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Ao se trabalhar com configurações curriculares pautadas pela abordagem temática, um dos conceitos mais importantes que deve pautá-la e estar intrinsecamente ligado a ela é o da interdisciplinaridade. Na maioria dos

encaminhamentos da abordagem temática defende-se a superação da excessiva fragmentação disciplinar.

Auler (2007b) traça uma importante relação entre a abordagem temática e a interdisciplinaridade, dizendo que a primeira remete à segunda, ou seja, os temas, que são constituídos de problemas abertos, requerem a análise de vários olhares disciplinares articulados para respondê-los e solucioná-los.

Também é nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999, p. 18) que a interdisciplinaridade ganha dimensões marcantes ao propor-se uma reorganização curricular em áreas do conhecimento, com o intuito de facilitar o desenvolvimento dos conteúdos e a contextualização.

Uma boa definição para o conceito de interdisciplinaridade encontra-se nas palavras de Japiassu (1976), um dos autores que a trouxe para o Brasil, ao caracterizá-la pela “intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa”. O que esse autor quer é ligar as fronteiras das disciplinas, bem como seus esquemas conceituais e suas análises, a fim de propiciá-las uma maior integração e convergência.

Para auxiliar nessa definição, buscam-se as palavras das Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2008, p. 52) ao salientarem:

Não basta uma justaposição de várias disciplinas para atingir a competência crítico-analítica [...]. Trata-se da construção de um novo saber a respeito da realidade, recorrendo-se aos saberes disciplinares e explorando ao máximo os limites e as potencialidades da cada área do conhecimento.

Entre os motivos da adesão à interdisciplinaridade estão: a compartimentalização do conhecimento como propriedade da cada disciplina, a fragmentação do currículo escolar, a necessidade de serem inseridos velhos e novos conhecimentos em sabe se lá qual disciplina, a busca de novos nomes para as disciplinas para a formatação de currículos plenos e belos, a insatisfação constante com a organização do conhecimento e por aí a fora.

De forma geral, a interdisciplinaridade parece ser um grande avanço em relação ao tradicional ensino estruturado nas disciplinas, assim, dois motivos principais são apontados por Bucussi (2005) ao defendê-la como intervenção curricular no contexto escolar:

Em primeiro lugar porque não se prende apenas a conteúdos específicos e descontextualizados que devem ser “vencidos”, sugere a busca de temáticas gerais e que façam parte do interesse da comunidade escolar. Em segundo lugar, porque a interdisciplinaridade aponta para uma abordagem que integra com mais facilidade a ética, a estética e a política, com o conhecimento, superando a escola tradicional que trazia, instaurada em seu interior, uma ruptura com estes valores (BUCUSSI, 2005, p. 173).

Thiesen (2008), ao falar da origem da interdisciplinaridade diz que ela surgiu na segunda metade do século passado e emergiu numa perspectiva de dialogicidade e da integração das ciências do conhecimento, além de romper com o caráter de hiperespecialização e com a fragmentação dos saberes. Para este mesmo autor, ao se referir ao conceito de interdisciplinaridade diz que o mesmo ainda se encontra num processo de construção, ou seja:

Quanto à definição de conceitos, ou de um conceito, para a interdisciplinaridade, tudo parece estar ainda em construção. Qualquer demanda por uma definição unívoca e definitiva deve ser a princípio rejeitada, por tratar-se de proposta que inevitavelmente está sendo construída a partir das culturas disciplinares existentes e porque encontrar o limite objetivo de sua abrangência conceitual significa concebê-la numa óptica também disciplinar (THIESEN, 2008, p. 547).

É importante também, nesse sentido, salientar o que Huberman (1973, apud WEIGERT; VILLANI; FREITAS, 2005, p. 146) pressupõe para um avanço interdisciplinar: “uma outra atitude disciplinar, em que os alunos ganham mais liberdade de atuação em sala de aula, ou seja, o professor não prioriza o ‘aluno comportado’, mas sim o ‘aluno participante’”.

No sentido de corroborar com essa questão de mudança/atitude de caráter disciplinar para um enfoque mais interdisciplinar, Luck (2001) discorre sobre os desafios que os educadores enfrentarão nesta mudança, entre eles: a sobrecarga de trabalho; o medo de errar, de perder privilégios e direitos estabelecidos; o rompimento de hábitos e acomodações; e, a busca de algo novo e desconhecido.

Uma questão importante a ser frisada quando se trabalha com interdisciplinaridade é o trabalho coletivo dos educadores na escola, visto que esta prática deixa de ser uma agregação de falas isoladas para ser um conjunto de falas em torno de eixos comuns. Nesse sentido, o Movimento de Reorientação Curricular do município de São Paulo (1990), argumenta que:

O trabalho coletivo, é verdade, abre espaço para a participação, mas pede, em troca, a co-responsabilidade no planejamento, na execução, no registro e na avaliação do processo, tendo como pano de fundo a ação-reflexão- ação. O Trabalho coletivo leva as pessoas a se encontrarem mais, a se conhecerem e respeitarem, a trocarem experiências (SME/SP, 1990, p. 23- 24).

Dessa maneira, ressalta-se a necessidade do trabalho coletivo na escola entre os professores, mas também, desses trabalharem juntos/unidos com os alunos, conhecendo-se e se entrosando para, em conjunto, vivenciarem uma ação educativa mais produtiva e propiciadora de momentos de interdisciplinaridade.

Em suma, a interdisciplinaridade vista enquanto processo de ensino/aprendizagem e associada a novas configurações curriculares, como a abordagem temática, é necessária, segundo Torres Santomé (1998), porque:

 Permite articular no currículo as dimensões técnica, política, humana e social na perspectiva dos quatro pilares da educação (aprender a conhecer, a fazer, a ser, a conviver);

 Supõe um eixo integrador, como objeto de conhecimento, que deve partir da necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos de intervir na realidade social que rodeia;

 Leva em conta uma associação temática entre as disciplinas, a partir de um projeto de investigação voltado para o desenvolvimento de habilidades, com diferentes abordagens, evidenciando um conhecimento sistêmico da realidade.

Ressaltam-se, dessa forma, a correlação e articulação da interdisciplinaridade aos dois capítulos posteriores desta pesquisa.

É importante também salientar que para o sucesso de um trabalho interdisciplinar no ambiente educacional é indispensável uma proposta pedagógica que abarque as condições necessárias acima referidas. Daí a importância de aprofundar essa questão numa modalidade de ensino cujo currículo apresenta-se, geralmente, de forma mais flexível que é a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Essa modalidade de ensino será objeto de estudo e discussão da próxima seção.