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INTERPRETAÇÃO ONTOLÓGICA DO CONCEITO DE INTERDISCIPLINARIDADE

No documento Mariana Aranha Moreira Jose (páginas 151-163)

5 O AUTOR INTERDISCIPLINAR

5.1 INTERPRETAÇÃO ONTOLÓGICA DO CONCEITO DE INTERDISCIPLINARIDADE

Iniciar a busca pela resposta à questão “Seria a autoria um princípio da Interdisciplinaridade?” a partir de seu aspecto ontológico, constitui um grande desafio. No entanto, ao mesmo tempo, estabelece a possibilidade da compreensão mais apurada, por parte do leitor, das reflexões de ordem epistemológica e, posteriormente, de ordem prática, acerca das possibilidades de resposta a esta questão.

A narrativa que ora apresento será registrada em primeira pessoa e intercalará expressões coloquiais àquelas pertencentes ao discurso acadêmico, vez que retratam aspectos pessoais e são frutos de minhas memórias pessoais e de formação acadêmica, conforme aponta Josso (2004, p. 234-235):

A experiência ou as experiências de vida de um indivíduo são formadoras na medida em que, a priori ou a posteriori, é possível explicitar o que foi aprendido (iniciar, integrar, subordinar), em termos de capacidade, de saber fazer, de saber pensar e de saber situar-se. O ponto de referência das aquisições experenciais redimensionam o lugar e a importância dos percursos educativos certificados na formação do aprendente, ao valorizarem um conjunto de atividades, de situações, de relações, de acontecimentos como contextos formadores.

Acredito, assim como Josso (2004), que a rememoração do meu percurso acadêmico no universo da Teoria da Interdisciplinaridade poderá ser mais um fator a iluminar a interpretação ontológica sobre esta teoria. Isso porque, a realização de um estudo mais pormenorizado sobre esta teoria exigirá de mim um mergulho mais profundo nos aspectos inerentes a minha História de Vida. Para a autora, transcrever a própria História de Vida exige um “caminhar para si”, o qual está presente muito além da compreensão do conjunto de experiências que vivenciamos ao longo da vida. Caminhar para si significa

Tomar consciência de que este reconhecimento de si mesmo como sujeito, mais ou menos ativo segundo às circunstâncias, permite à pessoa, daí em diante, encarar o seu itinerário de vida, os seus investimentos e os seus objetivos na base de uma auto-orientação possível, que articule de uma forma mais consciente as suas heranças, as suas experiências formadoras, os seus grupos de convívio, as suas valorizações, os seus desejos e o seu imaginário nas oportunidades socioculturais que soube aproveitar, criar e explorar, para que surja um ser que aprenda a identificar e a combinar constrangimentos e margens de liberdade (JOSSO, 2004, p. 58).

A autora ainda afirma que o processo – também exigido pela Teoria da Interdisciplinaridade – de realizar um mergulho profundo em sua História de Vida possibilita ao pesquisador e ao professor “transformar a vida socioculturalmente programada numa obra inédita a construir, guiada por um aumento da lucidez” (p. 58-59).

A construção de uma obra inédita é uma característica própria dos autores, dos que possuem autoridade para discorrer sobre determinados assuntos, sejam eles positivos ou não, como foi visto nas páginas anteriores. Nesse caso específico, verifiquei que a revisita às Histórias de Vida constitui um passo importante à descoberta da autoria.

Fazenda (2001, p. 15) afirma que “recorrer à memória em toda sua polissemia é difícil, pois requer estratégias próprias, criação de novas metodologias, metamorfose de metodologias já consagradas, tais como as histórias de vida ou outras pouco exploradas, como a investigação hermenêutica”.

O processo que utilizo para rememorar minha trajetória dentro da Teoria da Interdisciplinaridade percorre os caminhos delineados tanto por Fazenda (2001) quanto por Josso (2004), as quais prefiguram a necessidade do registro das memórias por meio do recurso linguístico presente nas Histórias de Vida. No entanto, também elegi como pressuposto teórico o que Ricoeur (2006) denominou “Percurso do Reconhecimento”.

O autor afirma que o percurso para o reconhecimento de si próprio passa pela experiência de poder dizer, de poder agir e de poder narrar-se. Ferreira (1988, p. 555) ajuda a compreender de forma mais adequada o conceito de reconhecimento, ao defini-lo como “1. Ato ou efeito de reconhecer (se); recognição. 2. Agradecimento, gratidão.” Para auxiliar, ainda, na sua compreensão, indica o verbo reconhecer como seu suporte, cujo significado descrevo abaixo:

Reconhecer. [Do lat. recognoscere] V. t. d. 1. Conhecer de novo. 2. Admitir como certo. 3. Certificar-se de, constatar, verificar. É pela ação que reconhecemos as boas intenções. 4. Confessar, aceitar. 5. Examinar a situação de, observar, explorar. 6. Declarar, afirmar, proclamar. 7. Admitir como legal. 8. Declarar reconhecido legitimamente. 9. Dar a conhecer; caracterizar, identificar. 10. Mostrar-se agradecido por: 11. Admitir como legal; assegurar. 12. Admitir como bom verdadeiro ou legítimo. 13. Declarar-se, confessar-se (FERREIRA, 1988, p. 555).

Somente pode dizer, pode fazer e pode narrar-se aquele que tem a coragem de deixar conhecer a si próprio, ou de reconhecer-se. É aquele que relembra seu passado e o compreende como sendo necessário para a constituição de quem é hoje. É aquele que tem coragem, porque, muitas vezes, as experiências vividas podem não ter sido tão boas assim, e trazê-las de volta ao presente pode abrir algumas feridas esquecidas.

As duas primeiras premissas fazem parte da discussão realizada acerca das características próprias de quem se constitui autor, conforme realizada nos capítulos anteriores57, sobretudo quando Ferreira (1988), ao apontar o reconhecimento como o ato de reconhecer-se, o relaciona com a capacidade que o sujeito possui de declarar o seu conhecimento e as demais experiências de sua vida.

Ainda para Ricoeur (2006, p. 109), o poder dizer, o poder fazer e o poder narrar-se são características que definem o que denominou hermenêutica do homem capaz. Para ele, “o desvio pelo ‘quê’ e pelo ‘como’, antes do retorno ao ‘quem’, parece *...+ exigido

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A premissa de poder dizer está relacionada ao significado atribuído por Ferreira (1988) ao termo autor: “escritor de obra artística, científica ou literária”. Já a premissa poder agir é expressa também por Ferreira (1988) em “o praticante de uma ação, agente”.

explicitamente pelo próprio caráter reflexivo de si, que, no momento de autodesignação, se reconhece a si mesmo”.

Parece-me, novamente, que o pressuposto segundo o qual professores e pesquisadores podem ser considerados autores encontra novo fundamento a partir do conceito de homem capaz. Só o homem capaz fala de si mesmo e estabelece conexões entre os saberes e suas formas de operacionalização, consciente das implicações que suas ações e as dos demais possuem sobre a realidade que o cerca. Por esse motivo, percorrerei a mesma trajetória realizada pelo autor, através da reflexão sobre as características desse homem capaz. Primeiramente discorrerei sobre aquilo que esse homem fala, ou seja, sobre a possibilidade de poder dizer. Em seguida, analisarei como ele age, ou seja, sobre o poder fazer e, por fim, refletirei sobre quem é esse homem capaz, por meio da realidade de poder narrar-se.

Ricoeur (2006, p. 109-110) afirma que o reconhecimento de poder dizer é justificado de duas maneiras:

Em primeiro lugar, os sujeitos que agem e sofrem na epopeia, na tragédia e na teoria aristotélica da ação são sujeitos falantes: os personagens homéricos e, com mais razão ainda, os heróis trágicos não cessam de falar sobre sua ação. Eles se nomeiam quando se fazem reconhecer, eles interpretam a si mesmos quando se desmentem; quanto ao sujeito da decisão e do anseio, é ele que é designado como a ‘causa’ e o ‘princípio’ de que depende o que eles fazem. O filósofo os faz falar sobre sua ação. Mas há uma razão que somente a pragmática moderna do discurso pôde evidenciar: ela consiste em que [...] falar é fazer coisas com as palavras. Ao inaugurar a ideia da capacidade pelo poder dizer, conferimos de saída à noção de agir humano a extensão que justifica a caracterização como homem capaz do si que se reconhece em suas capacidades (Grifos do autor).

O autor afirma que o processo do reconhecimento de si passa, primeiramente, pela capacidade inerente ao homem do conhecimento de si próprio e, sobretudo pela capacidade de descobrir que, devido a isso, ele pode dizer, pode afirmar coisas e pode fazer isso em primeira pessoa, utilizando-se de “instrumentos de linguagem que se limitam a ‘mostrar’ singularidades, transcendendo a especificação genérica: os pronomes pessoais, os advérbios de tempo e de lugar, as formas verbais, as descrições definidas” (RICOEUR, 2006, p. 111).

O autor ainda afirma que essa possibilidade de falar está ligada ao princípio da alteridade58, pois quem fala, fala para ser ouvido por outra pessoa. Além disso, pode-se dar algo em resposta a um pedido ou a uma solicitação do outro. Por esse motivo, esse primeiro princípio está intimamente ligado ao princípio de poder fazer, já que considera que falar é fazer coisas com as palavras.

No entanto, de uma maneira mais específica, Ricoeur (2006) afirma que o homem capaz, quando se reconhece, além de poder dizer (fazendo coisas com as palavras), pode agir de forma concreta no ambiente físico e social em que vive. Nesse caso, o homem pode se reconhecer como a causa de uma ação, a qual torna-se absolutamente perceptível quando declara “fui eu que fiz”. Ele está diferenciando algo que ocorreu (porque deveria ocorrer de qualquer maneira) do que ele fez com que ocorresse, do que ele imprimiu com uma intenção.

Ferreira (1988, p. 365) auxilia na compreensão do significado da palavra intenção, no sentido que desejo imprimir a este texto. Para o autor, intenção pode ser definida como “1. Ato de tender; intento, tenção. 2. Vontade, desejo, pensamento. 3. Propósito, plano, deliberação.”

Nesse sentido, quando algo é feito com intenção, significa que possui o propósito, a vontade e o desejo de quem pratica a ação, atitudes estas que identificam e caracterizam o homem capaz. A intencionalidade59 da ação exercida pelo indivíduo sobre alguém ou sobre alguma coisa é o que lhe confere a capacidade de poder dizer que aquilo que fez, foi feito por escolha própria, pessoal e intransferível.

Quando há o reconhecimento de nossa capacidade de fazer, verificamos, ao mesmo tempo, que somos responsáveis por nossas ações. Esta responsabilidade se inicia já no plano da consciência, quando se decide por realizar as ações. Isso dá a possibilidade da

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Alteridade para Abbagnano (2003) significa colocar-se ou constituir-se como outro. É um conceito mais restrito do que diversidade e mais extenso do que diferença.

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Abbagnano (2003, p. 577) afirma que “a característica das vivências (Erlebnisse), que pode ser indicada como o tema geral da fenomenologia orientada objetivamente, é a intencionalidade. Representa uma característica essencial da esfera das vivências, porquanto todas as experiências, de uma forma ou de outra, têm intencionalidade. A intencionalidade é aquilo que caracteriza a consciência em sentido pregnante, permitindo indicar a corrente da vivência como corrente de consciência e como unidade de consciência. Posteriormente, o próprio Husserl falou de ‘intencionalidade atuante’, no sentido de que a vivência não se refere somente ao seu objeto, mas também a si mesma e é por isso ciência de si. Seja como for, no âmbito da fenomenologia a intencionalidade era assumida como característica fundamental da consciência, e como tal ficou em boa parte na filosofia contemporânea, especialmente na fenomenologia e no existencialismo” (Grifos do autor).

reflexão sobre a complexidade que envolve, também, as ações efetuadas pelo professor em sala de aula, já que, neste caso, pode-se compreendê-las como próprias de autoria.

Quando me aventuro no percurso do reconhecimento, ele me oferece a possibilidade do encontro, primeiramente, com a possibilidade de falar, de dizer algo a respeito de minha vida, de minha trajetória, e do que me constitui como pessoa e como profissional.

Em seguida, esse mesmo percurso traz à consciência a intencionalidade das ações e, com ela, toda a responsabilidade diante daquilo que se faz, seja por si mesmo, seja para o outro.

Por fim, esse percurso oferece a possibilidade da narrativa das próprias experiências, tanto daquilo que se diz que é, quanto daquilo que se faz e se continua a fazer, e que caracteriza a própria individualidade. Para Ricoeur (2006, p. 114), essas são características inerentes à identidade, já que “sob a forma reflexiva do narrar-se, a identidade pessoal se projeta como identidade narrativa”.

Para Abbagnano (2003), a identidade60 é caracterizada por aquilo que somos, por aquilo que nos caracteriza como seres humanos únicos, e que nos difere dos demais. Por esse motivo, acredito que nossas experiências sempre são pessoais, únicas, insubstituíveis e intransferíveis. Muitas vezes, corremos o risco de caracterizá-las como banais ou demasiado semelhantes às de outras pessoas. No entanto, se as verificarmos de maneira adequada, sempre haverá a existência de algo somente vivenciado por nossa individualidade, e isso nos legitima a afirmar que a experiência é nossa, e de mais ninguém.

Essa concepção é fundamental quando alguém se dispõe a realizar a narrativa de sua História de Vida, concebendo-a como única e irrepetível, extremamente útil para a

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“Identidade. (lat. Identitas; in. Identity; fr. Identité; al. Identität; it. Identità). Este conceito tem três definições fundamentais: 1ª Identidade como unidade de substância; 2ª Identidade como possibilidade de substituição; 3ª Identidade como convenção. 1ª A primeira definição é de Aristóteles [...] que a Identidade é, de algum modo, uma unidade, quer a unidade se refira a uma única coisa, considerada como duas, como acontece quando se diz que a coisa é idêntica a si mesma. [...] 2ª A segunda definição é de Leibniz, que aproxima o conceito de identidade ao de igualdade: ‘Idênticas são as coisas que se podem substituir uma à outra salva veritate’. [...] Definição análoga aceita por Wolff, que definia como idênticas ‘as coisas que se podem substituir uma a outra, salvaguardando quaisquer de seus predicados’ *...+ 3ª A terceira concepção diz que pode ser estabelecida ou reconhecida com base em qualquer critério convencional. De acordo com essa concepção, não é possível estabelecer em definitivo o significado da Identidade ou o critério para reconhecê-la, mas dentro de determinado sistema linguístico, é possível determinar esse critério de forma convencional, mas oportuna”. (ABBAGNANO, 2003, p. 529, grifos do autor).

compreensão de próprio percurso de formação pessoal e profissional, de forma a estabelecer a transformação do presente e do futuro.

Compreendo, portanto, que a possibilidade de narrar-se é algo próprio do ser humano. O mesmo Ricoeur (1988, p. 417) afirma que a narrativa pode ser considerada a guardiã do tempo, “na medida em que só haveria tempo pensado quando narrado”.

Nesse sentido, inicio a narrativa do meu encontro com a Teoria da Interdisciplinaridade, a fim de verificar os aspectos ontológicos que estão presentes na perspectiva interdisciplinar. Os textos que a compõem estarão grafados em itálico.

Em 2003, fui apresentada à professora Ivani Fazenda na PUC/SP. Já tinha lido alguns trechos de sua obra durante o Ensino Médio, antigo Magistério, e durante a Graduação, no curso de Pedagogia e, confesso que muito pouco entendia sobre a Teoria da Interdisciplinaridade. Dirigi-me à professora com o entendimento de que bastava a união do conteúdo de uma disciplina com o de outra para ocorrer a adequada elaboração de um projeto interdisciplinar61.

A minha primeira decepção durante o Magistério foi a descoberta da inexistência de um manual pronto para a prática do ensino. Não achava possível a ausência de uma base curricular seguida à risca por todas as escolas, a qual pudesse garantir o mesmo nível de aprendizagem a todos os alunos. Passado o trauma – pelo conformismo mascarado, creio eu – começaram os estudos que originaram, anos mais tarde, minha dissertação de Mestrado.

Passei a verificar a possibilidade da implementação de Projetos Interdisciplinares nas redes escolares, e acabei por escolher a escola na qual exercia a função de diretora, com o intuito de verificar a possibilidade de sua efetivação ou não. Observei, a princípio, ao resgatar minha História de Vida, que cresci com a imagem e a certeza de que os grandes e renomados autores estariam sempre distantes, impossibilitados de qualquer discussão! A descoberta física de Ivani Fazenda e, a partir dela a de outros autores, fez com que me desvencilhasse dessa lógica, a qual não retratava a realidade.

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Sobre o encontro com a professora Ivani, com a Interdisciplinaridade e com a desconstrução desta concepção que possuía acerca da teoria, a narrativa se encontra aprofundada em minha dissertação de mestrado (SOUZA, 2006).

Esta foi uma das minhas principais questões ao adentrar no Mestrado. Na época era Coordenadora de um Centro Educacional da Rede Escolar SESI-SP, e havia muitas dúvidas sobre a possibilidade da aplicação prática da Teoria da Interdisciplinaridade. Posteriormente passei a verificar que os projetos interdisciplinares propostos por Fazenda (1995, 2003) poderiam ocorrer em diversos momentos e sob diversos enfoques, sempre considerando a realidade da escola, dos professores e dos alunos por eles atendidos. Além disso, estes projetos possuíam consistente arcabouço filosófico, metodológico, sociológico e antropológico, e não estavam ligados ao conceito de método como receita, mas sim como um caminho que se constrói.

Foi a partir dessa concepção que propus a realização da pesquisa de Mestrado, de caráter qualitativo, que considerou a realidade da escola que na época dirigia, de seus professores e de seus alunos. Propus a realização de uma pesquisa encarnada nas reais vivências da escola, que encontra na hermenêutica uma possibilidade de caminhar. Uma pesquisa constituída no território da Interdisciplinaridade onde, através dela, linhas de fugas desejantes (GAUTHIER, 2004) poderiam ser estabelecias com o objetivo de configurar sentido à realidade, muito mais do que à pesquisa (FRANKL, 1989a).

A partir desta primeira constatação, estabeleci um percurso metodológico na tentativa de responder ao seguinte problema de pesquisa: “Em que medida a teoria estudada, ou seja, a Interdisciplinaridade, permite o desenvolvimento de um olhar interdisciplinar sobre a prática cotidiana?”.

Confesso que não foi um caminho tão simples para se percorrer. Sobretudo pela minha dificuldade inicial no processo de escrita de caráter acadêmico, encaminhei meus textos para o exame de qualificação demasiadamente desconexos e incipientes. Isto gerou, por parte dos examinadores, uma avalanche de dúvidas que se traduziram em perguntas, muitas das quais incisivas.

Goodson (2000), no entanto, afirma que os incidentes críticos ocorridos durante a trajetória dos professores, em sua função de lecionar ou pesquisar, podem afetar tanto a percepção de sua prática quanto a constituição de seus estilos. No meu caso específico, o incidente crítico ocorrido durante o meu exame de qualificação para o Mestrado possibilitou-me a reordenação de todos os textos que possuía, a ponto de reescrever a dissertação em um mês.

Durante a arguição em minha defesa, Fazenda afirmou que a dissertação não foi realizada em apenas um mês, pois os anos que antecederam o processo de escrita foram essenciais para a coleta de dados e para a revisão bibliográfica, aspectos essências para a fundamentação teórica necessária à descoberta do meu processo de autoria.

A trilha interdisciplinar caminha do ator ao autor de uma história vivida, de uma ação conscientemente exercida a uma elaboração teórica arduamente construída. Tão importante quanto o produto de uma ação exercida é o processo e, mais que o processo, é necessário pesquisar o movimento desenhado pela ação exercida – somente com a pesquisa dos movimentos das ações exercidas poderemos delinear seus contornos e seus perfis. (FAZENDA, 2001, p. 15).

Acreditava que a escrita da dissertação de mestrado fosse minha primeira experiência de autoria. Porém, ao realizar esta pesquisa de doutorado, percebi que minha História de Vida esteve repleta de experiências como autora, conforme vimos nos registros anteriores. No entanto, minha dissertação de mestrado caracterizou-se por ser minha primeira experiência consciente como autora, conforme veremos nos registros abaixo, ao reler meus escritos por meio de uma revisão epistemológica.

O primeiro capítulo da dissertação de mestrado, ao qual denominei “Encontro”, retratou a primeira etapa de intervenção realizada com os professores parceiros do Centro Educacional SESI 033, hoje denominada Escola SESI de Tremembé, da qual fui diretora de agosto de 2003 a janeiro de 2006. É um capítulo que descreve quem são os quinze professores pertencentes ao grupo-pesquisador62, bem como suas representações sobre a

escola e o próprio grupo docente. Os professores tiveram seus nomes verdadeiros alterados, com o intuito de preservar sua privacidade.

Verifiquei, através da apresentação dos relatos dos professores, a presença de três códigos intuitivos, que os caracterizavam enquanto grupo: a preocupação com questões relativas a escrituração escolar, o compartilhar do trabalho pedagógico realizado nas salas de aula, e a necessidade da efetivação de um trabalho coletivo.

Percebi, a partir de Klein (2000), que muitas vezes trabalhos interdisciplinares são realizados de forma intuitiva nas escolas e que, por se atrelarem ao senso comum, permitem que boas ideias virem cinzas. Com Fazenda (1995, 2003), ao mesmo tempo,

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Gauthier (2004) afirma que nas pesquisas qualitativas em educação precisamos romper com a cultura de que o pesquisador é o único detentor do saber e os pesquisados, peças de uma realidade observada. Para ele, é

No documento Mariana Aranha Moreira Jose (páginas 151-163)