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INTERLÚDIO EUROPEU E A QUEDA DE WALL STREET

Entre a primeira e a segunda temporada em Hollywood, Fitzgerald passou maior parte do tempo na Europa, maioritariamente em França, da Riviera a Paris, onde os sinais de esquizofrenia de Zelda começaram a manifestar-se, acabando por ser internada um período na Suíça. Durante este tempo, Fitzgerald trabalhou no seu livro seguinte – Tender is the Night – cujo processo de escrita foi moroso, por um lado, pela ansiedade de escrever um livro que ultrapassasse Gatsby, já considerado o seu melhor trabalho, por outro lado, pelo processo de deterioração do seu casamento com Zelda, assim como os problemas pessoais e financeiros de ambos. Contudo, durante este período, Fitzgerald escreveu alguns dos seus melhores contos, mesmo que fossem escritos por vezes com a urgência e pragmatismo das necessidades financeiras de pagar a um especialista e o internamento na Suíça de Zelda, ou a renda do apartamento em Paris.

Em alguns dos contos deste período, Fitzgerald reflecte sobre a sua versão da lost

generation, cuja caracterização estava em discordância com Gertude Stein, considerando ele

“perdida” a geração que antecede a que fez a guerra e depositando esperança na geração pós- guerra, como fica expresso em “The Swimmers”, num momento em que o protagonista parte da América para França e reflecte sobre o seu país, comentando que: “there was a lost generation in the saddle at the moment, but it seemed to him that the men coming on, the men of the war, were better” (The Short Stories, 512). Curiosamente, este conto, cuja história deposita uma esperança em que a prosperidade dos Estados Unidos alcance uma maturidade que permita a concretização do seu idealismo, é publicado a 19 de Outubro de 1929, uns dias antes do crash da bolsa e da entrada dos Estados Unidos na “grande depressão”. Se considerarmos “The Swimmers” o conto paradigmático do auge da prosperidade norte- americana, pouco tempo mais tarde, Fitzgerald escreverá o conto que será o paradigma do pós-crash: “Babylon Revisited”, que esta dissertação “revisitará” mais à frente, aquando da análise ao trabalho de adaptação de Fitzgerald do seu próprio conto para guião cinematográfico.

A queda de Wall Street não prejudicou directamente Fitzgerald, que não jogava na bolsa, mas, indirectamente, iria afectá-lo e a toda a geração de escritores que viveu o período dourado das publicações literárias centradas em Nova Iorque e que levaria muitos dos seus contemporâneos a procurarem uma saída financeira em Hollywood.

Nos finais de 1931, Fitzgerald regressou a Hollywood para uma segunda tentativa como argumentista, desta vez para escrever um filme para Jean Harlow. Apesar de a princípio um pouco relutante, por não querer deixar Zelda e recear atrasar ainda mais a finalização do seu novo livro, Fitzgerald acabou por aceitar, quando a oferta de salário aumentou para 1200 dólares por semana (num total de cinco semanas) – oferta que foi possível apenas porque Irving Thalberg queria impreterivelmente Fitzgerald para o trabalho. Talvez pela admiração que Fitzgerald tinha por Thalberg, para além do óbvio atractivo financeiro, o escritor acabou por aceitar.

Esta segunda estada em Hollywood voltou a não resultar num projecto cinematográfico assinado por Fitzgerald – uma rescrita posterior por Anita Loos acabou por ser o guião usado para o filme – contudo, como em quase todas as experiências de Fitzgerald, positivas ou negativas, de uma forma ou de outra acabam por encontrar uma expressão na sua ficção. No caso, a partir de uma humilhante cena que protagonizou em casa de Thalberg

(embriagado, a cantar uma interminável canção sobre um cão, que levou alguns dos presentes à exasperação, inclusive apupando-o33), Fitzgerald escreveu um conto paradigmático da sua experiência em Hollywood: “Crazy Sunday”. No conto, ele próprio, e algumas das figuras que se encontravam nessa festa, transmutadas em personagens de ficção, são os protagonistas de uma história em que para além da humilhação ébria do protagonista (reflectindo os problemas de Fitzgerald com o álcool, numa festa semelhante à de Thalberg), o tema central acaba por ser o conflito matrimonial entre um realizador de cinema supostamente infiel e a sua mulher, ciumenta, que decide vingar-se. Fitzgerald teve dificuldade em vender o conto, uma vez que as publicações tinham receio em ofender alguém em particular que pudesse sentir-se retratado no texto, nomeadamente Thalberg – embora Fitzgerald tenha afirmado que misturou bastante as referências para que ninguém se sentisse retratado. Contudo, o mais importante neste conto, é o facto de lançar o mote para o que mais tarde viria a ser The Love of The Last

Tycoon. Entre outros elementos que iriam ser desenvolvidos a partir deste conto para o

romance inacabado, existe inclusivamente um acidente de avião que tanto em “Crazy Sunday”, como em Tycoon, constitui um twist essencial para o clímax (ou anti-clímax) da história – embora em Tycoon esse final não tenha chegado a ser escrito, apesar de estar planeado nas notas de Fitzgerald. Já lá chegaremos, mas no entretanto, vale a pena transcrever a abertura de “Crazy Sunday”, que revela um autor que escreve já com familiaridade sobre o cinema e a vida em Hollywood:

It was a Sunday–not a day, rather a gap between two other days. Behind, for all of them, lay sets and sequences, the long waits under the crane that swung the microphone, the hundred miles a day by automobiles to and fro across a country, the struggles of rival ingenuities in the conference rooms, the ceaseless compromise, the clash and strain of many personalities fighting for their lives. (Stories, 698)

Fitzgerald regressou à Costa Leste, com dinheiro para pagar mais umas contas e dedicar-se, finalmente, a terminar o livro que já tardava em sair. No entanto, assim como o protagonista de “Crazy Sunday” termina o conto a prometer “I’ll be back–I’ll be back!”, Fitzgerald ainda voltaria, por uma última vez, a Hollywood.

33 Apesar de ser referido em vários textos e biografias de Fitzgerald, o episódio é relatado com mais pormenor

em Crazy Sundays de Aaron Latham, em que não deixa de ser significativa a escolha do título para a esta biografia do período de Fitzgerald em Hollywood.