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O interrogatório no procedimento do Júri

No documento MARCIA CACERES DIAS YOKOYAMA (páginas 92-96)

O Júri, Tribunal especial com origem moderna na Magna Carta da Inglaterra de 1215, é reconhecido pela Constituição Federal como instituição com a organização que lhe der a lei, assegurados a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência exclusiva para o julgamento

26 Ao investigado são garantidos: “a) o direito de não ser submetido a tratamento desumano ou

degradante (art. 5º, III); b) direito a que seja respeitada a sua integridade física e moral (art. 5º, XLIX); c) direito à identificação do responsável pela prisão ou pelo interrogatório policial (art. 5º, LXIV); d) direito à não identificação criminal quando identificado civilmente (art.5º, LVIII); [...] f) direito ao silêncio (art. 5º, LXIII)” (FERNANDES, A., 2002, p. 278).

27 Código de Processo Penal (Decreto-lei 3689/41): “Art. 304. Apresentado o preso à autoridade

competente, ouvirá esta o condutor e colherá desde logo, sua assinatura [...]. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto”. Note-se que é empregado o termo acusado quando tecnicamente o correto seria conduzido.

dos crimes dolosos contra a vida (art. 5º, inc. XXXVIII), é integrante do rol dos direitos e garantias individuais.

O interrogatório no procedimento para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida será realizado em duas oportunidades distintas: a primeira, na fase do

judicium acusationes ou fase da formação da culpa, na forma prevista para o

procedimento comum do código processual (art. 394 do CPP); a segunda, após pronunciado o réu, dar-se-á na fase do judicium causae, já em plenário (art. 465 do CPP). Nesta, a oitiva do réu é o primeiro ato praticado após o compromisso do Conselho de sentença.

Tramita no Senado Federal o Projeto n. 4.203-C/2001, já aprovado pela Câmara Federal, que altera as disposições do Código de Processo Penal no Capítulo II, Título II, do Livro II, referente ao procedimento do Júri, prevê a realização do interrogatório do réu em plenário após a oitiva das testemunhas, como último ato de instrução, antes de iniciarem-se os debates (nova redação do art. 474, caput). Prevê novos procedimentos para as perguntas feitas ao acusado, que serão diretas (art. 474, § 1º). Estabelece, ainda, que durante os debates o direito ao silêncio não pode ser mencionado para prejudicar o réu (art. 474, §4º).28

Determina o art. 465 do Código de Processo Penal que o presidente do Tribunal do Júri interrogue o réu na “forma estabelecida no Livro I, Título VII, Capítulo III, no que for aplicável”. Destra forma, toda a ritualística prevista nos artigos 185 a 196 será observada também em plenário: o interrogatório será realizado pelo Juiz Presidente, dando a oportunidade ao acusador e ao defensor de reperguntar ao

28 De acordo com o projeto (4203-C/2001), o interrogatório em plenário passaria à seguinte forma:

“Art. 474. A seguir será o acusado interrogado, se estiver presente, na forma estabelecida no

Capítulo III do Título VII do Livro I deste Código, com as alterações introduzidas nesta Seção. § 1º O Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem, poderão formular, diretamente, perguntas ao acusado.

§ 2º Os jurados formularão perguntas por intermédio do juiz presidente.

§ 3º Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.

§ 4º É vedada qualquer menção ao silêncio do acusado, às algemas durante os debates, à sentença de pronúncia ou ao acórdão que a confirme, sob pena de nulidade.’(NR)

Art. 475. Sempre que possível, o registro do interrogatório e dos depoimentos será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia ou técnica similar, destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova.

final, advertindo-se, antes do interrogatório, sobre o direito ao silêncio e sua amplitude. Para José Frederico Marques (1997, v. 3, p. 212) no plenário do júri de “redobrada importância é o interrogatório do réu, visto que se realiza coram iudicem, isto é, perante os sete cidadãos em cujo veredicto irá consubstanciar-se a decisão quanto à acusação que pesa sobre o interrogado”.

Apesar de ser uma oportunidade ímpar para o exercício da auto-defesa, quanto às perguntas dirigidas ao pronunciado, adverte o Professor Catedrático Hermínio Marques Porto que

A postura do Juiz Presidente do Tribunal do Júri, na realização do interrogatório em Plenário, deve estar voltada, e centralmente, para a informação do jurado, que é leigo e, em regra, sem experiência de tais momentos, por isso competindo ao Juiz Presidente não olvidar que está sendo o instrumento informativo de terceiros, também juízes, além de um especial policiamento de suas expressões, pois podem então, indevidamente, refletir o convencimento pessoal e crítico sobre a versão defensiva ou parte dela. (PORTO, 2005, p. 120)

A advertência sobre o direito ao silêncio dirigida ao pronunciado servirá também para orientar os jurados para a formação de seu livre convencimento. Com efeito, aos juízes leigos pode transparecer que o calar signifique admissão da culpa. Por isso, deve ficar muito claro a todos os presentes que o silêncio não poderá ser interpretado em desfavor de quem o exerce por se tratar de uma garantia constitucional.

Logicamente, como o veredicto não é fundamentado, impossível impedir que a convicção sobre a autoria do fato criminoso em virtude do calar do réu seja exteriorizada na votação. Sobre a íntima convicção dos jurados, é impossível

sostener esa neutralidad y passividad frente a um acusado mintiendo abiertamente em su declaración frente a los integrantes del jurado es más que ilusorio, por los efectos ambivalentes que produce. Obsérvese que de por si ya es difícil sostener esa neutralidad cuando el imputado decide no prestar su testimonio. (OJEA QUINTANA,1999, p. 259).

O juiz togado, diante do contato físico com o réu, não poderá utilizar na sentença a impressão que obteve na observância dos gestos e expressões deste, mas tão-somente aquilo que ouviu como resposta, embora o auxilie na formação de

sua convicção e influencie na fixação da pena. No Tribunal do Júri tal situação não acontece, e o silêncio perante os jurados pode ser desvantajoso, pois como afirma o Prof. Nucci,

Os jurados não fundamentam suas decisões e seus votos. Logo, guardam consigo, sem trocar idéias entre si, todas as impressões, positivas ou negativas, verdadeiras ou falsas, que formaram acerca da personalidade do acusado e da autenticidade ou mendacidade de sua versão. Utilizam-na na formação do seu convencimento e, com isso, o interrogatório diante do Conselho de Sentença é ato essencial. (NUCCI, 1999a, p. 177-178).

Poderá o denunciado silenciar na primeira fase e apresentar sua versão sobre os fatos somente perante os jurados por entender que é a fase mais apropriada ao exercício da auto-defesa, dependendo dos argumentos defensivos. Se a tese defensiva for a existência de causa que exclua o crime ou isente o réu de pena (art. 411 do CPP) deverá o acusado pronunciar-se amplamente já na primeira fase do procedimento em sua defesa visando à obtenção da absolvição sumária. Se o réu for pronunciado e a tese defensiva for uma excludente de antijuridicidade ou culpabilidade, é conveniente que o réu fale a seu favor, reforçando-a perante os jurados.

Determina o Código de Processo Penal que se houver motivo justificável, a ausência do réu em plenário gera o adiamento do julgamento para a sessão seguinte; se afiançável o crime pelo qual foi pronunciado e não houver justa causa para a ausência, far-se-á o julgamento à sua revelia (art. 541, caput e § 1º). Portanto, se estiver solto e o crime for inafiançável, deverá o réu comparecer ao julgamento, mesmo que não queira presenciá-lo ou ser ouvido.29 Quando estiver sob a custódia do Estado, este se responsabiliza pelo encaminhamento do preso ao Tribunal do Júri. Caso não tenha nada a alegar em seu favor, é certo que a imposição da sua presença causar-lhe-á um constrangimento porque seu silêncio perante os jurados pode resultar-lhe desfavorável. De outro lado, o comparecimento possibilita aos jurados o conheçam pessoalmente e tenham contato com o acusado.

29 No entanto, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça no RHC n. 2967-GO, Rel. Min. Vicente

Cernicchiaro, em 02.08.94: “A Constituição da República de 1988 consagra ser direito do réu silenciar. Em decorrência, não o desejando, embora devidamente intimado, não precisa comparecer a sessão do Tribunal do Júri. Este, por isso, pode funcionar normalmente, conclusão que se amolda aos princípios da verdade real e não compactua com a malícia do acusado de evitar o julgamento.” (BRASIL, 1994).

O interrogatório na sessão do Júri em caso de pronúncia por crime inafiançável é ato indispensável segundo a determinação legal, não se levando em consideração o direito de não comparecer.30 Esta assertiva está a merecer uma releitura após a Carta de 1988.

No documento MARCIA CACERES DIAS YOKOYAMA (páginas 92-96)

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