4 CASUÍSTICA E MÉTODOS
5.5 INTERNAÇÕES DE PACIENTES IDOSOS
Houve um total de 643 (13,8%) internações de pacientes idosos (60 anos ou mais),
cujo número aumentou progressivamente ao longo do período do estudo (Gráfico 24). O
principal diagnóstico nestas admissões foi o de doença não infecciosa (150 ou 23,3%),
seguido de infecção de partes moles (90 ou 14,0%), pneumonia (73 ou 11,4%), aids (50
2 5 6 12 22 58 42 55 65 56 65 0 10 20 30 40 50 60 70 <1 1-4 5-9 10-14 15-19 20-29 30-39 40-49 50-59 60-69 >69
ou 7,8%), tuberculose (39 ou 6,1%), leptospirose (20 ou 3,1%), meningoencefalites (18
ou 2,8%) e tétano (10 ou 1,6%) (Tabela 8).
Gráfico 24 - Serviço de Infectologia/HUAP - Admissões de pacientes com idade acima de 60 anos (1995-2016).
Tabela 8 - Serviço de Infectologia/HUAP: Principais causas para a internação de pacientes idosos (n= 643).
Diagnóstico Principal N %
Causas não infecciosas* 150 23,3
Infecções de partes moles 90 14,0
Pneumonia 73 11,4 Aids 50 7,8 TB pulmonar/extrapulmonar 39 6,1 Leptospirose 21 3,3 Meningoencefalites 17 2,6 Tétano 10 1,6
Diagnóstico com frequência < 4% 193 30,0
TOTAL 643 100,0
* Neoplasias 38 (25,3%); atos cirúrgicos 23 (15,3%); cardiopatias 16 (10,7%); outras 73 (48,7%) 34 18 23 20 23 25 17 27 27 35 26 31 30 23 14 22 31 26 47 46 44 53 0 10 20 30 40 50 60 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 20 11 20 12 20 13 20 14 20 15 20 16
6 DISCUSSÃO
Observou-se neste estudo uma drástica redução das doenças preveníveis por
imunização ou por medidas de saneamento público, como o tratamento da água e do
esgoto. Observou-se simultaneamente um aumento da participação da aids e das causas
não infecciosas. Estas últimas passaram a ser ainda mais frequentes após os progressos
que, introduzidos no tratamento da aids, resultaram em maior sobrevida e menor
morbidade entre esses pacientes. O surgimento de uma demanda referenciada pelo
Serviço de Infectologia por casos de alta complexidade também contribuiu para
determinar este perfil de atendimento.
As cinco principais causas de internação no trabalho de Setúbal (1996) foram tétano
(11,2% das admissões), meningoencefalite bacteriana (8,3%), difteria (7,7%), sarampo
(5,7%) e aids (5,3%). Esta última teve importante participação, considerando que só
esteve presente nos últimos dez dos 30 anos estudados. Naquele estudo, todas as outras
causas de admissão tiveram frequência menor que 5%. Destas causas, apenas a aids
permaneceu, no presente estudo, como uma das principais razões para a admissão
hospitalar. A aids respondeu, de 1995 a 2016, por 28,0% das admissões. Seguiram-se as
causas não infecciosas (9,5%), as meningoencefalites de qualquer etiologia (9,3%), as
infecções de partes moles (9,1%) e a tuberculose (5,8%).
Com o avanço do Programa Nacional de Imunizações (Brasil, 2015) e a
consequente redução da circulação dos agentes responsáveis pelas doenças cobertas pelo
programa, houve notável redução da incidência das doenças preveníveis por imunização
na comunidade, processo que se refletiu na redução das admissões de doenças como, por
exemplo, o sarampo. De fato, houve apenas nove admissões por sarampo durante o
epidemia nacional de 1997. Dados obtidos da COVIG não registram nenhum caso
confirmado de sarampo no período de estudo. O controle do sarampo exige uma elevada
cobertura vacinal, pois há possibilidade de surtos mesmo quando somente 10% da
população não está imunizada (Oliveira, 2015). Em 1997, o Brasil vivenciou uma
epidemia de sarampo, período em que o Serviço de Infectologia do HUAP detectou 21
dos 45 casos de sarampo confirmados no Município de Niterói, o que demonstra a
capacidade do Serviço de refletir o comportamento das doenças nos municípios de sua
abrangência. (Oliveira, 2001).
Outras doenças cuja menor incidência pode ser justificada pelo Programa Nacional
de Imunizações, instituído no nosso país em 1973 (Brasil, 2013) e há mais de 30 anos em
constante processo de expansão e aprimoramento são o tétano, a difteria e a coqueluche.
O primeiro Calendário Nacional de Vacinação, instituído em 1977, tornou
obrigatórias quatro vacinas no primeiro ano de vida: BCG, vacina oral contra poliomielite
(VOP); a vacina contra difteria, tétano e coqueluche (DTP); e a vacina contra o sarampo.
Em 1986 foi introduzida a vacina contra a hepatite B. Em 1992 foi iniciado o Plano de
Controle e Eliminação do Sarampo, responsável pelo bloqueio da circulação autóctone
do vírus no ano 2000. No mesmo ano foi introduzido o Plano de Eliminação do Tétano
Neonatal. Somente em 1995 a vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola)
foi acrescentada ao calendário (Brasil, 2013).
É mérito do Programa Nacional de Imunizações a frequência decrescente de
doenças como o sarampo, difteria, tétano, coqueluche e meningoencefalites. Setúbal
(1996) documentou 958 internações por tétano, ao passo que a mesma doença motivou
apenas 18 internações entre 1995 a 2016, uma queda de 98,1% no número de casos
internados em razão desta doença. A difteria causou 654 admissões e a coqueluche 99 no
admissões no presente trabalho, o que representa, ainda respectivamente, uma queda de
97,1% e 79,8% no número de admissões. Os poucos casos de difteria documentados no
presente estudo concentraram-se nos primeiros três anos avaliados, ao passo que a
coqueluche teve distribuição regular ao longo do estudo, com um ligeiro aumento das
admissões coincidindo com a elevação da incidência da doença no Brasil, entre 2011 e
2015 (Brasil, 2017 c).
As meningoencefalites foram as doenças que apresentaram, na comparação entre
os dois estudos, a maior redução do número de internações. Correspondiam, no trabalho
de Setúbal (1996), à causa de admissão mais frequente, responsável por 1611 (18,7%)
admissões, ao passo que no presente estudo motivou apenas 432 (9,3%). Nos primeiros
anos deste estudo houve aproximadamente 60 admissões por meningoencefalite a cada
ano. Este número caiu progressivamente até atingir 10 admissões por ano em 2015 e
nenhuma em 2016. A letalidade foi de 8%, bastante inferior à de 23% encontrada por
Setúbal (1996). Contudo, tais valores não podem ser comparados, visto que Setúbal
considerou apenas os casos de etiologia meningocócica em seus cálculos. Se
compararmos as faixas etárias acometidas nos dois trabalhos, observa-se que houve um
discreto deslocamento dos casos para faixas etárias acima de 29 anos de idade, o que pode
ser justificado pelas modificações introduzidas mais recentemente no PNI, que só
beneficiaram as gerações mais novas.
O comportamento da doença foi semelhante ao apresentado no restante do
município de Niterói, mas, naturalmente, os números são menores (COVIG, 2017).
Atribui-se a acentuada queda observada aos esforços das campanhas de vacinação. O PNI
aprovou a Campanha Nacional de Combate à Meningite em 1974. Em 1999 estendeu suas
ações à população idosa e introduziu a vacina antipneumocócica para idosos
contra o Haemophilus influenzae b em 1999. Em 2012, na Campanha Nacional de
Multivacinação, ofertaram-se todas as vacinas recomendadas no calendário infantil de
vacinação (Brasil, 2013).
Apesar da sua menor incidência em idosos, as meningoencefalites apresentaram,
na faixa etária acima de 69 anos, a elevada letalidade de 60%. A letalidade observada nas
faixas etárias mais novas foi de cerca de 10%. Em consonância com o estudo dos casos
de meningite bacteriana comunitária em idosos ocorridos ao longo de 30 anos, feito por
Cabellos e colaboradores (2009), observou-se no presente estudo uma maior letalidade
em pacientes idosos. Cabellos e colaboradores (2009) concluíram que, nessa população,
a meningite bacteriana se associa a maior dificuldade de diagnóstico, a uma maior
gravidade neurológica e a complicações. De acordo com esses autores, a doença é mais
agressiva nos extremos etários. Apenas cinco (1,2%) casos de meningoencefalite foram
diagnosticados em idosos acima de 69 anos no presente estudo. A raridade da doença
nesta faixa etária, o atraso do diagnóstico, e evolução mais rápida para um óbito precoce,
podem ter contribuído para reduzir o número de pacientes que, não fossem estes fatores,
seriam referenciados ao Serviço.
A tuberculose foi uma das poucas doenças infecciosas com tendência ao aumento
do número de casos durante a maior parte do período do estudo. Até 2012 houve um
aumento do número de admissões por tuberculose em pacientes com e sem aids. O
pequeno aumento do número de admissões observado no presente estudo contraria os
dados apresentados pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2018b) que demonstram uma
redução discreta, porém progressiva, dos casos confirmados de tuberculose no Brasil e
Rio de Janeiro. Os dados mostram que houve, no Estado do Rio de Janeiro, queda
progressiva dos casos da doença de 16.968 casos em 2001 para 13.766 casos em 2017.
Nacionais de Controle da Tuberculose, conforme publicado pela OMS (2018). Esse
orçamento manteve-se em um patamar mais elevado até 2013, quando iniciou queda
progressiva até 2016.
A tuberculose superou recentemente a aids como a doença infecciosa mais mortal
no mundo (OMS, 2016). A conjunção de crises, desemprego e pobreza, além de
comprometer o financiamento à saúde, piorou o acesso à alimentação, à habitação, ao
saneamento básico, à educação e ao sistema de saúde. A previsão do sanitarista da Fiocruz Paulo Buss é a de que “se o Brasil não tiver sistemas de proteção social fortes, capazes
de mitigar os efeitos da crise econômica sobre a qualidade de vida da população, as taxas
de morbidade e mortalidade por tuberculose crescerão muito nos próximos anos” (Basilia,
2017).
A leptospirose, por sua vez, apresentou queda do número de admissões apenas nos
últimos 10 anos. Tal queda foi de menor intensidade em comparação àquela apresentada
pelas doenças preveníveis por imunização. Possivelmente, as mudanças relacionadas a
melhorias urbanas de saneamento e de manejo das águas pluviais tenham tido menor
impacto na demanda da enfermaria do que aquelas resultantes do Programa Nacional de
Imunizações. Outra possibilidade é a de que a população atendida pelo HUAP tenha sido
menos contemplada pelas melhorias supracitadas. No entanto, a queda da demanda, mais
expressiva na última década do estudo, está em concordância com os dados apresentados
pela COVIG (2017), o que sustenta a última hipótese, a saber, que tais melhorias urbanas
tenham sido implementadas de forma mais expressiva nos últimos 10 anos.
Ainda em relação à leptospirose, um achado intrigante foi o de uma letalidade
maior do que a encontrada anteriormente. No presente estudo a letalidade foi de 16,3%,
sem aumento com o passar dos anos, ao passo que, no trabalho de Setúbal (1996) foi de
Síndrome do Desconforto Respiratório do Adulto relacionada à hemorragia alveolar por
leptospirose e a quadros pulmonares gravíssimos desta doença. Alguns autores já tinham
alertado sobre as mudanças recentes dos padrões respiratórios da leptospirose, com casos
mais graves nas últimas décadas, nem sempre associados à forma ictérica (Pereira et al.,
2007). Observou-se, também, importante aumento da letalidade da leptospirose nas faixas
etárias mais altas, variando de 10,5% entre os pacientes com idade entre 20 e 29 anos, a
20,9% em pacientes com idade entre 20 e 49 anos, e chegando a 28,6% nos pacientes com
50 ou mais anos de idade. Este achado é semelhante ao de Setúbal (1996) que descreveu
o dobro da letalidade na faixa etária de 50 a 59 anos (23,1%) anos, quando comparada à
dos pacientes entre 40 e 49 anos de idade (10,3%).
A febre tifoide, por exemplo, responsável por 123 admissões no HUAP de 1965 a
1994 (Setúbal, 1996), motivou apenas três internações no presente estudo: uma em 1997,
outra em 1998 e uma última em 2003. Tal queda, assim como a da leptospirose, também
pode ser justificada por melhorias de saneamento e manejo das águas pluviais.
A população do presente estudo foi predominantemente composta de residentes de
Niterói e São Gonçalo, possivelmente devido à proximidade entre os municípios e à falta
de oferta de um serviço público de infectologia neste último (SIERJ, 2018). No trabalho
de Setúbal (1996), 33% das admissões correspondiam a pacientes provenientes de São
Gonçalo e 40,8% a pacientes provenientes de Niterói. Considerando que esse trabalho
abrangeu os anos de 1965 a 1994, houve um aumento relativo da participação de São
Gonçalo na demanda pelo atendimento no HUAP nas últimas duas décadas, nas quais
36,4% das admissões eram provenientes de São Gonçalo e 39% de Niterói.
Possíveis causas para tais tendências da demanda seriam: (a) o crescimento
populacional de São Gonçalo, proporcionalmente maior que o de Niterói. Os dados
apontam para um crescimento de 5,01% em São Gonçalo e de 2,35% em Niterói (IBGE,
2018); (b) a ausência de um serviço de infectologia em São Gonçalo (SIERJ, 2018); e (c)
a regulação dos leitos hospitalares via SISREG. Este consiste em um Sistema de
Regulação informatizado, disponibilizado pelo MS para os Estados, Municípios e Distrito
Federal. Este sistema determina e organiza as admissões hospitalares e o atendimento
ambulatorial de acordo com a oferta e demanda (Connas, 2018).
Houve uma nítida tendência à queda do número anual de internações no Serviço de
Infectologia, ao longo dos anos de estudo. Tal tendência não pode justificar-se apenas
pela redução da capacidade de internação do setor. A obra responsável pela primeira
redução leitos de enfermaria ocorreu na década de 70, período anterior ao início deste
estudo (Setúbal, 1996). Outra reforma, iniciada em outubro de 2008, se estendeu até
agosto de 2010, período em que o Serviço funcionou apenas com metade de sua
capacidade, apenas para evitar o risco de que o setor fechasse por completo durante os
meses de obra. Contudo, a redução anual das internações pode ser observada desde 1965,
conforme descrito por Setúbal (1996). A média anual de internações do presente estudo
foi de 213 enquanto nos anos de 1965 a 1994 foi de 287 (Setúbal, 1996).
É possível que três fatores tenham contribuído para esta queda do número de
internações.
Em primeiro lugar, a enfermaria do Serviço de Infectologia precisou se adequar à
exigência da ANVISA que, em Nota Técnica de fevereiro de 2002, determinou a distância
mínima de 1 metro entre leitos paralelos, de 1,2 metros entre o pé do leito e a parede
defronte e de 0,5 metro entre as laterais do leito e paredes. A obediência a estas normas
motivou nova redução da capacidade do setor, obrigado a retirar camas das enfermarias
O segundo fator foi o fechamento da emergência do HUAP ao público em 2007,
ano a partir do qual este setor passou a receber apenas pacientes referenciados pelas
secretarias de saúde dos municípios, pelos bombeiros ou pelo SAMU (Fomel, 2010).
Dessa forma, iniciou-se uma triagem de casos de alta complexidade para o HUAP e
suprimiu-se a demanda espontânea devida a casos agudos, incluindo os de doenças
infecciosas, o que reduziu a pressão por internações deste tipo na enfermaria do Serviço
de Infectologia.
Um terceiro fator foi a redução das admissões devidas à aids e às suas infecções
oportunistas, com o advento da TARVc. Os pacientes acompanhados regularmente pelo
ambulatório e com boa adesão ao tratamento passaram a ter bom controle virológico e
imunológico e a necessitar menos hospitalizações por infecções oportunistas clássicas ou
outras intercorrências.
Foi elevado o número de reinternações no Serviço de Infectologia. Em geral
associadas a pacientes com aids, elas foram responsáveis por quase 20% do total de
admissões. Elas foram, contudo, mais frequentes apenas até 2009, ano a partir do qual
houve uma tendência à queda, possivelmente pela exclusão dos pacientes que,
sobrevivendo a uma primeira infecção oportunista, passaram a aderir à terapia
antirretroviral. Ainda assim, considerando que os pacientes reinternados são
acompanhados ambulatorialmente pelo HUAP, que as principais causas das reinternações
são infecções oportunistas preveníveis pelo tratamento regular com a TARVc e que este
tratamento é disponibilizado gratuitamente pelo SUS, é imprescindível e urgente discutir
quais são os obstáculos ao tratamento eficaz destes doentes, embora o escopo deste
trabalho não tenha sido o de estudar a adesão à terapia antirretroviral.
Os pacientes atendidos no HUAP são muitas vezes de comunidades carentes e sua
acompanhamento multiprofissional é imprescindível, e deve ser feito em conjunto com
assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas e enfermeiros. O não comparecimento às
consultas ambulatoriais de rotina ou à farmácia para retirar regularmente os
medicamentos deve configurar o primeiro sinal de alarme para a equipe assistencial. A
busca ativa desses casos, o diagnóstico social dos doentes e o esclarecimento do motivo
do abandono são tão importantes quanto o diagnóstico clínico e a condução terapêutica
médica.
A faixa etária da população estudada sofreu importante mudança no decorrer dos
anos do estudo, com a redução da participação de crianças e adolescentes e o crescimento
da parcela de adultos e idosos. No trabalho de Setúbal (1996), 55,9% da população tinham
até 19 anos e apenas 9,2% tinham mais de 49 anos. No primeiro biênio do presente estudo
a faixa etária menor que 15 anos de idade representava 27% das 648 admissões. Já nos
últimos quatro biênios, este valor caiu para menos de 10%, sendo, no último biênio, de
2,8% das 283 admissões. Tal modificação pode ser justificada pela redução da demanda
de crianças e adolescentes devido ao aprimoramento do PNI e consequente transformação
no perfil dos principais diagnósticos admitidos.
Nesta pesquisa, os pacientes com 60 ou mais anos de idade representavam 8% (52)
dos 648 casos do primeiro biênio do estudo e aumentaram sua participação para 34,3%
(97) das 283 admissões nos últimos dois anos. O crescimento da população idosa foi
atribuído principalmente à mudança do perfil de internações ocorrida durante as duas
décadas de estudo, decorrente da queda das doenças preveníveis por imunização e da
demanda referenciada de casos de alta complexidade para o Serviço de Infectologia.
A mortalidade institucional reduziu de 16,9% no primeiro biênio do estudo para
5% no último biênio. A investigação de tal tendência exige a análise do impacto de aids
1980. De acordo com Setúbal (1996), a mortalidade geral no referido serviço era de 27
óbitos a cada 100 casos internados em 1965. Este valor caiu gradualmente devido à queda
da incidência das doenças preveníveis por imunização até 11% em 1983 quando, com o
início da epidemia de aids, ela sofreu elevação para um platô de 19% em 1988. No
presente estudo, observou-se uma flutuação desses valores dentro dessa faixa mais
elevada, até que finalmente, a partir de 2004, quando ainda era de 19%, reiniciou-se uma
queda progressiva até os 4% registrados em 2016.
No estudo de Setúbal (1996), a mortalidade institucional foi mais elevada nas
faixas etárias extremas, alcançou seu maior valor (37,8%) em crianças menores de um
ano de idade e seu nadir, na faixa etária de 15 a 19 anos, com 9,4%. Já no presente estudo,
observou-se que a mortalidade em crianças menores de um ano de idade foi de 5,5%, o
que provavelmente deveu-se à queda das doenças preveníveis por imunização. De 1995
a 2016, a mortalidade institucional mais elevada ocorreu em idosos acima de 69 anos
(26,7%).
A aids alcançou a sua maior letalidade em 1987, ano em que atingiu 75%. Esta
letalidade sofreu então uma queda progressiva até 1994, atingindo 50% (Setúbal, 1996).
No presente estudo, esta letalidade caiu de 40% no ano de 1995 para apenas 5% em 2016,
ano em que este estudo foi encerrado. Foi a partir de 1991 que se iniciou o processo de
aquisição e distribuição gratuita dos antirretrovirais. Contudo, somente o ano de 1996
pode ser considerado o marco histórico da epidemia do HIV, pelo advento da TARVc e
sua distribuição universal pelo SUS. A TARVc consiste na associação de pelos menos
três drogas antirretrovirais de pelo menos duas classes diferentes. Após a sua introdução,
a incidência de doenças oportunistas reduziu-se em até 12 vezes e a taxa de mortalidade
É imprescindível destacar que a considerável alteração nosológica vivenciada pelo
Serviço de Infectologia tem grande impacto no ensino da disciplina para os alunos da
Faculdade de Medicina e para os internos e residentes do Hospital. Porém, o ganho para
os brasileiros em qualidade de vida, dignidade e direito universal à saúde suplantam com
facilidade tal impacto no aprendizado. Em concordância com o descrito por Pereira
(2016) para o Serviço de Infectologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho,
o fechamento da emergência do HUAP ao público externo, somado à epidemia de aids,
tornou a enfermaria do Serviço de Infectologia pouco adequada para o ensino prático de
graduação, dada a complexidade dos doentes internados. Os internos usufruem de pouco
contato com as infecções comunitárias corriqueiras, o que, habitualmente, traz
dificuldades para o seu manejo por parte do recém-formado.
Como limitação do estudo, pode-se citar a forma de obtenção de dados,
retrospectiva e incompleta para algumas doenças, quando consideradas isoladamente.
Contudo, tal limitação foi irrisória, considerando que a perda de pacientes foi quase nula.
Estas perdas irrisórias constituem mérito do Serviço de Infectologia, que há longos anos
dispõe de um banco de dados próprio, informatizado e exclusivo, o que possibilitou a
execução da presente dissertação. Além disso, o objetivo do trabalho era a análise do
conjunto de pacientes internados e não pormenores clínico-laboratoriais individuais, cuja
análise poderia ter sido prejudicada pela análise e coleta retrospectiva dos dados.
Outra limitação a ser destacada é a forma de diferenciação das etiologias das
meningoencefalites. Foi utilizado critério clínico e laboratorial pelo médico assistente,
sem especificação dos diagnósticos de certeza, com isolamento microbiológico, ou
presuntivo, sem o isolamento da bactéria ou do vírus. Foi necessário, com isso, por