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Regramento atual

No documento MARCIA CACERES DIAS YOKOYAMA (páginas 41-46)

de 1890 que no artigo 58 limitou as perguntas que poderiam ser feitas ao acusado no interrogatório, no “empenho de rodear das mais sólidas garantias à liberdade individual e de assegurar a imparcialidade do julgamento”.52

A Constituição da República do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, garantiu genericamente direitos individuais.53 Estabeleceu também a concorrência dos Estados-Membros na competência para legislar sobre o direito processual de sua alçada. Alguns Estados criaram seus próprios Códigos de Processo Penal. Nenhum deles tratou do direito ao silêncio, mas alguns descreveram as conseqüências por esta opção, ou seja, prejuízo para o interrogado.54

Sofrendo influência do direito francês, o Decreto n. 3.084 de 1898, determinou que o interrogatório do réu não poderia ser realizado na forma inquisitória, acentuando sua tendência e qualidade de ato de defesa.

As Constituições de 16 de julho de 1934 e a de 10 de novembro 1937, previram a garantia da ampla defesa dos acusados.55 A unidade legislativa foi

reestabelecida na Constituição de 1934 (artigo 5º, XIX, a) e à União novamente foi atribuída competência exclusiva para legislar sobre processo penal, mas enquanto não fosse promulgado um código de âmbito nacional, a legislação dos respectivos Estados e territórios estaria em vigor.

1.7 REGRAMENTO ATUAL

52 Justificativa do decreto.

53Constituição da República do Brasil de 1891: “Art. 72. A Constituição assegura aos brasileiros e a

estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 16. Aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das testemunhas”.

54

Assim o Código de Processo Criminal do Distrito Federal, O Código de Processo Penal do Rio Grande do Sul e Código de Processo Criminal do Estado do Paraná (COUCEIRO, 2004, p. 109).

55Respectivamente: Art. 113, n. 24: “A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os meios e

recursos essenciais a esta”; Art. 122, n. 11: “[...] a instrução criminal será contraditória, asseguradas antes e depois da formação da culpa as necessárias garantias de defesa”.

O direito ao silêncio no interrogatório finalmente veio a ser tratado de forma explícita no Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941, o atual Código de Processo Penal,56 no capítulo referente ao interrogatório do acusado, em seu artigo 186,

verbis: “Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não

esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa”.

A proteção contra a auto-incriminação e o direito ao silêncio foram disciplinados posteriormente no Código de Processo Penal Militar (Decreto-lei 1.002, de 21.10.69), no capítulo das Disposições Gerais do Título XV, Dos Atos Probatórios, que reza: “Ninguém será obrigado a produzir prova que o incrimine, ou ao seu cônjuge, descendente, ascendente ou irmão” (art. 296, § 2º). Porém, “antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao acusado que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa” (art. 305). Repetindo tal preceito, determina que “o silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz” (art. 308).

Marco da transição política nacional, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, consagrou e erigiu o direito ao silêncio à categoria de direito e garantia fundamental, ao dispor no artigo 5º, inciso LXII, que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”.

Desta forma, não restou recepcionada pela Lei Maior a última parte do artigo 186 do Código Processual que autorizava a interpretação do silêncio do réu pelo juiz em prejuízo da própria, pois seria um contra-senso que o exercício de uma garantia

56Segundo a Exposição de Motivos (publicada no Diário Oficial da União em 13.10.41), “Urge que

seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social. [...] Outra inovação, em matéria de prova, diz respeito ao interrogatório do acusado. Embora mantido o princípio de que nemo tenetur se detegere (não estando o acusado na estrita obrigação de responder o que se lhe pergunta), já não será esse termo do processo, como atualmente, uma série de perguntas predeterminadas, sacramentais, a que o acusado dá as resposta de antemão estudas, para não comprometer-se, mas uma franca oportunidade de obtenção de prova. É facultado ao juiz formular ao acusado quaisquer perguntas que julgue necessárias à pesquisa da verdade, e se é certo que o silêncio do réu não importará confissão, poderá entretanto, servir, em face de outros indícios, à formação do convencimento do juiz”.

constitucional pudesse auto-prejudicar o indivíduo que a desfruta. Nesse horizonte,

“Se criticado já era o sistema decorrente do art. 186, tem-se, com a nova Carta

Fundamental, como inadmissível considerar-se qualquer conseqüência contrária ao acusado, na formação do convencimento judicial, por conta de sua opção” (COLTRO, 1999, p. 299). Ademais, a Constituição nenhuma restrição faz a este respeito.

A compatibilidade entre a norma constitucional e a infraconstitucional obedece a verticalização das normas, pois, como nos lembra o ensinamento de José Afonso da Silva,

nossa Constituição é rígida. Em conseqüência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. [...] Por outro lado, as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal. (SILVA, J., 2004, 46).

Em verdade, a lei processual penal, que seguiu as idéias positivistas, mostra maior preocupação com o Estado em detrimento de algumas garantias do acusado, como descrito na própria Exposição de Motivos.

Ao contrário, a Constituição Federal de 1988 foi inspirada em vertente democrática, com amplo rol de direitos e garantias individuais. Assim, “desnecessário apontar o reflexo de um diploma superior com um objetivo democrático sobre um diploma legislativo penal de índole totalitária: a incompatibilidade se fez evidente” (JUNQUEIRA, 2002, p. 212).

As normas processuais ordinárias devem adequar-se e serem lidas à luz da dos princípios e regras constitucionais, e sua interpretação deve se dar em conformidade com o espírito da Constituição.

Nesse diapasão, Grinover, Fernandes e Gomes Filho (1993, p. 72) acrescentam sobre o então vigente artigo 186 do Código de Processo Penal que “somente a primeira parte do dispositivo há de ser observada pelo juiz, em face da Constituição superveniente, não sendo de se aplicar qualquer ameaça ou alusão velada que possa coibir o acusado”.

A garantia do direito ao silêncio e a proteção contra a auto-incriminação ganharam status de direito humano57 internacional com a previsão em tratados

internacionais de proteção aos direitos humanos. Com efeito, dispõe o artigo 14, n. 3, g, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, aprovado pela Assembléia Geral da ONU em 06.12.66, que toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade a não ser obrigada a depor contra si mesma, nem confessar-se culpada. Na mesma linha, a Convenção Americana de Direitos Humanos, adotada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos em São José da Costa Rica em 22.11.69, prevê dentre as garantias judiciais mínimas, no artigo 8º, n. 2, g, o direito de toda pessoa não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a se confessar culpada. Com a adesão do Brasil a esses tratados, tendo-os ratificado respectivamente em 24 de janeiro de 1992 e em 05de setembro de 1992, as regras sobre o direito ao silêncio ali previstas reforçaram sua imperatividade e seu caráter de direito individual, coincidindo com o direito já assegurado na Lei Maior. Nesta diretiva, como leciona Piovesan,

[...] os tratados internacionais de direitos humanos estarão a reforçar o valor jurídico de direitos constitucionalmente assegurados, de forma que eventual violação do direito importará em responsabilização não apenas nacional, mas também internacional. (PIOVESAN, 2006, p. 92).

Por força do artigo 5º, parágrafos 1º, 2º e 3º da Carta de 1988,58 aos tratados

de direitos humanos foi conferido o status constitucional e a aplicação imediata (FERNANDES, 2004; PIOVESAN, 2006). Acrescenta aquela festejada professora:

Acredita-se que o novo dispositivo do art. 5º, § 3º, vem a reconhecer de modo explícito a natureza materialmente constitucional dos tratados de direitos humanos, reforçando, desse modo, a existência de um regime jurídico misto, que distingue os tratados de direitos humanos dos tratados tradicionais de cunho comercial. (PIOVESAN, 2006, p. 73).

57

Em relação aos Direitos Humanos: “a expressão não deve ser tida como tautológica, posto que tem o sentido de assinalar o indispensável respeito à personalidade humana, no contexto do ‘bem comum’ enfocado supra-individualmente como substrato dos espíritos objetivos que procuram absorver a insuperável individualidade como valor supremo do Direito” (BATALHA, 1981, p. 150).

58

Constituição Federal: Art. 5º: “§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. § 2o Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Realmente, como aduz Salomão (1999, p. 131), com este conjunto de normas, definitivamente foram consagrados o direito de permanecer calado, o direito de não depor contra si mesmo e o direito a não se confessar culpado.

Evidenciando mais uma vez a qualidade de garantia internacionalmente tutelada, O Tribunal Penal Internacional59 prevê dentre os direitos das pessoas no inquérito, que “nenhuma pessoa poderá ser obrigada a depor contra si própria ou declarar-se culpada” (art. 55. n. 1, a), e como direito do acusado “não ser obrigado a depor contra si próprio, nem a declarar-se culpado, e a guardar silêncio, sem que este seja levado em conta na determinação da sua culpa ou inocência” (art. 67, n.1, g).

Em sintonia com os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, a Lei n. 10.792, de 1º de dezembro de 2003, alterou significativamente as disposições do Código de Processo Penal referentes ao interrogatório do réu e o direito ao silêncio. Evidentemente, fez-se necessária a adaptação da lei processual frente à Constituição Federal e aos dispositivos internacionais de proteção. Destarte, o artigo 186 do Código Processual prestigiou o silêncio passando à seguinte redação:

“Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o

acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas”, acrescentando no parágrafo único: “O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”.

Quanto ao artigo 198 da lei processual, segundo o qual o silêncio do acusado não importará em confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz, apesar de não ter sido recepcionado pela Lei Maior, olvidou- se o legislador de reformá-lo também. Porém, referido artigo perdeu sua eficácia em face da Constituição Federal.

59O Brasil aderiu ao Estatuto de Roma, através do Decreto-legislativo n. 112, de 6 de junho de 2002,

incorporando o Tribunal Penal Internacional através do Decreto n. 4.388, de 25 de setembro de 2002. Mais recentemente, a Emenda Constitucional nº 45/2004 definitivamente submeteu o Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional ao acrescentar o parágrafo 4º ao art. 5º da Constituição que reza: “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.

CAPÍTULO II

O DIREITO AO SILÊNCIO COMO GARANTIA

CONSTITUCIONAL

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