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CAPÍTULO IV – CUIDAR EM HUMANITUDE

5.4. INTERPRETAÇÃO E DISCUSSÃO

Como primeira apreciação, podemos considerar que neste estudo descritivo simples o tamanho da amostra de 160 enfermeiros poderá ser uma limitação em relação à população dos enfermeiros da Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros. No entanto, segundo a tendência das respostas dos inquiridos, os dados indicam boa aceitação dos enfermeiros aos itens da SEPCH, atribuindo-lhe grande importância e tendo a perceção de os aplicarem na prática, com a exceção do iniciar o procedimento pelo rosto, o que condiz com a formação que se pratica nas escolas de enfermagem. Neste estudo, em que queríamos perceber a aceitação dos itens da SEPCH pelos enfermeiros, não houve a preocupação de fazer análises inferenciais e podemos dizer que os enfermeiros se revêm nos procedimentos cuidativos humanitude que estes itens representam.

A SEPCH (e respetivo ICD) importante contributo científico deste estudo, traduz a organização da teoria e da prática da filosofia da humanitude e do MGM. Esta cadeia de procedimentos implica gestos minuciosos, finos e delicados, de toque ternura «toucher

tendresse» e evolui, da dimensão de “aproximação/sintonia” para a dimensão de

“consolidação/proação”, num progressivo movimento técnico e relacional, de estímulo pelos pilares da humanitude dos órgãos dos sentidos, pela via afetiva até à memória emocional.

CAPÍTULO V – MÉTODO DE CUIDADOS HUMANITUDE GINESTE-MARESCOTTI®: IMPORTÂNCIA ATRIBUÍDA PELOS ENFERMEIROS E PERCEÇÃO DE O APLICAREM NA PRÁTICA

De forma global, verifica-se que a maioria dos enfermeiros diz valorizar e aplicar, a cadeia de procedimentos das duas dimensões de “aproximação/sintonia” e “consolidação/ proacção”. No entanto, a filosofia da humanitude alerta para a necessidade de refletir pedagógica e cientificamente em profundidade, sobre a complexidade de cada um dos conceitos operacionalizados e validar nos cuidados, os pilares de ação (olhar, palavra, toque, sorriso, verticalidade, vestuário). Em boa verdade, os enfermeiros centram-se em valores de ajudar as pessoas a conservarem padrões em que assenta a humanitude, mesmo nos momentos de mais elevado grau de limitação e dependência. No entanto, os cuidados de humanitude apesar de serem inerentes aos cuidados de enfermagem (Phaneuf, 2007b) dirigem-se de forma prioritária às pessoas dependentes e vulneráveis como idosos com declínios mnésicos e/ou demências (Gineste e Pellissier, 2007, 2008) e a pessoas em situação crítica ou paliativa como refere Rappo (2007), o que implica um mais elevado nível na demonstração da competência relacional, técnica e clínica perante a dignidade humana (Vielva, 2002). Os resultados apontam, assim, para a necessidade de confirmar, na clínica, se a apreciação percecionada está em coerência com a ação concreta.

Uma interpretação mais apurada das respostas, permite gerar pensamento crítico em torno do valor teórico em que se baseiam alguns itens. Por exemplo, o item “evita começar o procedimento pelo rosto …”, segundo os autores do MGM o rosto, as mãos e as partes íntimas são as zonas do corpo mais sujas e de maior sensibilidade. Este procedimento obteve scores de importância e perceção baixos, estando de acordo com a prática pedagógica e clínica corrente, onde se observa um procedimento contrário, iniciando os cuidados precisamente pelo rosto. Sequência céfalo-caudal, com base no principio do mais limpo para o mais sujo, o que os autores referem ser falso.

Uma outra proposta importante do método é explícita no item “descreve pormenorizadamente os gestos que executa …”, justificada pela evidência da dificuldade de entendimento e escuta da palavra, por parte da pessoa em confusão cognitiva, da ajuda à retoma do esquema corporal e para manter abertos canais de comunicação. No entanto, os enfermeiros valorizam-no pouco, pois os scores são dos mais baixos.

O recurso ao auto feedback, expresso no item “responde-se continuamente em voz alta a si próprio(a) quando a pessoa doente não tem capacidade de resposta verbal (auto

feedback)” é considerado fundamental pelos autores do MGM. A sua vantagem é manter

a presença do cuidado de palavra estimulando a resposta da pessoa doente, mas é um procedimento com scores baixos sendo por isso também pouco valorizado.

A fraca discrepância entre os scores obtidos na importância dada aos procedimentos anteriormente abordados e a perceção de serem aplicados na prática clínica, demonstra que aspetos específicos do MGM como o auto-feedback, a manutenção do esquema

Mário Simões – CUIDAR EM HUMANITUDE, Tese de Doutoramento em Enfermagem na Especialidade História e Filosofia da Enfermagem, Universidade Católica Portuguesa

114 SEGUNDA PARTE – ESTUDOS EMPÍRICOS

corporal e a perícia na utilização intencional da estimulação sensorial, não são práticas tão valorizadas nos cuidados dos enfermeiros.

Um dos maiores desafios da enfermagem é, por um lado, demonstrar a evidência científica dos métodos e técnicas que utiliza e, por outro lado, dar linguagem científica a essas ações, gerando especificidade no discurso científico da profissão. A opinião de Gineste e Marescotti, é que cabe aos enfermeiros gerir os cuidados fundamentais e imprescindíveis às pessoas doentes, com relevo para os mais vulneráveis. Os enfermeiros sempre foram peritos na gestão dos cuidados de intimidade que se desenvolvem no contexto das atividades de banho, higiene, mobilização, comunicação. Deste modo, as propostas de Gineste e Marescotti não constituem novidade para os enfermeiros. Ao longo dos anos, em função da complexidade em saúde, afastaram-se bastante dos cuidados de proximidade, considerados como facilmente delegáveis. Ora, as técnicas e procedimentos que estes cuidados implicam não são menores, mas sim determinantes da evolução da saúde das pessoas doentes, implicando capacidade de regulação da informação, habilidade para aproximação às janelas da expressividade da pessoa doente, abrir canais de comunicação e muita competência para lidar com o corpo e a mente de quem sofre profundamente (Rodrigues e Martins, 2004).