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O sistema nervoso dos vertebrados é um órgão notavelmente complexo que consiste em uma rede intrincada de populações distintas de neurônios e células gliais de suporte, as quais formam circuitos neurais que permitem a sobrevivência do organismo. Este sistema elaborado

permite a comunicação entre os SNC e SNP via nervos periféricos, que são compostos de axônios motores e/ou sensoriais e suas glias associadas que se cruzam entre as duas porções do SN através de regiões especializadas conhecidas como zona de transição (ZT) (FONTENAS; KUCENAS, 2017). As fibras nervosas cruzam a ZT, sendo os oligodendrócitos e as células de Schwann responsáveis pela transição da mielinização no SNC e SNP, respectivamente (WANG et al., 2013). A ZT é uma região claramente definida onde as células gliais no SNC são separadas daquelas do SNP. Os axônios se projetam a partir da substância branca em feixes, saindo do osso que envolve a medula espinal, viajam pela ZT do SNC/SNP e finalmente adentram no SNP (HUANG; HUANG, 2006). Astrócitos se organizam no limite da superfície do SNC, constituindo uma estrutura transpassada por fibras mielinizadas e por pequenos feixes de axônios não mielinizados. Na transição de formação dos nervos periféricos, a glia limitante é geralmente mais volumosa do que aquela que presente no SNC. Ressalte-se que, na ZT, os tecidos nervosos central e periférico se interpõem e se sobrepõem. Assim, o início de cada raiz nervosa contém os dois tipos de tecido, tanto central quanto periférico. Os únicos elementos que atravessam completamente a ZT são os axônios. Aqueles que são mielinizados têm um nó de transição na interface SNC/SNP. As bainhas de mielina que fazem essa delimitação são formadas por células de Schwann e por uma unidade mielinizante oligodendrocítica centralmente (FRAHER, 2000). Os neurônios motores migram para alcançar seu destino final e estendem seus axônios para a periferia através de brechas na margem da medula espinal conhecidas como pontos de saída motores (PSM) das ZTs, enquanto seus corpos celulares permanecem no SNC. Os axônios sensoriais aferentes derivados nos neurônios sensoriais no SNP entram na medula espinal através de locais conhecidos como zonas de entrada da raiz dorsal (ZERD), que também são caracterizados por lacunas na lâmina basal da medula espinal (FRAHER, 1997). Estas ZTs refletem uma barreira altamente seletiva entre as duas metades do SN, segregando não apenas neurônios e axônios, mas também glia central e periférica. Em mamíferos também é encontrada uma barreira astrocítica nas ZTs (FONTENAS; KUCENAS, 2017).

1.5 – SINAPSES E PLASTICIDADE

Os neurônios encontram-se organizados em circuitos e comunicam entre si através de sinapses químicas. A sinalização neuronal envolve os seguintes passos: a propagação de um potencial de ação ao longo do processo axonal de um neurônio para um terminal pré-sináptico (que traz o sinal), a despolarização do terminal e liberação de neurotransmissores num espaço

muito delgado entre os dois terminais, chamado de fenda sináptica, a ligação dos neurotransmissores liberados aos receptores na membrana pós-sináptica de outro neurônio (onde é gerado um novo sinal), e a subsequente despolarização (caso o neurotransmissor seja excitatório) desse segundo neurônio, propagando ainda mais o sinal. Os neurotransmissores geralmente são sintetizados no corpo neuronal e armazenados em vesículas no terminal pré- sináptico até serem liberados na fenda através da exocitose durante a transmissão do impulso nervoso (ALLEN; BARRES, 2009; BEAR et al., 2007).

O glutamato é atualmente tido como o principal neurotransmissor excitatório no SNC. Durante a neurotransmissão glutamatérgica normal, o glutamato é liberado dos terminais pré- sinápticos em resposta à despolarização e atravessa a fenda sináptica para ativar os receptores pós-sinápticos, que são divididos em dois principais tipos: os que se encontram ligados à proteína G - chamados metabotrópicos - e os que formam canais iônicos, chamados ionotrópicos. Estes últimos podem ser receptores não-NMDA (AMPA e Kainato – canais permeáveis à Na+ e K+) e NMDA (canais permeáveis à Ca2+, NA+ e K+). É comum que durante lesões nervosas ocorra uma estimulação excessiva de receptores NMDA, devido ao excesso de glutamato, promovendo a entrada exacerbada de íons Ca2+ na célula, resultando na chamada excitotoxicidade glutamatérgica, que causa danos ao tecido nervoso. O glutamato deve ser empacotado em vesículas sinápticas para posteriormente ser liberado na fenda sináptica. As moléculas conhecidas por serem as responsáveis por esse processo são chamadas de vesículas transportadoras de glutamato 1 (VGLUT1) (HEATH; SHAW, 2002; SHAW, 1994).

No sistema nervoso central dos mamíferos, GABA e glicina são os principais neurotransmissores inibitórios. Na medula espinal, receptores GABA podem mediar a inibição pós-sináptica através da abertura de canais seletivamente permeáveis aos íons Cl- e K+, permitindo que esses ions transitem através da membrana. Quando a ligação de GABA aos seus receptores mantém o potencial pós-sináptico mais negativo do que o limite, diminuindo a chance de o neurônio pós-sináptico completar um potencial de ação, ocorre uma hiperpolarização (SUR; MCKERNANL; TRILLER, 1995).

Para controlar a excitabilidade neuronal, é fundamental que receptores GABA funcionais para sinapses estabeleçam e mantenham a transmissão inibitória, ou seja, a estabilidade de receptores GABA nas sinapses inibitórias são vitais para o controle da estabilidade neuronal no SNC. Sendo assim, o agrupamento de receptores nas membranas pós-sinápticas influencia muito na transmissão sináptica, e a capacidade de alterar a taxa e aumento da expressão do receptor nas sinapses é provavelmente um fator pós-sináptico importante subjacente à

plasticidade sináptica (THOMAS et al., 2005). Foi observado no estudo de Gupta et al que cada classe de formas de interneurônios se sincroniza com uma dinâmica temporal altamente específica em um determinado neurônio alvo (princípio de mapeamento de sinapses), sugerindo que as sinapses GABAérgicas restringem o impacto funcional de diferentes interneurônios de acordo com o tempo preciso dos potenciais de ação. Descobriram também que a natureza fenotípica dos neurônios pré e pós-sinápticos está envolvida na geração do tipo de sinapse formada, levando à supor que as interações entre dois neurônios poderiam ampliar a diversidade sináptica (GUPTA; WANG; MARKRAM, 2000).

O GABA (γ-ácido aminobutírico) é sintetizado através de uma reação enzimática catalisada pela L-glutamato descarboxilase (GAD) em neurônios pré-sinápticos. Existem duas isoformas de GAD, que são codificadas por dois genes: GAD65 e GAD67. O GAD65 está concentrado nos terminais nervosos em associação com as vesículas sinápticas, e alterações na função neuronal podem regular a síntese de GABA, alterando GAD. Foi demonstrado que o GAD é regulado pela fosforilação reversível e que suas duas principais isoformas – GAD65 e GAD67 - também. Em adição à isto, um influxo de Ca2+ pode dar início à um mecanismo que leva à ligação das vesículas sinápticas de GAD65 e subsequente ativação através da fosforilação por uma proteína quinase associada à membrana, levando à um aumento na síntese de GABA do transmissor (DAVIS; WU, 2001; JESSEN et al., 1979; SCHAFER; JONES, 1982).

A plasticidade neuronal é usada para descrever uma grande variedade de alterações na estrutura e função neuronais, e também é utilizada para descrever alterações bioquímicas e até morfológicas. Há estudos que evidenciam que as neurotrofinas (NTs) estão envolvidas nesses aspectos específicos da plasticidade neuronal (THOENEN, 1995).

A modulação da plasticidade neuronal através da modificação das NTs - genes de fatores de crescimento do nervo – é uma faceta relativamente nova. Essa suspeita se instaurou a partir da observação de que a síntese de NTs, em particular o fator neurotrófico derivado do cérebro (BNDF) e o fator de crescimento nervoso (NGF), é regulada muito rapidamente através da atividade neuronal. No entanto, outras moléculas como neuropeptídeos e citocinas também cumprem o papel modulatório (THOENEN, 2000).

Após uma lesão, a remodelação estrutural e funcional dos circuitos do SN é possível graças à plasticidade. Quando a lesão envolve a interrupção do contato entre o motoneurônio e as fibras musculares, os botões pré-sinápticos presentes na superfície da célula axotomizada sofrem retração. Além disso, após o período agudo pós-lesão, ocorre perda significativa dos inputs, diminuindo ou até anulando temporariamente a transmissão sináptica (DELGADO- GARCIA et al., 1988; PURVES, 1975). Na medula espinal, o número de contatos sinápticos

no corpo dos motoneurônios do tipo alfa e a região proximal de seus dendritos apresenta uma redução. Sabe-se que existe uma perda preferencial de inputs excitatórios dos motoneurônios, deixando os mesmos sob maior influência dos inputs inibitórios durante o processo de reparação, acarretando uma mudança no metabolismo desses MN para um estado em que o principal objetivo seja sobreviver e produzir novos axônios (CARLSTEDT, 2009). Assim, a célula lesada passa a apresentar um domínio de inputs inibitórios, refletindo uma reorganização sináptica em resposta à lesão, acarretando numa mudança metabólica de um estado de transmissão sináptica para um estado de recuperação dos axônios acometidos pela mesma (LINDA et al., 2000).

1.6 – DIMETIL-FUMARATO

Fármacos compostos por fumaratos são potentes agentes terapêuticos que influenciam múltiplas vias celulares. Fumaratos ésteres, particularmente o DMF, são terapêuticos aprovados para o tratamento das duas maiores doenças autoimunes – Esclerose múltipla e psoríase (GILLARD et al., 2015). O Dimetil-fumarato modifica quimicamente a proteína Keap1 (Kelch-like ECH-associated protein-1), proporcionando a estabilização e a translocação nuclear do Nrf2 (nuclear factor erythroid 2-related factor 2) com elevada diminuição da ativação de uma cascata de várias vias citoprotetoras e antioxidantes (KOBAYASHI et al., 2015).

O DMF estimula a via de ativação de respostas antioxidantes através da ativação do Nrf2, o qual pode influenciar a produção de citocinas pró-inflamatórias (GILLARD et al., 2015). O seu efeito imunomodulatório atua por conta da redução de citocinas (IL-2, IL-4, IL-5, IL-6, IL-17 e TNF- ) em células imunes B e T, ativação ou supressão de células dendríticas (MHCII e MHCI), além de reduzir a migração das células imunes para o tecido. (ALBRECHT et al., 2012; MAGHAZACHI; SAND; AL-JADERI, 2016; VANDERMEEREN et al., 2001). Com o seu potencial antiinflamatório, anti-oxidante e pró- metabólico numa variedade de tipos celulares, o DMF pode inibir a resposta imune e exercer um efeito benéfico na atividade inflamatória (REICK et al., 2014; SCANNEVIN et al., 2012; SCHILLING et al., 2006). Seus efeitos neuroprotetores prolongam a sobrevivência e viabilidade da mielina dos axônios e neurônios e reduzem a inflamação da medula espinal em muitos modelos animais (SCHILLING et al., 2006).

Em virtude da eficácia clínica e segurança do DMF no tratamento da esclerose múltipla, existe uma grande expectativa no desenvolvimento de compostos fumarato de próxima

geração e no aumento do uso de fumaratos para novos tratamentos clínicos onde seu mecanismo multifuncional pode proporcionar novos benefícios (FOX et al., 2012; GILLARD et al., 2015).

A interação do DMF com o microambiente medular e seus efeitos sobre a sobrevivência neuronal e plasticidade sináptica em motoneurônios lesados devem ser estudados, incluindo análises funcionais, pois ainda existe uma grande incerteza entre a melhora funcional e a determinação dos reais mecanismos e efeitos a longo prazo envolvidos na administração do DMF para o sistema nervoso.

Certamente, nossos resultados servirão de base para o melhor conhecimento do DMF na regeneração nervosa e poderão contribuir para o futuro emprego clínico desta abordagem terapêutica, preenchendo uma importante lacuna nos procedimentos reparativos, após este tipo de lesão.

Sabendo que o esmagamento de raízes ventrais é um dos modelos de lesão mais utilizados pois causa a axotomia das fibras, mas preserva a membrana das células de Schwann, novas estratégias e terapias precisam ser desenvolvidas para o reparo dessas raízes. É nesse âmbito que será testada a utilização e eficácia do tratamento com DMF, como alternativa na regeneração dessas raízes, servindo como elemento neuroprotetor e imunomodulador, através de análises de sobrevivência neuronal, preservação sináptica, astrogliose, microgliose e inflamação.

2- JUSTIFICATIVA

Lesões medulares são um importante problema na área médica e seu reparo é ineficiente. A atividade sináptica, por sua vez, pode ser afetada devido à diferentes lesões na interface do SNC e SNP, como doenças neurodegenerativas e tumores. Sendo a capacidade regenerativa do SN é um processo complexo e limitado, esse sistema se mostra altamente sensível à lesões (MORAN; GRAEBER, 2004). Por isso, modelos experimentais de lesões medulares têm sido desenvolvidos para se estudar e melhor avaliar os mecanismos envolvidos na sobrevivência e regeneração neuronal. Os esforços atuais têm se concentrado em prover novas técnicas e tratamentos, e o esmagamento das raízes ventrais medulares, com posterior tratamento com a droga imunomoduladora dimetil-fumarato (DMF), é um potencial seguimento para estudo, pois estudos realizados com essa droga têm mostrado um aumento da capacidade regenerativa dos neurônios lesionados. Dada sua eficácia clínica, existe uma grande expectativa no desenvolvimento de compostos derivados do ácido-fumarico de próxima geração e no aumento do uso de fumaratos para novos tratamentos clínicos. Seu efeito neuroprotetor e imunomodulador estimula respostas citoprotetoras e antiinflamatórias, e assim o DMF pode diminuir os processos de neurodegeneração e inflamação que sucedem a lesão medular, otimizando a recuperação, devido ao fato de inibir a produção de citocinas inflamatórias e estresse oxidativo.

Ainda existe uma lacuna entre a melhora funcional e a determinação dos reais mecanismos de ação e efeitos a longo prazo envolvidos na administração do DMF para o sistema nervoso, por isso sua interação com o microambiente medular e seus efeitos sobre a sobrevivência e regeneração neuronal e a plasticidade sináptica em motoneurônios lesados devem ser estudados.

Em virtude da eficácia clínica e segurança do DMF no tratamento da esclerose múltipla, existe uma grande expectativa no uso de fumaratos para novos tratamentos clínicos, onde seu mecanismo multifuncional pode proporcionar novos benefícios (FOX et al., 2012)(GILLARD et al., 2015). Assim, nossos resultados servirão como base para o melhor entendimento do DMF na regeneração nervosa, podendo contribuir para o futuro emprego clínico desta abordagem terapêutica.

3-OBJETIVOS

3.1- OBJETIVOS GERAIS

Analisar os efeitos do tratamento com a droga imunomoduladora DMF, na sobrevivência e regeneração neural após o esmagamento das raízes motoras medulares L4, L5 e L6 de animais C57BL/6J adultos.

3.2- OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Avaliar a sobrevivência neuronal em animais submetidos ao esmagamento das raízes motoras medulares L4, L5 e L6 e tratados com DMF (15, 30, 45, 90 e 180mg/kg) através da coloração de Nissl;

- Avaliar a recuperação funcional dos animais submetidos ao esmagamento das raízes motoras medulares L4, L5 e L6 e tratados com DMF (15, 30, 45, 90 e 180mg/kg) através da capacidade motora, Walking track test (Catwalk) e teste de von-Frey;

- Avaliar o efeito do tratamento com DMF (90mg/kg) em animais submetidos ao esmagamento das raízes motoras medulares L4, L5 e L6 à nível imunoistoquímico, empregando-se anticorpos para identificar sinapses e reação glial;

- Avaliar o efeito do tratamento com DMF (90mg/kg) em animais submetidos ao esmagamento das raízes motoras medulares L4, L5 e L6 na produção de citocinas pró e anti- inflamatórias através da análise por qRT-PCR.

4- MATERIAIS E MÉTODOS

Machos de camundongos C57.BL/6J obtidos do Centro Multidisciplinar para Investigação Biológica (CEMIB) com cinco semanas de idade foram vermifugados e ao atigirem 8 semanas e peso corporal de aproximadamente 25g foram submetidos à axotomia de suas raízes motoras. Os experimentos foram conduzidos seguindo-se as normas de ética na experimentação animal, tendo sido aprovados pelo comitê de Ética em Experimentação Animal (CEUA – Unicamp, protocolo: 4561-1/2017).

Todos os animais tiveram suas raízes nervosas motoras L4, L5 e L6, na região da intumescência lombar do lado direito, esmagadas por 3 vezes de 10 segundos com pinça número 4 (n=7, por grupo experimental). O lado não esmagado de cada animal foi utilizado como controle interno para análise dos resultados.

Os grupos, tempos de sobrevida pós-lesão e técnicas utilizadas ao longo do trabalho estão indicadas na tabela 1. Semanas (Protocolos)

Dose

2

(PCR)

4

(Imunohistoquímica/ Nissl/ Comportamento)

8

(Imunohistoquímica/ Nissl/ Comportamento)

Veículo

7 7 7

Não Lesado

7 - -

DMF

15mg/kg - 7 - 30mg/kg - 7 - 45mg/kg - 7 - 90mg/kg 7 7 7 180mg/kg - 7 -

Tabela 1. Grupos experimentais e tempos de sobrevida após o esmagamento das raízes L4, L5 e L6 motoras, administração do DMF via gavagem (n=7 por dose, sendo o DMF diluído em solução 0,08% de metil celulose), e técnicas utilizadas em cada grupo, bem como o objetivo de estudo de cada uma delas.

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