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Antes do derradeiro regresso ao cinema, Fitzgerald iria primeiro publicar mais um livro, mas se com Gatsby tinha conseguido um prodígio de simplicidade e consistência narrativa, em Tender is The Night, talvez pelo longo período de escrita, talvez pela ansiedade e angústia do que escrever a seguir a uma obra-prima, resultou no seu oposto, em termos narrativos e no que respeita ao estilo e conteúdo.

O percurso de Tender is The Night foi longo e acidentado. Fitzgerald começou por escrever a história de um operador de câmara, que passou a ser realizador e por fim médico. Durante quase uma década de gestação e de escrita – como recorrente na sua obra (excepto em Gatsby) – as transmutações auto-biográficas foram encontrando os seus lugares no livro, muitas vezes com muito pouca transmutação, e passando a um relato quase directamente biográfico, não fossem os nomes fictícios das personagens. O período que o casal Fitzgerald passou na Riviera francesa, Suíça e Europa em geral, as histórias dos expatriados, e o desmoronar de um casamento em que a mulher do protagonista – Dick Diver – sofre de um caso clínico de doença mental, assim como o fascínio do próprio Diver pelo cinema (personificado no romance com a jovem actriz Rosemary), são tudo elementos retirados directamente da vida do autor (inclusive o episódio de um “screen test” a que, assim como Dick Diver, Fitzgerald se submeteu, aquando da sua primeira visita a Hollywood). Mas esta proximidade biográfica não tornou necessariamente a obra mais “verdadeira” - pelo menos, de acordo com Hemingway, que numa carta a Fitzgerald sobre Tender afirma: “You cheated too damn much in this one. And you don’t need to”34.

Em retrospectiva, se em This Side Of Paradise alguma inconsistência de ponto de vista e de forma narrativa era compensada pela prosa pujante e honesta de um jovem escritor à procura da sua voz (que em The Beautiful and Damned se torna mais madura – se bem que mais cínica e negra – e em Gatsby parece ter atingido a simplicidade de uma voz esclarecida que já não precisa de efeitos para ser original), em Tender is the Night a voz perde-se para, ao invés, termos uma indefinição de narrador e do próprio autor. Como assinala Wheler Wiston Dixon: “Fitzgerald, as narrative persona, allows himself to adopt a broad range of perspectives from which he, not the characters within the text, view the work’s

development” (42), chegando em certas passagens a dirigir-se directamente ao leitor ou a expressar o que o leitor deverá pensar ou sentir em determinados momentos, resultando num constante afastamento ou aproximação da distância a que se situa o narrador omnisciente.

Independentemente do que os leitores e críticos julguem do resultado deste novo romance de Fitzgerald, no que toca a esta tese – a relação com o cinema e a inter-relação do texto com uma linguagem mais cinematográfica – Tender is The Night será a obra onde menos correlações se poderão encontrar. Dixon resume bem essa questão quando escreve, ainda a propósito da indefinição autoral:

In fact, Fitzgerald is providing a critique of his own composition, allowing himself to speak directly to his readers and also acting as his own critic. It would be extremely difficult to translate this strong authorial presence within the narrative into the syntactical structure of film35.

(Dixon, 43)

Apesar de não receber ofertas dos estúdios de Hollywood para a compra dos direitos deste seu último livro, Fitzgerald, em colaboração com Charles Warren, escreveu um tratamento que o seu agente tentou vender para o cinema, mas sem sucesso.

Este tratamento encontra-se no rolo microfilme 33A da já citada Colecção Especial da Biblioteca de Princeton e nele podemos verificar algumas opções narrativas que me parecem pouco consistentes, como por exemplo, a doença mental de Nicole, que na versão filme é causada por um acidente de ski: os ferimentos que sofre na cabeça levam-na a apresentar alguns sinais da loucura. Perante isto, a família de Nicole quer “comprar” Dick para ser seu marido e, como médico, assim poder ficar a tratar dela para sempre, mas Dick parte de férias de bicicleta pela Suíça o que permite Fitzgerald escrever uma frase que se podia tornar num dos seus aforismos: “Bicycling is not the best thing in the world to take a man’s mind off a woman”.

Por outro lado, a meio do tratamento, Fitzgerald interrompe o fluxo narrativo para a seguinte nota, em que, ao apresentar uma ideia no mínimo peregrina de sinopse (a introdução de uma música), acaba por reflectir sobre as diferenças entre a prosa literária e a escrita para cinema):

This treatment must be broken off for a moment to explain the intention of what comes next. In the book, Tender is the Night, there is much emphasis on the personal charm of the two Divers

35 Excepção poderia ser feita, por exemplo, ao cinema de Woody Allen ou até outros autores menos

convencionais, mas nesta tese estamos a cingir-nos sobretudo ao cinema clássico de Hollywood, e a análise de Dixon é limitada à obra de Fitzgerald e seus contemporâneos.

and of the charming manner in which they’re able to live. In the book this was conveyed largely in description, “fine writing,” poetic passages, etc. It has occurred to us that a similar effect can be transferred to the spectator by means of music, and to accomplish this we have interpolated in the way to shown below a melody written and copyrighted by Charles M. Warren.

Now go on with the treatment.

O tratamento não foi aceite por nenhum dos estúdios e igualmente inglória foi a tentativa de adaptação para o teatro, entregue ao dramaturgo Robert Spafford, que segundo Bruccoli nem chegou a ser terminada (Epic, 381).

Com o problema da saúde mental de Zelda a piorar e as finanças arruinadas, Fitzgerald estava prestes a entrar no período mais negro da sua vida, fechando assim o seu “primeiro acto” com um plot point dramático: