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Intersubjetividade e Einssein: o Naturrechtaufsatz

No documento FILOSOFIA, RECONHECIMENTO E DIREITO (páginas 38-67)

A. Eticidade e Intersubjetividade: observações acerca da

3. Intersubjetividade e Einssein: o Naturrechtaufsatz

A peculiaridade e a percepção fundamental do programa para a construção do ―sistema da eticidade‖, lançado com o Naturrechtaufsatz está sobretudo em que a compreensão verdadeira da eticidade somente pode ser alcançada, se a perspectiva do absoluto organicamente efetivado em um povo se sobrepõe à existência social em sua perspectiva individualista,

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Riedel, Manfred – „Hegels Kritik des Naturrechts― in: Studien zu Hegels Rechtsphilosophie, Frankfurt am Main, 1969, 42-74

nadifica-a e a reintegra em si como um momento seu. Esta percepção fundamental se concretizará, como já mencionado, numa Ständelehre de inspiração platônica, pela qual Hegel espera absorver na totalidade ética do povo, como fundamento para sua concepção de reconciliação ou integração política, a dilaceramento da vida ética imediata pela intensificação do modus vivendi próprio às sociedades modernas. Numa perspectiva histórica, este dilaceramento se processa pelo destacamento, a partir da vida plenamente pública, de um âmbito eminentemente individualista de realização da liberdade, de uma esfera da vida econômica regulada pelos princípios jurídico- privados, na qual os indivíduos, contrapondo-se entre si como pessoas privadas, são ―liberados‖ para a persecução de seus fins e interesses particulares. Para Hegel, é somente nesta esfera destacada e reabsorvida na totalidade ética do povo, nesta cisão do absoluto consigo mesmo e reintegração (a)dentro de si de seu momento de diferença, que a ―eticidade do singular‖ obtém – quer como um sistema de ―virtudes públicas‖, quer como um sistema de prescrições jurídico-morais que reflete as exigências normativas dos dispositivos jurídicos reguladores da atividade econômica – sua verdade. Neste movimento, a ―eticidade do singular‖ tem expostas as condições do amortecimento de suas tendências político-comunitárias desagregadoras.

Resta muito pouco a fazer no que diz respeito a promover uma compreensão adequada das reflexões presentes no texto de 1802/180330. O alvo privilegiado deste trabalho no que

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Na análise de temas discutidos no Naturrechtaufsatz, o presente trabalho se encontra numa situação mais ―complicada‖ do que aquela que M. L. Müller retrata na introdução de seu brilhante artigo sobre o importante texto hegeliano. ver Müller, Marcos L. –―O direito natural de Hegel:

pressupostos especulativos da crítica ao contratualismo‖, in: Filosofia

Política. Rio de Janeiro, RJ: , n.5, p.41 - 66, 2003. Esta situação se explica pelo fato de que, além da interpretação genial fornecida por Bernard Bourgois ver Bourgeois, Bernard – Le Droit Naturel de Hegel (1892-1803)-

Commentaire: Contribuition à l´étude de la genèse de la spéculation hégélienne à Iéna, Paris, 1986, a qual, para além da discussão precisa do texto, confere ao artigo de Hegel importante papel não só na solidificação e tematização de suas principais teses ético-políticas, mas ainda na elaboração de sua filosofia especulativa como um todo, temos também diante dos olhos a

concerne ao Naturrechtaufsatz não é tanto aquilo que poderia ser compreendido sob o tópico geral do ―processo de auto- diferenciação do absoluto prático‖(Müller 2002), o qual direciona a crítica especulativa ao ―formalismo do entendimento prático‖ e à sua compreensão do nexo social, fundado na coerção como preâmbulo para a ―demonstração‖ especulativa da pertença do indivíduo à totalidade ética do povo, bem como para a recuperação na modernidade do teor sócio-integrador próprio à tese aristotélica da ―anterioridade da polis sobre o indivíduo‖. Pretende-se, aqui, lançar bases para a conexão, nos dois primeiros textos de filosofia prática em Jena, o Naturrechtaufsatz e System der Sittlichkeit, entre a relação indivíduo-comunidade,

recente, concisa e excepcional interpretação de Müller acerca da articulação entre a crítica do formalismo, empreendida na segunda parte do artigo, e a parte propriamente positiva, a terceira parte, na qual Hegel delineia pela primeira vez seu programa para um ―sistema da eticidade‖. Na medida em que Müller se ocupa principalmente da gênese do processo de ―autodiferenciação do absoluto prático‖ enquanto totalidade ética a partir da crítica ao formalismo da concepção fichteana de comunidade política e da suspensão da infinitude absolutamente negativa da filosofia da reflexão – e isto com vistas a tematizar, pela via da consideração dos conceitos de liberdade absoluta e de pertença do indivíduo à comunidade ética, o resgate hegeliano da tese aristotélica da ―anterioridade da polis sobre o indivíduo‖ em face do individualismo e atomismos próprios às doutrinas modernas do direito natural – torna-se com isso, aliado à amplitude da obra de Bourgeois, o fundamento da interpretação que aqui desejamos utilizar acerca do ―direito natural‖. Outrossim, vinculada a esta interpretação principal, há que se mencionar também a obra de Kimmerle, que se constitui, enquanto resultado de um trabalho especialmente importante de datação dos escritos de Jena, como um marco dentro da Hegelforschung ver Kimmerle, Heinz – Das

Problem der Abgeschlossenheit des Denkens. Hegels „System der Philosophie“ in den Jahren 1800-1804, Bonn(Beiheft 8 der HST), bem como o recente e competente artigo de Cruysberghs ver Cruysbergs, Paul – ―Hegel´s critique of modern natural law‖ ‖, in: Wylleman, A. (ed.) – Hegel

on the ethical life, religion and philosophy , 1793 – 1807, 81-117. Para além destes trabalhos, deve-se incluir ainda o formidável livro de Schnädelbach, o qual permite a visualização das conexões que podem ser estabelecidas entre o Naturrechtaufsatz e os demais textos hegelianos sobre filosofia prática, especialmente o System der Sittlichkeit, os Jenaer

Systementwürfe e as Grundlinien. ver Schnädelbach, Herbert – Hegels

praktische Philosophie: Ein Kommentar der Texte in der Reihenfolge ihrer Entstehung, Suhrkamp, Frankfurt am Main, 2000

compreendida segundo o ―processo de autodiferenciação do absoluto prático‖ e a questão, que já faz parte de System der Sittlichkeit, de que modo e como esta relação de autodiferenciação da substância ética suscita uma compreensão do processo de apresentação da totalidade ética como contendo níveis de intersubjetividade, dentre os quais se constituem a intersubjetividade íntima e afetiva dos membros da família, a relação jurídica do respeito recíproco à esfera de ação da pessoa e o pleno reconhecimento ―solidário‖ dos cidadãos no âmbito público da comunidade. O intuito geral desta investigação seria o aprofundamento da tese segundo a qual os primeiros textos de filosofia prática de Jena propiciariam a integração da filosofia política clássica e do direito natural moderno na forma de uma unificação entre a concepção aristotélica da ―anterioridade da polis‖ e a concepção jusnaturalista hobbesiana-espinosana31

. Tal

31 Ilting, Karl-Heinz – „Hegels Auseinandersetzung mit der aristotelischen

Politik―, in: Frühe politische Systeme: System der Sittlichkeit, Über die wissenschaftlichen Behandlungsarten des Naturrechts, Jenaer Realphilosophie. Herausgegeben und kommentiert von Gerhard Göhler,

Frankfurt am Main, Ullstein 1974, 759-785 Neste célebre artigo, Ilting sustenta conexões interessantes capazes de indicar o teor da integração promovida por Hegel entre a filosofia política clássica e as teorias modernas do direito natural. Em primeiro lugar, segundo Ilting, o programa de um ―sistema da eticidade‖, delineado no Naturrechtaufsatz e levado a termo graças ao alinhamento de Hegel à Potenzenmethode de Schelling no System

der Sittlichkeit, caracteriza-se sobretudo por uma equiparação da doutrina

espinosana da substância infinita, à qual Hegel adere imediatamente depois da Seinsmetaphysik do período de Frankfurt graças à influência do projeto schellingniano de mediação entre Kant e Espinosa, com a doutrina aristotélica da comunidade política. Esta equiparação permite a Hegel fundamentar a primazia do positivo ou do povo no fato de que este, enquanto substância que se diferencia, é primordial em relação ao negativo ou ao indivíduo. Segundo Ilting, esta intenção hegeliana de recuperar a determinação espinosana da relação entre a substância e suas modificações no interior da discussão político-filosófica definida pela relação aristotélica entre indivíduo e estado, se processa na contramão da própria intenção espinosana: esta equiparação ultrapassa a compreensão espinosana do direito natural, na medida em que Espinosa não compreende, em nítida vinculação às concepções jusnaturalistas de Hobbes, o estado segundo o paradigma aristotélico de uma efetividade primordial da comunidade em face do indivíduo. Neste sentido, Ilting compreende o projeto hegeliano traçado nos

aprofundamento consistiria na percepção da importância do conceito fichteano de intersubjetividade, o qual se liga, principalmente, à dedução da Rechtsverhältnis, para este projeto de integração. Lançar bases para que se possa futuramente fazer ver na consecução, por parte de Hegel, do programa geral de desenvolvimento conceitual da eticidade segundo níveis de intersubjetividade, uma integração de Aristóteles e Fichte32 seria o objetivo primordial do presente artigo.

primeiros textos de filosofia prática em Jena como uma tentativa de unificar visceralmente a política de Aristóteles com o direito natural tal como ele é compreendido pelo pensamento político que se inicia com Maquiavel, passa por Hobbes e chega até Espinosa. Esta tese de leitura Ilting pretende confirmar sobretudo apelando à estrutura tripartite de System der Sittlichkeit. Para Ilting, nesta chave de leitura, três autores teriam sido significativos para Hegel. Primeiramente Maquiavel, cujas teses políticas pragmáticas incapazes de ultrapassar os limites da prudência política somente com Hobbes adquiriram fundamentação filosófica rigorosa (Honneth 1992). À incontestável influência de Hobbes nas concepções hegelianas desta fase em Jena e que se vinculam à luta por reconhecimento já se aludiu de maneira bastante consistente. ver Siep, Ludwig –„Der Kampf um Anerkennung. Zu

Hegels Auseinandersetzung mit Hobbes in den Jenaer Schriften―, in: Hegel-

Studien (1974), 155-209

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Uma tal tendência interpretativa encontra respaldo na mais recente pesquisa sobre a datação dos manuscritos jenenses de Hegel. Em 2002, foi reeditado na Alemanha aquele manuscrito hegeliano de 1802-1803, copiado por Karl Rosenkranz, publicado por Georg Lasson com o título de ―System der

Sittlichkeit‖ [in G.W.F Hegel, Sämtliche Werke, Band 7, Schriften zur Politik und Rechtsphilosophie,Leipzig, 1913, 415-499]. Nesta nova edição,

preparada por Horst D. Brandt e prefaciada por Kurt Rainer Meist, defende- se, com excelente embasamento técnico, a tese de que não só a presumida data de composição está errada, mas que, possivelmente, não se trata no texto de um trabalho preparatório de Hegel acerca daquilo que depois seria apresentado, de maneira completa, como a filosofia do espírito objetivo, e sim de uma crítica sistemática da teoria fichteana do direito natural, ou pelo menos de parte de uma obra projetada por Hegel com este objeto. Em vista das pesquisas técnicas levadas a termo com o fim de confirmar esta tese, Brandt publica a reedição do texto com o seguinte título: G.W.F Hegel, System der Sittlichkeit [Critik der Fichteschen Naturrechts], Hamburg: Meiner, 2002. O System der Sittlichkeit representaria este interessante híbrido na trajetória do desenvolvimento de Hegel, no qual a correção do individualismo e atomismo próprios ao direito natural moderno, cuja forma melhor acabada é o ―formalismo do entendimento prático‖, através do recurso às concepções aristotélicas a respeito da ―anterioridade da pólis‖ –

A concepção do absoluto em voga no Naturrechtaufsatz é decerto tributária da crítica hegeliana à filosofia da reflexão nos primeiros anos em Jena, mas diferentemente matizada33; e isto tanto em virtude da intenção de promover a visualização do absoluto ético em seu processo de autodiferenciação, quanto no que concerne à progressiva adesão à filosofia de Schelling, adesão que não é ainda completa na Differenzschrift ou em Glauben und Wissen34, mas se aprofunda nos textos de filosofia

correção que se realiza certamente pelo itinerário de uma equiparação da polis aristotélica com a substância espinosana e se condensa na teoria da autodiferenciação do absoluto prático –, encontra a possibilidade, suscitada pela teoria fichteana da intersubjetividade, de apresentar o desdobramento da totalidade ética na forma de uma superposição de paradigmas de relação intersubjetiva que são conservados na efetivação da liberdade como comunidade. Neste processo pelo qual a teoria fichteana da intersubjetividade é absorvida na constituição da eticidade, também a importância dada por Hegel à relação dos indivíduos que, no momento da reprodução material da vida social, deparam-se como proprietários é consideravelmente aumentada, ao passo que também as teses herdadas de Aristóteles com respeito à eticidade natural da família também são reintegradas ao desdobramento da comunidade ética na forma de um estágio de relação intersubjetiva. Não seria um exagero, portanto, ver nesta integração de Fichte e Aristóteles o nascedouro do plano definitivo de desdobramento da eticidade, e nem o estabelecimento da conexão propriamente hegeliana entre eticidade e direito.

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Não convém aqui tecer uma consideração pormenorizada das continuidades e descontinuidades entre a Differenzschrift e o Naturrechtaufsatz. Para uma compreensão segura deste tópico, indicamos os seguintes trabalhos: Kimmerle, Heinz – Das Problem der Abgeschlossenheit des Denkens. Hegels

„System der Philosophie“ in den Jahren 1800-1804, Bonn(Beiheft 8 der

HST); Horstmann, R – „Problem der Wandlung in Hegels Jenaer

Systemkonzeption― in: Philosophische Rundschau, 19, 1973, pp. 87-118;

Meist, Kurt – „Hegels Systemkonzeption in der frühen Jenaerzeit―, in: Hegel in Jena, pp 59-79. Especialmente no que diz respeito à relação entre Hegel, Schelling e a ―administração‖ de sua herança espinosana, ver: Cruysbergs, Paul – ―Hegel´s critique of modern natural law‖ ‖, in: Wylleman, A. (ed.) – Hegel on the ethical life, religion and philosophy , 1793 – 1807, 81-117

34 Para uma consideração das principais divergências nas concepções do

absoluto em Hegel e Schelling, principalmente naquilo que, nos primeiros anos da estadia de Hegel em Jena, fora costumeiramente considerado desde o século XIX como uma adesão total, ver: Düsing, Klaus – „Die Entstehung

des Spekulativen Idealismus―, in: Transzendentalphilosophie und Spekulation, hg. v. Walter Jaeschke, Hamburg, 1994, 144-163; Düsing, Klaus

prática, na forma de um alinhamento mais direto de Hegel com a metafísica espinosana da substância – como expediente para a compreensão da relação comunidade/indivíduo enquanto relação substância/modificações 35 –; e alcança seu apogeu na utilização do método das potências de Schelling, tanto na gênese da liberdade absoluta no Naturrechtaufsatz, como na tentativa mais ou menos artificial36 de submeter o desdobramento da

Jena―, in: Hegel-Studien 5 (1969), 95-128. No contexto em que estamos

trabalhando, é especialmente notável a consideração de que, ao contrário de Hegel, que concebe como acesso apropriado ao absoluto a unidade de reflexão e intuição, Schelling continua a se vincular ao privilégio do acesso pela via da intuição intelectual. Ver: Siep, Ludwig – Der Weg der

Phänomenologie des Geistes. Ein einführender Kommentar zu Hegels „Differenzschrift“ und „Phänomenologie des Geistes“, Suhrkamp, Frankfurt

am Main, 2000

35 Ver a penúltima nota sobre artigo de Ilting 36

Schnädelbach (2000) atribui o caráter fragmentário do System der Sittlichkeit

não simplesmente ao caráter inacabado do texto, mas sobretudo à tomada de

consciência por parte de Hegel da impossibilidade de utilizar o método das potências de Schelling como princípio de construção da filosofia prática. Para Schnädelbach, esta impressão é suscitada no leitor principalmente na parte destinada à tentativa de sistematização segundo as potências dos motivos e elementos da concepção da eticidade absoluta, onde o material parece simplesmente não mais querer se submeter ao esquematismo do método. Acerca de certas artificialidades na exposição, Schnädelbach diz: ―o que Hegel pratica aqui metodicamente é a cunhagem particular de um apriorismo conseqüente, segundo o qual tudo que nós podemos saber seriamente nós sabemos a priori. As formulações diretivas deste método se encontram em Schelling ... na introdução ao Esboço de um sistema de filosofia da natureza.

‖(111) Schnädelbach identifica, nestas insuficiências de método, o abandono

por parte de Hegel da tentativa de construir sua filosofia prática a partir da subsunção alternada de conceito e intuição. Para ele, ―o Sistema da Eticidade

é o resultado problemático da tentativa de Hegel de repetir, na filosofia

prática, a concepção schellingniana de uma física especulativa. Mas sempre se apresenta novamente que os dados empíricos não queiram se mobilizar em favor do construído a priori. Isto tem início já com a construção do ―povo‖ enquanto intuição da totalidade do ético. Empiricamente restituível é isto apenas com o recurso a um helenismo estilizado de maneira classicista no mais alto grau e às auto-imagens que se encontram disto em Platão, Aristóteles e no trágicos.‖(112) A virulência desta colocação certamente impõe limites à tentativa de resgatar elementos pertinentes à concepção hegeliana de intersubjetividade forjada a partir da assimilação da teoria fichteana do reconhecimento. Neste ponto, entretanto, seguimos a

comunidade ética ao método de subsunção recíproca de conceito e intuição. Assim, o projeto jenense de oferecer uma correção do exacerbado individualismo em que incorrem as modernas teorias do direito natural, através do recurso à filosofia política clássica tem que ser compreendido dentro do desenvolvimento geral do pensamento de Hegel: tem suas raízes na adesão frankfurtiana ao ideário da Vereinigungsphilosophie e na posterior identificação com a filosofia da identidade de Schelling, de maneira que se enquadra no projeto de conhecimento absoluto do absoluto. Diante da crítica hegeliana à filosofia da reflexão, pode-se dizer que o objetivo desta correção não é uma ―restauração‖ pura e simples do ideal político-comunitário da polis grega, mas antes a demonstração da negatividade intrínseca à absolutização da liberdade individual e do elemento social em que esta se realiza: a atividade econômica juridicamente regulada. De acordo com a tese jenense da ―cisão como fator da vida‖, se a negatividade da esfera de exercício da liberdade individual tem de ser relativizada em face do positivo da plena realização da liberdade na comunidade, isto somente pode ocorrer não pela supressão pura e simples deste momento, mas apenas pela demonstração de seu caráter de momento do todo – um momento ao qual, especialmente em circunstâncias modernas, cabe um devido direito de existência.

Quaisquer que sejam as inovações introduzidas pela concepção hegeliana do absoluto no Naturrechtaufsatz, em relação à adesão anterior, à filosofia da identidade de Schelling, elas devem ser consideradas como pano de fundo diante do objetivo primordial do artigo: lançar mão de uma crítica das tradições empirista e formalista do direito natural moderno, que as procura relativizar pela concepção de absoluto, a fim de revelar a suspensão de ambas como preâmbulo ao delineamento do processo de autodiferenciação do absoluto ético. Portanto, a

interpretação de Honneth, para quem ―Hegel utiliza no System der

Sittlichkeit, enquanto forma de sua exposição, o método da subsunção

recíproca de conceito e intuição.... Entretanto, ao teor filosófico-social do escrito o procedimento metódico permanece, se acaso eu vejo corretamente, amplamente exterior.‖ (Honneth 1992)

medida utilizada na crítica do direito natural é o que Hegel chama de idéia da eticidade absoluta e que corresponde ao modo do aparecimento do absoluto, enquanto natureza ética, isto é, enquanto unidade absoluta da indiferença e do momento relacional no qual há primazia da unidade sobre a multiplicidade. O destaque dado ao formalismo reside em que este eleva o procedimento do empirismo ao seu conceito, de maneira que, tomando como ponto de partida o conceito absoluto, torna-se mais simples ―complementar‖ a concepção de absoluto em toda sua envergadura; pois ―se nós isolássemos agora este lado da identidade relativa e não reconhecêssemos, para a essência da natureza ética, a unidade absoluta da indiferença e desta identidade relativa, mas antes, o lado da relação ou da necessidade, então nós estaríamos no mesmo ponto no qual a essência da razão prática... é determinada... e o absoluto é apreendido (begriffen) somente, enquanto negativamente absoluto, ou seja, enquanto infinito.‖ (TWA 2, 457) Assim, pode- se dizer que o ponto fundamental da crítica hegeliana a ambas vertentes jusnaturalistas é que elas se encontram estagnadas no momento relacional, no momento da oposição fixa entre unidade e multiplicidade. As duas se distinguem, de acordo com Hegel, pelo fato de o empirismo é presa de uma espécie de ―dogmatismo dos fatos‖, de maneira que não toma consciência de que seu proceder se caracteriza pela elevação de um momento particular do múltiplo ao status de absoluto; o formalismo absolutiza, por sua vez, o momento da unidade pura, da infinitude e, por meio disso, toma consciência da relação como tal, mas, ao permanecer nesta posição fixa e unilateral, não é capaz de mover-se até a indiferença como momento essencial do absoluto.

Princípio e fim do formalismo é a infinitude como negatividade absoluta, a unidade resultante do processo de negação de toda multiplicidade finita, o absoluto negativo. Para Hegel, esta posição é insuficiente, pois o absoluto é, ao lado de sua unidade puramente negativa no conceito, também unidade

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