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Interconexões entre o público e o privado e a constituição de novas subjetividades infantis

A TRAJETÓRIA DA INFÂNCIA COMO PROBLEMA

2. Interconexões entre o público e o privado e a constituição de novas subjetividades infantis

(No século XVII na França) o êxito material, as convenções sociais e os di- vertimentos sempre coletivos não se distinguiam como hoje em atividades separadas, assim como não existia separação entre a vida profissional, a vida

privada e a vida mundana ou social.173

As sucessivas cartografias que se desenham com as transformações ocorridas a partir do século XVIII, vão possibilitar a invenção de um novo território para a criança: a in- fância, não somente como categoria social, mas psicológica, processo que se inicia desde fi- nais do século XVII, tendo sua culminância no século seguinte. A representação desta desco- berta pode ser destacada na obra de Velásquez, “As Meninas”,174 na qual ainda se pode ver a

dubiedade em relação à visibilidade da infância, quando a criança é apresentada não sozinha,

171 ARIÈS, 1978, p.134.

172 LA SALLE, J. B., 1713 apud ARIÈS, 1978, p.144. 173 ARIÈS, 1978, p. 239.

174 Essa obra é analisada por Foucault no livro As palavras e as coisas em uma outra perspectiva, diferente da leitu-

mas entre os adultos, dos quais ainda se assemelha na vestimenta, mesmo que os contornos corporais sejam agora representados de forma mais semelhante ao corpo infantil. A dubiedade continua quando se trata de considerá-la a figura para a qual todos os olhares se voltam: mes- mo que, fisicamente a criança seja o centro da cena do quadro, não se constitui no objeto cen- tral para o pintor ─ o qual na verdade pinta duas personagens históricas da época, que a crian- ça apenas contempla.

A constituição e o interesse crescente pela criança, caracterizado inicialmente por um deslocamento do sentido de um sentimento “lúdico”, nos séculos XI e XII, para uma visão da infância associada à inocência e fraqueza a partir do século XIII, se dá sob a influência dos moralistas e dos educadores. Mas é somente no século XVIII que a infância passa a ser singu- larizada, especificada; passa a ser objetivada como interesse psicológico e preocupação moral; a criança é um ser a quem é preciso disciplinar e racionalizar os costumes. “Era preciso antes conhecê-la melhor para corrigí-la [...] penetrar na mentalidade das crianças para melhor adap- tar a seu nível os métodos de educação [...] que se desenvolvesse nas crianças uma razão ain- da frágil e que se fizesse delas homens racionais e cristãos”.175

É importante destacar que o sentimento da infância inocente envolve uma dupla atitude moral: primeiro é crescente a preocupação de educadores, moralistas e famílias em cuidar para que a criança se afaste da “sujeira da vida”, principalmente no que diz respeito às questões relacionadas à sexualidade. Uma segunda preocupação da sociedade se referia ao fortalecimento da infância através do desenvolvimento do caráter e da razão; portanto, ino- cência e razão são valores que vão estar ligados na época no sentido de uma positividade e não de oposição.

No século XVII a visão da fragilidade da infância e conseqüentemente da necessi- dade das crianças serem cuidadas, orientadas, afastadas do mundo adulto ─ mesmo ainda com indícios e sob a influência de práticas de higienização ─ ainda é fortemente influenciada pela cristianização dos costumes como pode ser visto pela citação a seguir [“Se considerarmos o exterior das crianças, feito apenas de imperfeição e fraqueza, tanto no corpo como no espírito, é certo que não teremos motivos para lhes ter grande estima. Mas se olharmos o futuro e a- girmos sob a inspiração da fé mudaremos de opinião”]176; a ordem a partir da qual se inscreve

essa visão de uma infância a ser cuidada é fundamental para compreendermos os significados de sua entrada na escola.

175 ARIÈS, 1978, p.163.

A importância dessas considerações para a reflexão dessa parte da Tese está no fa- to de que é somente a partir do momento em que as sociedades reconhecem a especificidade da infância, de uma infância “inocente”, não dotada de razão e que precisa ser disciplinada, ou seja, quando a reconhecem como diferente dos adultos ─ e, portanto, necessário que deles se afaste ─ que surgem as instituições escolares.

A imagem graciosa e divertida que alguns membros das classes distintas a- tribuem às crianças pequenas nos inícios da idade moderna tenderá a desapa- recer sufocada pela concepção moral que da infância têm os reformadores. Os regulamentos dos colégios imporão às crianças uma disciplina severa,

instituindo sua permanente vigilância e cuidado.177

Neste sentido é fundamental compreenderemos a importância que veio a ter para o de- lineamento de todas essas transformações o surgimento na sociedade francesa da época ─ século XVII, XVIII ─ de uma preocupação higienista, a qual vem a substituir o respeito aos superiores nas sociedades de soberania e que aparece claramente na mudança de conteúdo dos discursos dos manuais de civilidade, entre os diferentes autores, e mesmo num mesmo autor, de uma para outra época.

Um manual de grande relevância à época178 ─ 1729 –, de autoria de La Salle, re-

comendava: “Evite produzir ruído quando assoar o nariz [...] Antes de assoá-lo, é indelicado passar muito tempo tirando o lenço do bolso. ‘Demonstra falta de respeito para com as pesso- as com quem se está’ desdobrá-lo em lugares diferentes para ver de que lado vai usá-lo’”.179

Cerca de meio século depois1(774), ao ser reeditada a mesma obra, ocorre uma mudança nas orientações sobre o mesmo comportamento: “Colocar os dedos dentro do nariz é uma impro- priedade revoltante e tocando-o com muita freqüência ‘incômodos podem resultar, que são sentidos durante muito tempo’” 180. De um comportamento inicial da família de “pararicação”

em relação à infância e depois de “inocência”, o século XVIII vai abrir uma outra perspectiva, com um investimento no corpo infantil, através da preocupação com a higiene e a saúde físi- ca.

Todas essas mudanças que se deram a partir do século XVI devem, portanto, se- rem compreendidas tendo como referencial a ruptura de um modelo social, político e cultural p.governo da sociedade, e todas as conseqüências que açambarcaram as formas de existência

177 ALVAREZ-URIA & VARELLA, 1991, p. 59.

178 Refiro-me à obra Les Règles de la bienséance et de la civilité chrétienne. 179 ELIAS, 1994 , p. 151 (grifos do autor).

nas sociedades que viviam esse processo. Uma nova ordem vai sendo aos poucos construída, abrangendo os múltiplos aspectos da convivência em sociedade e modificando os seus códi- gos culturais, entre eles os costumes ─ fundamentais para a aristocracia como elemento de distinção e a educação da infância, colocada como horizonte pela burguesia. Os aspectos mais diretamente ligados aos desejos e à convivência estreita dos indivíduos cedem lugar para o que Norbert Elias denomina “regularidades imanentes”; ou seja, a experiência ou o empírico são os elementos que definirão o ethos181 a partir do qual os comportamentos sociais se apoia-

rão. Mudam, portanto as formas de controle e as estratégias de disciplinamento sobre os indi- víduos.

São mudanças produzidas sob os efeitos das novas formas de sociabilidade, das relações entre os diversos estratos sociais, como a divisão de funções, a qual levou a um au- mento da produtividade do trabalho ─ condição fundamental para garantir a elevação do pa- drão de vida dos estratos sociais que cresciam numericamente ─ e à dependência dos estratos superiores da sociedade na sua relação com os indivíduos de outras camadas sociais. Ligadas à divisão de funções, viu-se igualmente um aumento da dependência recíproca entre contin- gentes populacionais, os quais, cada vez mais co-habitavam em espaços sempre maiores.

Todo esse movimento característico de um estágio adiantado do processo civiliza- tório, como a urbanização crescente e a divisão social do trabalho, intensificando os intercâm- bios sociais e impondo novas normas de relação, ocorrem paralelamente à formação dos Esta- dos ─ “com a formação de monopólios mais estáveis de força física e tributação, dotados de administrações altamente especializadas”,182 cujo efeito é um crescente estado de “segurança”

aos indivíduos. Essas mudanças fazem emergir no interior das relações sociais um maior con- trole dos indivíduos sobre si mesmos, um controle maior das paixões e das condutas e uma regulação das emoções e a partir de um determinado estágio, um autocontrole ainda maior.183

Elias184 vê nessas mudanças do processo civilizatório, no que diz respeito às rela-

ções entre as pessoas, e cujo efeito é a necessidade dos indivíduos de observarem e prestarem mais atenção aos outros e aos seus motivos, uma inscrição dos modos posteriores de observa- ção “psicológica”, já presentes nos manuais de civilidade, sobretudo nas reedições feitas a partir do século XVIII, como na obra pioneira de Erasmo, De civilitate morum puerilium, es-

181 O ethos refere-se “ao conjunto das disposições éticas que orientam as ações dos individuos”. SILVA, Tomaz

T. da. Teoria cultural e educação: um vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 56. Nesse sen- tido, ainda segundo o autor, por estar relacionado às disposições práticas ─ nem sistemáticas nem intencio- nais ─ é que o ethos se distingue da ética ou da moral.

182 ELIAS, 1993, p. 256. 183 ELIAS, loc. cit. 184 ELIAS, 1994.

crita em1530. Estão presentes fortemente nesse contexto ações que sinalizam uma retirada do indivíduo da multidão e a criação do sujeito individual, moldado ao outro e mais sensível às suas pressões.

Se nas sociedades aristocráticas de corte, as formas de controle exercidas sobre os indivíduos eram possíveis pela obediência e reconhecimento, portanto, digamos, por um con- trole exercido de fora, agora o que opera é o autocontrole exercido por indivíduos cada vez mais complexos e internamente divididos.

O prazer ou a inclinação do momento são contidos, reprimidos e dominados pela previsão de conseqüências desagradáveis, pelo medo de uma dor futura, [...] mesmo na ausência de outras pessoas. E é este o mesmo mecanismo a- través do qual os adultos ─ sejam eles os pais ou outras pessoas ─ instilam

um “superego” estável nas crianças.185

É no contexto dessas profundas transformações nas formas de relação de poder que caracterizam a aristocracia cortesã que as conexões causais se entrecruzam em torno das diferentes formas de sociabilidade e a vida em sociedade se torna mais previsível com a maior integração e dependência entre os indivíduos. Prepara-se o terreno fértil para a preocupação com a particularidade do indivíduo ─ a psicologização e racionalização das regras de conduta social. Predomina “a observação mais exata dos demais e de si mesmo em termos de uma série mais longa de motivos e conexões causais [...] o autocontrole vigilante e a ininterrupta observação do próximo figuram entre os pré-requisitos elementares para se preservar a posi- ção social de cada um”.186

A burguesia como nova classe de governo passa a definir os novos modos de con- duta e sociabilidade, os quais serão canalizados para as funções produtoras de renda e para a regulação do trabalho. Assim, as aptidões que garantiam uma posição de status nas sociedades de corte não são mais garantia de inserção e reconhecimento social. Novas aptidões são reque- ridas pelos estratos burgueses na construção da sociedade: “proficiência ocupacional, perícia na luta competitiva por oportunidades econômicas, na aquisição ou controle da riqueza sob a forma de capital, ou as qualidades altamente especializadas necessárias para o progresso polí- tico [...]”.187

185 ELIAS, 1993b, p. 227 (grifos do autor). 186 Ibidem, p. 228.

A nova organização da sociedade após a Idade Média, com o novo modelo de re- lações humanas, possibilita uma mudança importante já tratada por Foucault:188 aumenta o

controle sobre o próprio comportamento. Neste sentido, as transformações se concretizam na passagem da simplicidade e frouxidão em relação aos costumes ─ quando os assuntos íntimos e privados não estavam associados a sentimentos de vergonha e embaraço ─ para comporta- mentos sociais utilizados para controlar os impulsos infantis e forçar os jovens a reprimir o prazer: a restrição auto-imposta, o medo, a vergonha e a recusa a cometer qualquer infração vai aparecer como vergonha e medo a outras pessoas.189

Bastante elucidativo neste aspecto é a proliferação do discurso e das práticas higi- ênicas na vida das crianças. A referência a anjos da guarda como forma de controle sobre os desejos e impulsos das crianças diminui um pouco quando “‘razões higiênicas’ e de saúde recebem mais ênfase e se pretende obter um certo grau de controle dos impulsos e das emo- ções. Essas razões higiênicas passam, então, a desempenhar um papel importante nas idéias dos adultos sobre o que é civilizado”.190

A criação dos Estados e a ascensão da burguesia como classe governante vai debi- litar os poderes políticos da família, e assim as formas de controle se deslocam para o espaço privado da casa ─, cuja nova organização vai simbolizar o novo sentimento de intimidade, a privacidade de numerosos comportamentos antes vivenciados em grupo sem o menor controle e pudor ─ e da família, a qual se constitui em instituição dominante a garantir o disciplina- mento das crianças.

Com a interdependência gerada entre os indivíduos pelo crescente processo de di- visão do trabalho, as formas de normatização do comportamento ─ que Elias denomina de “segunda natureza” ─ vão ser inculcadas como um autocontrole automático, um hábito. “Só então a dependência social da criança face aos pais torna-se particularmente importante como alavanca para a regulação e moldagem socialmente requeridas dos impulsos e das emo- ções”.191 Essas transformações possibilitam a emergência de novas formas de relação, de soci-

abilidade. Neste sentido, os próprios indivíduos imporão restrições aos seus impulsos e emo- ções.

188 FOUCAULT, Michel. Genealogia e poder. In: FOUCAULT, Michel. Microfisica do poder. 15. ed. Rio de

Janeiro: Graal, 2000e.

189 ELIAS, 1994. 190 Ibidem, p.140. 191 Ibidem, p. 142.

Só nesse momento é que a armadura dos controles é vestida em um grau a- ceito como natural nas sociedades democráticas industrializadas, fazendo pa- recer que, os comportamentos socialmente desejáveis sejam gerados volunta- riamente pelo próprio indivíduo Era, pois necessário remover alguns com-

portamentos para o fundo da cena.192

Nada mais significativo neste sentido do que a obra “Emílio” de Rousseau, na qual a educação para o menino Emílio é prevista e descrita nos mínimos detalhes em estágios su- cessivos, para cada um dos quais está previsto o acesso a experiências diferenciadas.

Nesse processo de intensa e crescente normatização do comportamento dos indi- víduos, necessário à nova configuração social, já não se apela aos hábitos naquilo em que po- dem trazer de incômodo para o outro, mas por si mesmos. Desse modo, das crianças é exigida a conformação aos padrões sociais vigentes através da inculcação de preceitos de higiene, quando o discurso médico torna-se peça fundamental como forma de disciplinamento tanto quanto os antigos preceitos morais.

Todas essas transformações na estrutura social das sociedades ocidentais a partir do século XVII, representadas pela emergência da burguesia são fundamentais para a nova configuração que vai ser dada à infância a partir de então. Como nova organização social, a burguesia, ou mais especificamente a retórica e prática política burguesas conformavam a formação do Estado democrático. Num contexto das guerras de religião ─ a Reforma protes- tante e a Contra Reforma católica ─ são traçadas estratégias de governo envolvendo a cons- trução do Estado, e como peça fundamental nesse processo, a educação infantil.

Os novos territórios de socialização surgidos sob a influência da atuação maciça dos moralistas católicos se constituirão em um dos múltiplos e poderosos dispositivos a defi- nir e fixar as novas identidades sociais da burguesia.193 Para esses autores, a consideração da

infância burguesa se dá por ter sido o modelo de socialização triunfante; contudo, há que se considerar a existência de diferentes infâncias, como já foi destacado anteriormente e de mo- dos diversos de socializá-las, o que aparece claramente na literatura de época dirigida aos di- ferentes estratos sociais. Neste sentido, por exemplo, a literatura dirigida ao menino príncipe e ao nobre era bastante distinta da literatura da burguesia e da plebe; os tratados de educação dirigidos à educação dos primeiros é a Ratio Studiorum dos jesuítas, o qual dirigiu a educação dos colégios e das escolas por um longo período de tempo, através de suas regras de disciplina e controle rígidas.

192 ELIAS, 1994, p.155.

Que sentidos se ligam a essa descontinuidade essencial em relação à infância: da inexistência inicial de um território para a infância à indiferença marcante em relação à crian- ça na Idade Média, até as novas cartografias da infância na família e na escola com a moder- nidade, e às preocupações contemporâneas em classificá-la, em produzir seu esquadrinhamen- to pelas ciências modernas, as quais estão sempre criando novos territórios para a infância? Penso que o traçado desse percurso da infância ─ como problema secular e, principalmente da invenção da educação escolar ─ permitirá uma melhor compreensão das significações dos discursos sobre a necessidade de educação da infância, principalmente das crianças com histó- rias escolares “irregulares”, bem como das justificativas legitimadoras que têm tratado de uma posição-de-sujeito que “fracassa” na escola presentes ─ nos saberes distribuídos pelas ciên- cias humanas.

2. 1. Escola e disciplinamento ortopédico da infância

Retomando as considerações feitas ao final do item anterior sobre as profundas transformações ocorridas na estrutura social a começar do século XVI até o século XVIII, caracterizadas por mudanças e uma nova dinâmica entre os diferentes grupos sociais, conside- ro importante destacar alguns acontecimentos históricos que ajudaram na configuração de um novo quadro para o desenho da infância, cuja visibilidade social a partir da modernidade esta- va atrelada à necessidade de educá-la através da forma escolar.

Foucault194 situa essas mudanças a partir de um fato histórico, qual seja, a teoria

jurídico-política da soberania, nos seus múltiplos deslocamentos e segundo as transformações que iam se dando nas sociedades em termos de costumes, formas de sociabilidade, em arran- jos políticos, sociais e culturais diversos. São as descontinuidades na operacionalização dessa teoria em diferentes práticas discursivas ─ como mecanismo de poder da monarquia feudal à instrumento e justificativa para a constituição das grandes monarquias administrativas, e, pos- teriormente nas guerras de religião como instrumento amplamente utilizado seja pelos refor- madores protestantes, seja pelos católicos da Contra Reforma, ora limitando, ora reforçando o

194 FOUCAULT, Michel. Soberania e disciplina. In: FOUCAULT, Michel. Microfisica do poder. 15. ed. Rio de

poder real ─ que vão situá-la como “o grande instrumento da luta política e teórica em rela- ção aos sistemas de poder dos séculos XVI e XVII”.195

Essa mesma teoria que reativa o Direito Romano vai servir aos interesses da nova classe emergente, a burguesia, no seu projeto de construção das democracias parlamentares. Junto com essas mudanças estruturais, a educação da infância fora dos limites da família e da comunidade, bem como a instituição da família cristã aparecem como coadjuvantes, como dispositivos fundamentais das estratégias políticas desencadeadas para garantir e justificar a construção de uma sociedade pacífica e estratificada. Nesse sentido, a educação escolar é vista como um elemento importante quanto à perspectiva de futuro ─ da família, dos filhos ─ que ago- ra se coloca para a burguesia como preocupação e garantia para a consolidação do poder. Cuidar dessa infância e instruí-la, então, torna-se o núcleo a partir do qual a vida da família se organiza: “educar para o futuro” um “ser racional”, uma “criança calculável”, eis os elementos de constitui- ção do sujeito e da identidade modernos.

Em relação à dominação burguesa, Foucault desqualifica as análises ”descenden- tes” feitas por alguns estudiosos nas quais a burguesia em geral, como corporificação do po- der desde o século XVII teria na sua forma de dominação toda a responsabilização pela “bru- talidade” que caracterizou as relações de poder à época. Ao invés disso, propõe uma análise ascendente, a qual numa perspectiva genealógica, trata o poder segundo os mecanismos e téc- nicas infinitesimais que o engendram e que estão ligados à produção dos saberes; micro- poderes na sua relação com o poder do Estado, este o nível mais geral do poder.

Essa consideração é fundamental para a construção da Tese como um todo. Isso porque a intervenção metodológica realizada com a arqueologia e a genealogia do conceito de fracasso escolar recusa os discursos que partem de uma visão do poder como localizado em um agente especial e central ─ sem inclusive problematizar o próprio conceito como resultan- te de práticas culturais, políticas, sociais etc, construídas historicamente e fincado em relações

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