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A interpretação “forte” do direito de consulta e o controle dos povos indígenas sobre

2. A AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS NO MARCO

2.2 O marco normativo internacional e os organismos multilaterais

2.2.1 A interpretação “forte” do direito de consulta e o controle dos povos indígenas sobre

Reconhecido amplamente o direito de consulta aos povos indígenas, as questões que surgem a partir de agora relacionam-se à interpretação do conteúdo, alcance e formas de aplicação do mesmo pelos órgãos internacionais e domésticos dos estados nacionais que deveriam se alinhar a uma política emancipadora e não restritiva de direitos. Dessa

201 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Manual de aplicação – Convenção 169

OIT. Genebra: Oficina Internacional do Trabalho. 2013. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/@ed_norm/@normes/documents/publication/wcms_205230.p df. Acesso em: 27 nov. 2018. Págs. 5 e 25.

Se um País decide ratificar uma Convenção/ Convenio este se tornará obrigatório para o ratificante, que deverá aplica-lo em sua legislação e práticas nacionais, tendo que enviar à OIT memoriais periódicos acerca das medidas adotadas para esta incorporação e prática.

Ver também: ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Pueblos indígenas y Tribales – Fuentes de información OIT. (Documento em actualización permanente). Lima: OIT, Oficina Regional para América Latina y el Caribe, Biblioteca Regional, Série: Bibliografias temáticas digitales OIT, nº 12. 1ª Ed. Dezembro de 2106. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro- lima/documents/publication/wcms_538904.pdf. Acesso em 18 set. 2018. Pág. 21.

202 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Normas internacionais do trabalho.

forma, a luta por autonomia e participação dos povos indígenas continua na esfera da concretização de seus direitos.

Com efeito, essa questão ficou evidente no pronunciamento dos povos indígenas feito em Lima, no Peru, por ocasião da VIII Cúpula das Américas em 10/04/2018. Já virou tradição as lideranças indígenas do Continente americano se reunirem paralelamente à Cúpula dos chefes de Estado, na chamada Cúpula de Líderes Indígenas das Américas (CLIA) que tem contado com o apoio da OEA. Na declaração da CLIA de 2018203 os povos indígenas reafirmam sua luta por autonomia e participação, chamando

os estados a respeitar e garantir tais direitos, suas formas de vida e de desenvolvimento, implementando mecanismos de participação, consulta e consentimento prévio, livre e esclarecido antes da adoção de normas, políticas e programas suscetíveis de afeta-los.

Desde o seu momento embrionário, o movimento dos povos indígenas do mundo vem lutando pelo reconhecimento de seus direitos originários sobre terras e territórios tradicionais que habitam e sobre os recursos existentes. Os povos indígenas anseiam pelo controle de suas terras e recursos bem como pela autonomia nas escolhas de suas prioridades econômicas, políticas, culturais e de desenvolvimento, participando da vida pública do estado nacional ao qual pertencem bem como na tomada de quaisquer decisões que lhes afetem. Mecanismos como o procedimento de consulta são instrumentos estruturados para a consecução desse fim específico.

Conforme já estudado em capítulo anterior, a aplicação do direito de consulta pode assumir interpretações ambíguas a depender da justificação que a respalda, sendo seu conceito e efeitos disputados por duas fundamentações antagônicas, uma conservadora e outra emancipadora, ambas justificando projetos regulatórios distintos para as reivindicações do movimento indígena.

Assim, as normas da Convenção 169 da OIT acerca da consulta são invocadas tanto pelos povos indígenas quanto pelos estados e empresas interessados na exploração econômica de territórios tradicionais, a interpretação e aplicação dessas normas vai variar

203 DECLARAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS NA VIII CÚPULA DAS AMÉRICAS. Disponível em:

de acordo com a orientação do órgão interpretador ou aplicador da Convenção204. Nesse

item nos importa a atuação dos órgãos internacionais que consagram uma interpretação “forte” de consulta205, privilegiando a autonomia e a autodeterminação dos povos

indígenas sobre os seus territórios tradicionais.

O Alto comissariado da ONU para Direitos Humanos206 tem defendido que os

povos indígenas devem ter o direito a rechaçar um projeto ou uma iniciativa quando discrepem das condições do acordado entre as partes durante a consulta. Mencionando a necessidade de mecanismos de reparação sempre que o empreendimento seja realizado sem o seu consentimento. Também o Mecanismo de Experts da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas tem destacado que o consentimento livre, prévio e informado constitui um “componente integral” do direito à livre determinação, devendo ser obtido em questões que se revistam de fundamental importância para os povos indígenas207.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no julgamento do caso Povo Saramanka Vs. Suriname, na Sentença de 28/11/2007, fixou o entendimento de que nos casos de grandes projetos de desenvolvimento que possam impactar demasiadamente as terras indígenas deveria o estado não só realizar a consulta mas obter o consentimento prévio, livre e informado da comunidade, conforme seus costumes e tradições208.

204 GARAVITO, César Rodrigues. Etnicidad.gov (...). Pág. 52.

205 Nos utilizamos da expressão cunhada por Cesar Rodriges Garavito. Etnicidad.gov (...). Passim. 206 A Oficina do Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU (OACDH) é a instância principal da

ONU com responsabilidade em matéria de direitos humanos, promovendo-os e protegendo-os através da cooperação internacional e da coordenação de atividades dentro do sistema da Organização. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Aplicación de la Declaración de la ONU sobre los derechos de los pueblos indígenas. Manual nº 23, 2014. Disponível em : https://www.un.org/esa/socdev/publications/Indigenous/Handbook/ES.pdf. Acesso em: 09 de set. 2018. Pág. 79.

207 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Aplicación de la Declaración de la ONU sobre los

derechos de los pueblos indígenas. Manual nº 23, 2014. Disponível em : https://www.un.org/esa/socdev/publications/Indigenous/Handbook/ES.pdf. Acesso em: 09 de set. 2018. Pág. 32.

208 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Pueblos indígenas y tribales –

Cuadernillo de Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. nº 11. Disponível em: < http://www.corteidh.or.cr/sitios/libros/todos/docs/indigenas.pdf >. Acesso em 10 de out. 2018. Pág. 76.

A Corte ainda mencionou o entendimento do Comitê para a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial209 que, em sua recomendação geral nº 23/1997,

asseverou que os estados deveriam garantir que nenhuma decisão relativa aos interesses e direitos dos povos indígenas seriam tomadas sem o seu consentimento. No mesmo sentido é o entendimento do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em sua observação geral nº 21/2009210.

Na mesma linha, o Mecanismo de Experts da ONU destacou que o direito a participar e adotar decisões que os afetam são elementos necessários para que os povos indígenas possam proteger sua cultura, terras e recursos. Salientando que atualmente os debates envolvendo a questão não giram em torno apenas do direito a participação na tomada de decisões que os afetam, mas sobre o controle que os povos indígenas teriam sobre os resultados desses processos e que em determinadas situações os estados deveriam não só realizar consultas, mas também obter o seu consentimento211.

O Mecanismo de Experts da ONU em seu estudo prossegue aduzindo que o direito a participação plena e efetiva dos povos indígenas na adoção externa de decisões reveste- se de uma importância fundamental para o desfrute de outros direitos, devendo os povos ter a possibilidade de influir de forma real nos processos externos de tomada de decisões, e não apenas participar deles, determinando efetivamente seus resultados. Frisou, ainda, que os estados devem reconhecer a autodeterminação dos povos indígenas, oque supõe a obrigação de obter o seu consentimento livre, prévio e informado, significando que os povos indígenas devem manifestar o seu acordo com a realização da atividade212.

209 O Comitê constitui um organismo composto por experts independentes que supervisionam a

implementação da Declaração Internacional para a eliminação de todas as formas de discriminação racial.

210 O Comitê constitui um organismo composto por experts independentes que supervisionam a

implementação do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC). Entendimento disponível em: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral da ONU. Conselho de Direitos Humanos. Informe del Mecanismo de expertos sobre los derechos de los pueblos indígenas. Informe sobre la marcha del estudio sobre los pueblos indígenas y el derecho a participar em la adopción de decisiones. 2010. Disponível em: https://undocs.org/es/A/HRC/15/35. Acesso em: 18 nov. 2018. Pág. 11.

211 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral da ONU. Conselho de Direitos

Humanos. Informe del Mecanismo de expertos sobre los derechos de los pueblos indígenas. Informe definitivo del estúdio sobre los pueblos indígenas y el derecho a participar em la adopción de decisiones. 2011. Disponível em: <https://undocs.org/es/A/HRC/18/42>. Acesso em 19 nov. 2018. Págs. 18;19.

Também o Comitê de Direitos Humanos da ONU213 assinalou que uma mera

consulta não seria suficiente, dado que deve ser oportunizado às comunidades participar efetivamente dos processos de adoção de decisões externas que interfiram substancialmente em suas atividades econômicas de importância cultural, devendo os estados obter o seu consentimento livre, prévio e informado.