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3.2 Discutindo o perfil docente com base na realidade e na literatura

3.2.2 Interesses e oportunidades culturais

Os processos de criação puramente artísticos ou mesmo aqueles situados na dimensão da arte-educação que são desenvolvidos em espaços extraescolares56, indicam que existem procedimentos criativos que necessitam adentrar os contextos educacionais formais “para que se torne viável a ruptura do esquema rígido imposto pela compartimentalização disciplinar, de maneira a favorecer uma prática de arte embevecida de cotidiano e vida” (SANTANA, 2010, p.11).

Partindo desse pressuposto, considerei relevante fazer o levantamento das principais formas de lazer que os professores desfrutam nos espaços extraescolares. O centro de observação, todavia, gira principalmente em torno das

56Posso elencar alguns exemplos: exposições, shows, circo, teatro desenvolvido em comunidades,

pedagogias teatrais desenvolvidas por grupos, recitais de poesia, festividades da cultura popular, etc.

atividades culturais e artísticas, às quais os professores se dedicam quando estão fora do seu ambiente de trabalho. Isso porque, baseada na literatura recente, considero inquestionável o fato de que as experiências estéticas e artísticas vivenciadas pelos docentes são de fundamental importância para a [re]construção do seu pensar e fazer artístico-pedagógico, principalmente quando a docência em arte encontra-se ambientada nos parâmetros da cultura contemporânea que tende a articular elementos provenientes de contextos diversos.

Percebendo-se como agente de sua própria mudança, o professor é impelido a desfrutar de experiências estéticas, artísticas e pedagógicas que poderão redimensionar seu olhar, suas ideias e consequentemente, sua prática educativa. Afinal, como proporcionar um ensino de teatro que possa dialogar efetivamente com aspectos culturais e com os processos criativos contemporâneos se o professor fica restrito aos conhecimentos propagados nos livros? É imerso no próprio ato criativo e na efervescência dos eventos artísticos que o docente desenvolverá seu gosto pelas artes, além de adquirir maiores subsídios que o auxiliarão no intercâmbio entre os conhecimentos conceituais, culturais, artísticos, estéticos e pedagógicos situados tanto no âmbito do saber erudito quanto no popular.

Dentre as questões essenciais para a docência em artes, Santana (2010), dentre outros autores, evidencia justamente que o professor, inserido num processo educativo pessoal, precisa adotar um perfil de artista-docente57, que fala, redige, lê e gosta de arte. E mais: afirma que é impossível para um professor ensinar qualquer que seja a linguagem artística sem que esteja vivenciando ou tenha vivenciado experiências estéticas relevantes.

Este posicionamento articula-se perfeitamente ao pensamento de Freire (1996, p. 22) quando alerta que “a prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”.

Somente assim o professor poderá adquirir aptidões que possam qualificá- lo como um profissional cuja função não seja limitada à propagação de conhecimentos teóricos sobre arte, mas que, além disso, seja focada na criação de

57O artista-docente, extrapolando a concepção do professor como mediador entre o aluno e o

universo da arte, passa a ser visto como a fonte do conhecimento em/através da arte. Ou seja, dotado de competências artísticas e pedagógicas, “ele tem a possibilidade de criar e recriar e, principalmente, de ‘propor’ – desta vez não somente um trabalho artístico eventualmente com um fundo educacional, mas um ‘trabalho artístico-educativo’” (MARQUES, 1999, p.113, grifo do autor).

um ambiente de aprendizagem mais dinâmico porque favorável à experiência artística e estética.

Os docentes investigados desfrutam de experiências estéticas fora do contexto escolar com menos frequência que a necessária. Esporadicamente vão ao teatro ou comparecem às exposições de arte. Ir ao cinema, realizar leituras, navegar na Internet, ver televisão, passear em shoppings e ouvir música são atividades vivenciadas com maior frequência, sendo que algumas delas como ir ao cinema e ao shopping ficam restritas aos fins de semana e feriados. Há que se ressaltar que quando acessam a Internet, passam a maior parte do tempo dedicando-se à troca de emails e à leitura de revistas e jornais. Quanto aos programas televisivos, os mais apreciados pelos entrevistados são os telejornais, filmes e novelas. Atividades como ir a shows, frequentar bibliotecas, bares, festas, boates e viajar fazem parte do universo dos professores entrevistados, embora de forma tímida.

Com base nessas informações, nota-se que o exercício educativo pessoal do professor, que tem como alicerce a vivência de experiências artísticas e estéticas fora do contexto escolar, ainda não é praticado a contento.

Durante o processo de coleta dos dados, dialogando com os professores sobre as questões contempladas nos questionários, pude perceber que os docentes não usufruem de experiências estéticas com maior frequência, devido, principalmente, ao pouco tempo que dispõem para tal. Geralmente, quando não estão no ambiente de trabalho, aproveitam para se dedicar à família, para colocar as tarefas escolares burocráticas em dia ou ainda para atividades de lazer mais descompromissadas.

Além disso, ficou evidente que os professores ainda não captam com muita clareza o grau de importância que as experimentações estéticas usufruídas fora da escola podem ter para o redimensionamento de suas práticas pedagógicas, pois não conseguem articular sistemática e pedagogicamente as suas experiências estéticas pessoais com os conteúdos formais.

Ao inquirir aos professores, por exemplo, a respeito de como a participação deles em eventos como Semana de Teatro, Semana de Dança do Maranhão e Mostra SESC Guajajara de Artes58 se conecta com o aprender e

58Em São Luís (MA) acontecem anualmente três eventos de grande proporção na área de teatro,

dança e artes em geral: Semana de Teatro, Semana de Dança do Maranhão e Mostra SESC Guajajara de Artes.

ensinar arte na escola, observei nos registros que a maioria reduz esta relação à possibilidade de proporcionar a ida dos alunos a estes eventos, o que é considerado, na abordagem aqui defendida, como uma prática de extrema relevância tanto para a formação de público quanto para a formação de espectadores, através de procedimentos de mediação conforme discutido no segundo capítulo.

O que estou querendo argumentar é que os professores, ao participarem de eventos desta natureza, seja na condição de espectador ou de artista, precisam estar conscientemente dispostos a perceber e vivenciar criticamente as imagens e formas teatrais, os processos criativos, as movimentações cênicas, os gestos dos atores em cena (inclusive os seus, se for o caso), as diferentes possibilidades de articulação dos elementos da linguagem teatral, a disposição dos elementos cênicos no espaço, os diferentes espaços utilizados para as encenações, a singularidade criativa na forma de abordar temas comuns, etc. Atentos a estes aspectos, refletindo sobre eles, os docentes ampliarão seu repertório artístico, estético e cultural e poderão lançar mão destes conhecimentos na sua prática pedagógica na sala de aula, articulando dessa forma, os conteúdos formais à sua vivência artística e estética pessoal.

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