado num banco de dados não é considerado interceptação e está regulado em normas distintas, instituídas pelo chamado stored
communications act. O acesso às chamadas stored communications depende de um
mandado judicial que pode ser expedido muito mais facilmente do que uma autorização para interceptação de comunicações. A obtenção do conteúdo armazenado, conforme exigência legal, depende do quê o órgão responsável pela investigação demonstre ao juiz sobre a relevância daquele conteúdo para uma investigação em andamento, ao passo que, para uma interceptação, as exigências são significativamente maiores.281
Há uma menor proteção legal aos conteúdos de comunicações que repousem em banco de dados em comparação às comunicações em andamento. Para que um dado seja considerado stored communications, necessita de armazenamento em poder do prestador de serviço de comunicação eletrônica. Sidi explica que, no “caso
Fannie Garcia, por exemplo, não se admitiu tratar como stored comunications as
mensagens de texto e imagens extraídas de um aparelho de telefone celular por não se tratar de um prestador de serviço de comunicação.”282
O tema foi bem abordado no caso “konop v. hawaiian pela United states, que afirmou que, apesar de as mensagens eletrônicas, entre sua remessa e seu recebimento, serem armazenadas em vários computadores.” Claramente, o Congresso pretendeu dar uma menor proteção aos conteúdos armazenados do que àqueles que estejam em movimento.283
280
SIDI, Ricardo. A interceptação das comunicações telemáticas no processo penal. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.
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SIDI, Ricardo. A interceptação das comunicações telemáticas no processo penal. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.
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SIDI, Ricardo. A interceptação das comunicações telemáticas no processo penal. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.
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SIDI, Ricardo. A interceptação das comunicações telemáticas no processo penal. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016.
No Brasil, a ótica permanece a mesma, à medida que a interceptação telefônica e a aplicabilidade da Lei 9.296/1996 pressupõem a coleta no fluxo, de forma que “a obtenção do conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em aparelho de telefone celular ou smartphones não se subordina aos ditames [...]” dessa regra.284
A maioria das decisões pátrias atuais, ao menos em sede de Tribunais Superiores caminha, ainda que em curtos passos, para considerar “os dados armazenados nos aparelhos celulares decorrentes de envio ou recebimento de dados via mensagens SMS, programas ou aplicativos de troca de mensagens” (dentre eles o WhatsApp), e até mesmo o correio eletrônico protegidos pelo já comentado art. 5º, inciso X da CF/88.285
Em 2018, a Europa terá um sistema único de proteção de dados. O Conselho da Europa possui uma Convenção Cibernética singular no mundo, a de Budapeste.286 O questionamento que por ora importa é saber se o Brasil seguiu o exemplo norte-americano e qual tratamento dever ser ministrado para a busca de conteúdos hospedados em suportes físicos.
O correio eletrônico já fora a pedra angular das comunicações eletrônicas, mas, atualmente, cede espaço cibernético às comunicações telemáticas efetivadas por intermédio dos smartphones, sendo aquele primeiro uma parte integrante da engrenagem desses últimos.
Trata-se de serviços de Internet, “com algumas variantes e alterações específicas”, que procedem a comunicações, em tempo real, “com algumas frações de segundos de desfasamento, entre a remissão e recepção. Por intermédio de tais
284
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 77232. Recorrente: Yanka Guerra Torcatto. Recorrido: Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Relator: Ministro Felix Fischer. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 16 out. 2017c. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=RHC+77232&&tipo_visualizacao=RESUMO& b=ACOR>. Acesso em: 24 out. 2017.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 77232. Recorrente: Yanka Guerra Torcatto. Recorrido: Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Relator: Ministro Felix Fischer. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 16 out. 2017c. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=RHC+77232&&tipo_visualizacao=RESUMO& b=ACOR>. Acesso em: 24 out. 2017.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 24 out. 2017.
286
CONSELHO DA EUROPA. Convenção sobre o cibercrime. Budapeste, 23 nov. 2001. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/sci/normas-e-legislacao/legislacao/legislacoes- pertinentes-do-brasil/docs_legislacao/convencao_cibercrime.pdf?>. Acesso em: 24 out. 2017.
compartimentos e aplicativos mantem-se um diálogo interativo, com texto, imagem, áudio e envios de arquivos.”
3.6 BUSCA DE DADOS ESTANQUES E A (IN)DISPENSABILIDADE DE RESERVA