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INTERLOCUÇÕES TEÓRICAS: POSSIBILIDADES DE REPENSAR O OUTRO

Sobre os outros que somos e os outros que nos tornamos

Musa de Whistler, de Auguste Rodin (1907)

Em algum dia acontecido no ano de 2003, a arte e a vida do escultor francês Auguste Rodin seria exposta no Museu de Arte do Rio Grande do Sul ( MARGS). Meu pai, homem de olhares sempre curiosos e abertos ao novo, ao ainda-não-conhecido, convidou-me para acompanhá-lo na visita ao museu. O escultor, sobre quem já havia estudado na Escola de Belas Artes, em Rio Grande, far-se-ia ali presente por meio de sua obra “palpável” aos olhos. Seria uma presença em alma que, embora ao alcance das mãos, não poderia ser sentida pela pele. Eram os olhos dos visitantes que a “tocariam” em um gesto de profundo respeito ao

artista que ali se apresentava, ainda que não por meio de sua própria face. Seria a obra a “falar” sobre seu próprio criador.

Admirar a obra exigia-nos ficar a contemplá-la em uma posição física quase que de imobilidade. Movimentos mais bruscos poderiam afastar a atenção e perderem-se, assim, os detalhes buscados.

Caminhava por entre esculturas e também textos escritos. Lia sobre a vida de Rodin, seus feitos, fracassos, amores, dores. Foi especialmente um comentário feito por Gustave Geffroy, crítico de arte, que chamou minha atenção. Disse ele, em resposta à crítica proferida pela imprensa em relação à falta de braços na Musa de Whistler (1907): “lamento a ausência de braços. É compreensível [...] Mas antes de lamentar o que não está, que nos deixem admirar o que é”.

A “ausência” incomodava. O “todo” precisava ser visto para que não se perdesse o valor da arte, sendo transmitida a mensagem de que, fora da totalidade de uma arte finita, não há glória que possa ser encontrada pelo artista. E não foi uma mensagem “nova” escutada por Rodin. Já O Homem de Nariz Quebrado (1864), não havia sido aceita no Salão de Paris, pois foi considerada pelos júris como um esboço, algo inacabado.

A idéia do considerado como “ausência” implica a caracterização do ser humano como um “esboço” daquilo que será quando, enfim, estiver “completo”. Parte de um conceito de que ele é composto de partes conectadas entre si e de que precisa que cada peça esteja devidamente encaixada para que, então, seja considerado acabado. Esta idéia muito me remete à concepção do analfabeto enquanto sujeito “incompleto”, que ainda não “é”, como se lhe estivesse faltando um “pedaço” para, então ser alguém de fato.

O comentário do crítico de arte Gustave Geffroy foi como que um convite para pensar em uma questão que, já na época, estava inquietando-me: o que vale como “ausência”, o que é considerado “presença”, ao refletirmos sobre os sujeitos humanos? Um dos aspectos que entra

em questão ao pensarmos sobre esta temática é o modo como olhamos tais sujeitos, ou seja, a partir de que perspectiva e subjetivados por quais concepções.

É precisamente a respeito destes olhares que busco desenvolver o presente capítulo, cercando-me de discursos que falam sobre exclusão, identidade, representação e alteridade como um meio de chegar aos questionamentos que seus estudos proporcionam a respeito dos sujeitos humanos e o quê de humano preservam em suas discussões. Neste limiar, busco sempre enfocar questões relacionadas ao alfabetismo, mais especificamente às populações analfabetas, pretendendo lançar reflexões sobre os modos como têm construído suas identidades por meio das representações que lhes são atribuídas, representações estas que direcionam olhares para as ausências destes sujeitos, percebendo-os sem rosto, sem história, sem corpo, sem existência até, mas especificamente como excluídos que preenchem as estatísticas de analfabetismo.

Pensar o outro como excluído é, desde já, partir de uma representação que lhe é atribuída. Não vejo, porém, outra maneira de questionar os discursos dominantes, que depositam nas populações excluídas (as ditas minorias sociais, que formam a maioria do quadro social atual), uma carga de negatividade, de falta de elementos que devem ser anexados ao seu ser e que correspondam a uma idealização identitária construída fora dos sujeitos a que se referem.

Argumento, aqui, que tal idealização não está direcionada a um ideal de equiparação entre todos, mas sim a uma reprodução incessante das identidades excluídas como tal. Essa reprodução garante lugares de privilégio discursivo, social, econômico e político àqueles cujas características são hierarquicamente definidas como superiores, dentro de um determinado contexto social, e pretende travar qualquer possibilidade de serem encontradas brechas para que o outro excluído pense em sua condição de exclusão.

Quem são os sujeitos da exclusão? Certamente, dados estatísticos podem capturá-los por meio de índices numéricos que ganham visibilidade nos gráficos. Pessoas transformam-se em números e passa-se a falar, por exemplo, em analfabetismo, não nos analfabetos que

realmente existem e nas condições históricas e sociais que produziram este estado de ausência

das habilidades de ler e de escrever. Mais que isso, passa-se a falar em analfabetos, e não em sujeitos capazes de dizerem-se a si a partir de suas próprias palavras. Suas palavras, então, são seqüestradas em nome de uma política discursiva que resguarda o status de dizer quem é valorizado e quem deve, por meio de suas ausências, possibilitar que os sujeitos no ápice da pirâmide social lá permaneçam.

Em se tratando de “estatísticas”, não desprezo a importância de pesquisas quantitativas para que se obtenha um indicativo, ainda que não completo, de áreas sociais onde planejamentos concretos necessitam ser pensados como via de melhoramento da qualidade de vida da população. O que questiono é a maneira como tais dados constroem uma visão que anula os seres humanos como sujeitos históricos. Por diversas vezes verificamos uma certa, diria, “bondade”, na maneira como os dados são quantificados, mostrando índices de desenvolvimento que se distanciam das realidades que buscam quantificar.

Esta “generosidade” pode ser utilizada de uma forma manipulativa, como, por exemplo, o índice divulgado pelo Banco Mundial, o qual registra que 14 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza. Aplicando um índice positivo de 70% a tal registro, o Centro Internacional de Pobreza, um órgão ligado ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), questiona o método utilizado pelo Bird e diz que 24,3 milhões de brasileiros enfrentam esta realidade17! Um número consideravelmente superior e

que a “gentil” metodologia utilizada por aquele órgão desejou camuflar. Quem são, para o Banco Mundial, estas pessoas que foram excluídas até mesmo dos índices dos excluídos?

As discussões possibilitadas por Skliar (2003, p.84) a respeito dos sujeitos da exclusão contribuem para a aproximação de uma alternativa de resposta. Diz o autor que tal noção é:

[...] uma noção sem sujeito, ou melhor dizendo, como um sujeito que ao ser pensado/percebido/olhado/produzido/representado como excluído é subentendido como um sujeito sem corpo, sem sexo, sem rosto, sem gênero, sem língua ou que algo falta em seu corpo, em seu sexo, em seu rosto, em seu gênero, em sua língua.

Sujeitos são substituídos por “números e estatísticas” (SKLIAR, p.85), são quantificados e reduzidos a expressões que calculadoras são capazes de capturar. São amordaçados socialmente e culpados por um atraso que não se limita somente às suas vidas pessoais mas, mais enfaticamente, ao desenvolvimento de seu país. Em São José do Norte, mais de 15 milhões de pessoas (IBGE, 2000) são reduzidas a uma expressão numérica, os analfabetos deste Brasil, os “carentes” que, como anunciado na campanha de alfabetização inaugurada pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso e administrada pela então primeira dama, Ruth Cardoso, necessitam ser “adotados”. São sujeitos que o são na medida em que o outro, superior e alfabetizado, o faz ser, o ensina a ser.

A transformação destes sujeitos em estatísticas acaba por atribuir-lhes um novo rosto. Suas vidas, assim, são contadas por meio do que dizem lhes faltar, das culpas que passam a lhes serem atribuídas, por meio da imagem representativa de que são “acomodados”, “sem motivação”, “sem perspectiva de vida”.

Silenciar o questionamento das possíveis causas históricas e sociais que produzem a exclusão é uma estratégia de, fixando-se no presente, alimentar a idéia de que as “realidades” vivenciadas são produzidas aqui e agora, perdendo-se, assim, o sentido de qualquer argumento crítico que remeta à historicidade da construção de “moldes” de ser humano.

Ao invés disso, a proclamação dos privilégios de um mundo globalizado que a tudo e a todos acolhe arremessa às sociedades uma política de “naturalização” da diferença, distanciando-se dos fatores históricos, políticos e sociais que as legitimam. É o mundo das máscaras, do “tapinha nas costas” do desempregado, prometendo-lhe um trabalho em épocas de eleição, das ilusões possibilitadas pelas políticas de globalização (ou seria “americanização”?). Um mundo, nas palavras de Skliar (2003, p.80), do politicamente correto.

O mundo do politicamente correto é um mundo onde seria melhor não nomear o negro como negro, não chamar o deficiente de deficiente, onde não seria melhor chamar o índio de índio. É o mundo do eufemismo, do travestismo discursivo. Não nomeá-lo, não dizê-lo, não chamá-lo mas manter intactas as representações sobre eles, os olhares em torno deles.

Em se tratando especificamente de discussões a respeito do analfabetismo, é possível dizer que as campanhas de alfabetização lançadas pelo Governo Federal como, por exemplo, o PAS (Programa de Alfabetização Solidária), são de curta duração e com um programa que se dirige, a meu ver, exclusivamente à redução do quadro de analfabetos absolutos no Brasil. Não existe um real investimento de esforços para a conversão dos programas em políticas públicas de educação de jovens e de adultos.

Em decorrência disto, aumentam os contingentes de analfabetos funcionais que não representam um “grito de horror” no momento em que são divulgados resultados decorrentes das campanhas de alfabetização ditos como positivos. São sujeitos lançados para fora da tabela estatística, na esperança de que não façam muito barulho e, especialmente, não esmaeçam “tão belas” conquistas no momento de divulgá-las para países de Primeiro Mundo (GOMES, 2001).

Alguns esforços são investidos na contramão das estatísticas governamentais, as quais acabam camuflando certas realidades. Refiro-me, aqui, aos estudos realizados pelo Instituto

Paulo Montenegro- Ação Social do IBOPE e da ONG Ação Educativa, o qual contempla informações mais qualificadas a respeito de “habilidades e práticas relacionadas à leitura, escrita e matemática da população brasileira” (RIBEIRO, 2003, p.09). Os resultados divulgados pelo INAF 2000 (Índice Nacional de Analfabetismo Funcional em 2000), apresentaram um resultado de 18% para a população brasileira de 15 anos e mais incluída no contingente de analfabetos funcionais em uma amostragem de 2000 cidadãos. São pessoas que têm de um a três anos de estudo e que possuem limitadas capacidades de ler e escrever.

Os dados divulgados pelo INAF, ainda que não sejam referentes a censos, uma vez que não dizem respeito ao total da população, muito contribuem para que sejam problematizadas questões relativas à escolarização da população brasileira em seus níveis básicos, ampliando a discussão sobre o analfabetismo. Não consideram apenas números por si só, mas sobretudo a qualidade das habilidades de leitura, escrita e matemática no enfrentamento das situações cotidianas.

O índice de analfabetos absolutos no Brasil foi estabelecido, pelo último censo (IBGE, 2000), em 13,63 % da população de 15 anos e mais, ou seja, 16,295 milhões de brasileiros não sabem ler e escrever. São estes os índices divulgados pelo governo, demonstrando o quão importante foi a queda do índice de analfabetos no Brasil no último século (ANEXOS 1 e 2). O que vale salientar é o fato de que este índice refere-se ao analfabetismo absoluto e que, no momento em que considerarmos o acesso da população à escolarização básica, os números serão ampliados18. Números que se referem a pessoas. Pessoas que são substituídas por números.

A situação quanto à qualidade da alfabetização no Brasil ganhou um maior destaque quando, em 2005, o Instituto Paulo Montenegro divulgou que somente 26% da população brasileira tem domínio pleno das habilidades de leitura e escrita. Dizer isto significa enfatizar

18 Para maiores informações a respeito de análise de dados estatísticos referentes à realidade educacional

que 74% dos brasileiros participantes da pesquisa não foram capazes de interpretar o que estavam lendo, fazendo-o, assim, de forma apenas a reproduzir o lido pela linguagem oral. O que entra em questão, também, é a qualidade do ensino brasileiro, não somente em nível básico, mas também nos diversos outros níveis escolares. São setenta e quatro por cento de analfabetos funcionais que não necessariamente têm um nível mínimo de quatro anos de escolarização19.

Traversini (2003), em análise a respeito do PAS que compôs sua tese de doutorado20,

traz uma outra contribuição no que se refere à “avalanche de números expressos”, termo que toma emprestado de Hacking, para a delimitação dos espaços sociais considerados problemáticos. Por meio de uma análise inspirada em Foucault, a autora expressa a idéia de que tais estatísticas possibilitam o mapeamento das “comunidades problemáticas que necessitam de intervenção para atingir a normalização”. Tal fato gera um campo de aparecimento de uma “mentalidade para produzir, conduzir e administrar os tipos de problema que atingem o indivíduo e a população e que se conformam como obstáculos ao desenvolvimento e à prosperidade de uma nação” (ibidem, p.40).

Tais “obstáculos” são produções que, na maioria das vezes, são atribuídas ao próprio sujeito pobre, analfabeto, desempregado, especialmente se a combinação da “raça negra” com estes fatores for presente. Passamos a referir-nos, então, a “[...] um outro mensurável, um outro obscenamente quantificável, sem rosto, sem língua, sem corpo ou mesmo com um rosto, uma língua e um corpo devidamente medidos” (SKLIAR, p.75), medida esta construída com base na crença de um mito ideal do ser humano: branco, heterossexual, alfabetizado. Neste sentido,

Então já não importa o outro da indolência, o outro da violência, o outro dependente das drogas, o outro da deficiência, o outro da

19 De acordo com o IBGE, são consideradas analfabetas funcionais as pessoas com até quatro anos de

escolarização.

20 A citada tese foi defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob a orientação do Prof. Dr.

infância, o outro da língua, o outro da aprendizagem, o outro inominável, o outro irredutível: aquilo que interessa é a sua medição, o outro estatistizado e o eterno retorno à eugenia dos corpos, das almas e das mentes (SKLIAR, 2003, p.75).

Este “outro inominável’, que os conceitos estatísticos não são capazes de capturar, justamente porque estão para além deles, é aprisionado em representações que estipulam modos de ser e de viver limitantes e possíveis; que, articulando as estratégias oferecidas pelas relações de poder, o nomeiam, o subjetivam. É um outro, então, sem acolhimento social ético. Cabe esclarecer, aqui, que o conceito de “identidades” que utilizo procede dos estudos de Hall (2000, p.112), definindo-as como “pontos de apego temporários às posições-de-sujeito que as práticas discursivas constroem para nós”. São, segundo ele,

[...] as posições que o sujeito é obrigado a assumir, embora “sabendo”, sempre, que elas são representações, que a representação é sempre construída ao longo de uma “falha”, ao longo de uma divisão, a partir do lugar do Outro e que, assim, elas não podem, nunca, ser ajustadas -idênticas- aos processos de sujeito que são nelas investidos.

Em “Identidade Cultural na Pós-Modernidade”, Hall (1998) distingue três concepções de identidade em que os sujeitos são posicionados de modo particular. Amplia a questão trazida pelo modelo identitário preconizado pela Modernidade e caracterizado como “sujeito do Iluminismo”, em que sua identidade é composta a partir de uma essência imutável. Acrescenta duas outras concepções, as quais chamou de “sujeito sociológico” e “sujeito pós- moderno”.

Se, no sujeito do Iluminismo, a identidade aparecia como um “núcleo” de característica imutável, no sujeito sociológico é motivada pelas relações sociais mediadoras de valores, sentidos e símbolos. A identidade, então, não mais é percebida como uma construção exclusiva do sujeito, mas sim como emergente de uma interação entre tal sujeito e a sociedade. Ainda que permanecendo com um “eu real”, é possível a sua formação e

modificação por meio de um diálogo contínuo “com os mundos culturais ‘exteriores’ e as ‘identidades’ que esses mundos oferecem” (ibidem, p.11).

Ampliando este conceito, Hall identifica o sujeito da pós-modernidade, que nasce em um momento cultural em que a identidade não mais é considerada estável e imutável, tornando-se fragmentada e, assim, pluralizando-se. Passa-se a falar, então, em “identidades” que, inclusive, podem ser contraditórias. Hall (1998, p.13) expressa que:

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se ampliam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar- ao menos temporariamente.

A idéia de que somos constituídos a partir de identidades que representam determinadas posições de sujeitos é enfaticamente presente na atual sociedade. É uma idéia divulgada no momento em que somos identificados socialmente por meio, por exemplo, da posição social e econômica que ocupamos.

As discussões sobre identidade, na perspectiva de Hall (2000, p.108), necessitam ser vinculadas aos

[...] processos e práticas que têm perturbado o caráter relativamente ‘estabelecido’ de muitas populações e culturas: os processos de globalização [...] e os processos de migração forçada que têm se tornado um fenômeno global do assim chamado mundo pós-colonial.

A idéia de uma identidade unificada, neste sentido, é interpelada por novas paisagens que se constituem no mundo atual, paisagens estas que possibilitam o esmaecimento das identidades unificadas e produzidas através de um estável conceito de realidade.

Mas, mais do que uma construção do presente, as identidades são forjadas e celebradas, de acordo com Hall (2000, p.109), por discursos construídos em “locais históricos

e institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas específicas, por estratégias e iniciativas específicas”.

A “aceitação” deste ou daquele formato de ser é veiculada pelo sujeito quando, a partir de um processo de identificação, encontra um lugar para si, ainda que não por ele desejado e construído, mas, ainda assim, “aceito”. Tal como diz McLaren (2000b, p.34), “como regra geral, consentimos em assumir posições de sujeito que nos são familiares e nas quais nos sentimos confortáveis”. Atribuo este sentido de confortabilidade não somente a uma consciência ou escolha do próprio sujeito, mas precisamente à idéia de que tais escolhas são limitadas por um discurso anulador das diferenças. Nas palavras do autor,

Mesmo que o posicionamento corporificado de qualquer identidade de cidadão tenha um efeito inegável naquilo que pode ser dito, a democracia tem, entretanto, criado identidades formais que dão a ilusão de identidades enquanto simultaneamente apagam a diferença (McLAREN, 2000a, p.73).

Neste contexto, as questões que problematizam o papel dos processos de globalização vivenciados na atualidade entram em questão. Em um mundo onde cada vez mais as fronteiras econômicas e sociais têm-se dito em superação, ganha destaque o argumento de que os espaços mundanos estão possibilitando a aproximação das sociedades por meio de uma crescente busca por inter-relações humanas não limitadas a um único território nacional. O que, afinal, está sendo globalizado? As oportunidades de conquistas de patamares mais justos de vida? Trata-se de uma globalização onde as culturas locais são valorizadas em suas especificidades? Ou seria um processo de globalização da cultura do dominador? Em que sentido tal aspecto influencia na construção de novas identidades?

Boaventura de Souza Santos (2002) diz que, por meio do processo de globalização da economia, passa a existir um hiato cada vez maior entre os padrões econômicos e os padrões sociais, hiato este em que se aprofunda a distância entre países desenvolvidos e

subdesenvolvidos, apesar do discurso globalizante pretender a venda de uma idéia justamente oposta a esta.

Santos traz à discussão a idéia de que o processo de globalização intensifica a integração entre países “da tríade das regiões mais desenvolvidas constituída pelos Estados Unidos, pela União Européia e pelo Japão” (ibidem, p.171), já que são potências econômicas