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O termo “intertextualidade” foi primeiramente desenvolvido por Kristeva no final dos anos de 1960. Entretanto, apesar de o termo não ter em Bakhtin o seu precursor, foi por meio do desenvolvimento dos seus trabalhos acadêmicos que a intertextualidade passou a ser foco para a análise de textos. Para Bakhtin (apud FAIRCLOUGH, 2001),“textos e enunciados são

moldados por textos anteriores aos quais eles estão „respondendo‟ e por textos subsequentes que eles „antecipam‟” (p. 134).

Fairclough (2001), em Discurso e Mudança Social, traz a perspectiva bakhtiana e afirma que “todos os enunciados são povoados e, na verdade, constituídos por pedaços de enunciados de outros, mais ou menos explícitos ou completos” (p. 134). Assim, textos adquirem um caráter inerentemente intertextual, sendo constituídos por elementos de outros textos. Fairclough ainda apresenta-nos a distinção postulada por analistas de discurso franceses – Authier-Révuz (1982); Maingueneau (1987) – entre a intertextualidade manifesta e a intertextualidade constitutiva:

(i) Intertextualidade manifesta: outros textos estão manifestamente marcados por meio gráfico, por exemplo, o uso das aspas;

(ii) Intertextualidade constitutiva: convenções discursivas são introduzidas na produção do texto, diluidamente.

Além disso, Fairclough posiciona o intérprete como sujeito do discurso acima e fora da intertextualidade, “... pois, para que os textos façam sentido, os intérpretes têm de achar modos de combinar os diversos elementos do texto em um todo coerente, embora não necessariamente unitário, determinado ou não ambivalente” (p. 170).

Para tanto, a interpretatibilidade das capas do corpus desta pesquisa está diretamente relacionada à intertextualidade presente nos enunciados, e não somente a ela, mas também à coerência textual constituída nos e pelos discursos das capas.

2.3.1 Os caminhos articulados para a Coerência Textual

A construção da coerência do corpus da presente pesquisa terá como base os fundamentos estipulados por Marcuschi (2007). Neles, a coerência não é materializada no texto, ou seja, tal qual uma propriedade textual que se pode apontar no código. Mas sim

o fruto de uma atividade de processamento cognitivo altamente complexo e

colaborativamente construído. Coerência será aqui tomada como algo dinâmico e

não estático. Algo que estaria mais na mente do que no texto. Mais do que analisar o sentido que um texto pode fazer para seus usuários, trata-se de observar o sentido

que os usuários constroem ou podem construir para suas falas. (MARCUSCHI, 2007, p. 13, grifos meus)

Assim, na análise dos dados, comprovar-se-á a necessidade de se adotar esta perspectiva de coerência como atividade desenvolvida num movimento de colaboração entre os participantes (autor/leitor). Trata-se, portanto, da noção interacional de coerência, que toma como base para a produção de sentido os processos colaborativos efetivados na interação social. Assim, a produção de sentido passa a ser uma construção social realizada na comunicação.

Para contrapor a esta noção interacional de coerência, tem-se as noções estrutural e inferencial. Distinguirei as duas noções para comprovar que tais perspectivas não dão conta do uso efetivo da língua, e por essa razão, não serão contempladas neste trabalho.

Na noção estrutural de coerência, esta é tida como um atributo do texto: pode-se observar relações de algum modo instaladas no interior do próprio texto por meio do código, com o intuito de concatenar ideias e conteúdos. A coerência é materializada no próprio código linguístico, em:

(i) Unidades tópicas (um mesmo tópico em andamento), intitulada por Van Dijk como “macroestruturas”;

(ii) Sequências referenciais (mesmos referentes sendo concatenados por meio de correlações léxicas, relações anafóricas, etc.);

(iii) Sequências conectivas (relações argumentativas que se estabelecem entre os enunciados formando conjuntos logicamente congruentes), tal qual proposto por Reinhart (1980).

Assim, a noção estrutural de coerência dá-se na articulação com o código, estando ligada essencialmente com uma semântica das condições de verdade: qual o significado dos códigos linguísticos colocados no texto.

Já na noção inferencial de coerência, esta é tida “como um conjunto de relações construídas mediante processos cognitivos, lógicos e pragmáticos expressos em atividades inferenciais a partir de condições postas tanto pelo código como pelo contexto e pelas intenções dos falantes” (MARCUSCHI, 2007, p. 15). A coerência se dá, portanto, pelo resultado de processos inferenciais: o que o autor quis dizer com isso.

O posicionamento adotado na presente pesquisa é o mesmo de Marcuschi: adota-se a noção interacional de coerência, porque esta vê a produção de coerência como produção de sentido numa atividade conjunta e dada colaborativamente.

Faz necessário, ainda, estabelecer quais são as atividades que norteiam o processo de produção de coerência, ultrapassando o conceito de língua como código. Dentre as atividades, destaca-se: (i) referência; (ii) significado; (iii) cognição; (iv) efeito de sentido.

Para a Semântica, a referência se dá na relação entre linguagem-mundo, ou seja, entre o signo linguístico e seu referente, este visto como um objeto-do-mundo correspondendo à extensão do código usado. Tem-se, aqui, uma visão extensional da língua, um processo em que na atividade de dizer se etiqueta os objetos. Para a presente dissertação, esta perspectiva não dá conta dos dados e não consegue explicar as representações que são construídas pela mídia. Para tanto, utilizar-se-á a noção de referência em que os objetos construídos na língua são objetos-de-discurso: trata-se da visão não extensional na língua.

Marcuschi (2007) delimita o significado como sendo “o sentido que a expressão obtém no uso efetivo” (p. 18).

Para analisar os dados do corpus da presente pesquisa, é imprescindível conceituar o que Marcuschi intitulou de “cognição contingenciada”:

Trata-se, na realidade, de sugerir que, ao lado de uma forma de cognição que se dá com modelos mentais ou experimentos mentais, há uma cognição que se dá diretamente na elaboração mental vinculada a situações concretas colaborativamente trabalhadas na interação contextualizada. A expressão “contingenciado” dá conta precisamente do aspecto da vinculação situacional. (MARCUSCHI, 2007, p. 19)

De acordo com Marcuschi (2007), efeito de sentido “é o produto de operações cognitivas, linguísticas e discursivas realizadas colaborativamente. Assim, o sentido torna-se um efeito e não um dado a priori ou um dado inscrito no texto como tal” (p. 19).

Diante do exposto, será possível observar, quando da análise das capas selecionadas para o corpus desta pesquisa, como a intertextualidade presente nos discursos e a coerência textual articulada nos mesmos relacionam-se quanto à interpretabilidade dos enunciados: para que os textos das capas produzam sentidos, os leitores têm de achar os modos de combinar os

elementos composicionais (linguísticos e imagéticos) em um todo coerente, sendo, assim, os sentidos frutos de processamentos cognitivos complexos e construídos colaborativamente.