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3. Os colonos nos domínios de Rheingantz

3.2. A INTERVENÇÃO DO GOVERNO DA PROVÍNCIA E AS LIDERANÇAS LOCAIS

As agitações provocadas pelos colonos e a saída de Rheingantz de São Lourenço levaram os administrados provinciais a inter- virem no núcleo. Assim, em janeiro de 1868, chegava à colônia o novo diretor nomeado pelo Governo Provincial, o Barão de Kalden, juntamente com o Chefe de Polícia da Província Belarmino da Gama e Melo, encarregado pessoalmente de investigar os aconte- cimentos. Depois dos primeiros interrogatórios, foram presos dez colonos acusados de serem “os cabeças” do movimento do natal de 1867. Em 18 de fevereiro de 1868, Jacob Rheingantz prestou depoimento como vítima no processo, relatando resumidamente os principais acontecimentos da revolta e afirmando que, após ter a casa invadida, os colonos o ameaçaram de morte e tentaram incendiar sua residência. Nesse depoimento, o diretor acusou os colonos Decker, Ostenberg, Pons, Paulsen, Rheinbrech e Thurow de serem os articuladores do movimento89.

Não podemos precisar o motivo pelo qual foram acusados ape- nas os colonos que apresentamos, uma vez que outras pessoas estavam envolvidas no planejamento dessa reunião, realizada na residência de Rheingantz. Uma das hipóteses é que o delegado de Polícia de Pelotas, comendador Alexandre Vieira da Cunha, tenha realizado, previamente, uma investigação policial entre os colonos de São Lourenço, pois foi a primeira autoridade a chegar ao núcleo, para preparar a instalação do Chefe de Polícia na loca- lidade. As autoridades policiais brasileiras ao chegarem à colônia prenderam e interrogaram justamente esses acusados, sem ouvir nas investigações policiais a outros colonos; somente tempos depois, seriam ouvidas outras pessoas, como testemunhas, sendo que, a maioria delas, não habitava o núcleo. O professor Alberto Guilherme Sellin, contratado para dar aulas na escola que Rhein- gantz mantinha ao lado de sua casa, afirmou que “viu a passar a cavalo Ebert e Alberto Bergmann, que segundo ouviu dizer a outros colonos, andavam fazendo aviso para a reunião que pouco

89. Depoimento de Jacob Rheingantz em 18 fev. 1868. APERS. Processo Crime n. 520, cx. 006.0311. s/p. Veja também Bosenbecker (2018).

depois se achou à frente da casa de Rheingantz”90. Mesmo assim, os irmãos Bergmann não foram processados, sequer intimados a depor.

Enfim, os processados foram José Pons, Carlos Rheinbre- cht, Felipe Schneid, Guilherme Könsgen e o irmão Pedro Kön- zgen, Jacob Vogt, Jacob Deker, Chistiano Luis Thurow, Jeremias Ostenberg e André Poulsen. Estes dois últimos, Ostenberg e Poul- sen, fugiram logo após serem presos, mas retornaram a São Lou- renço algum tempo depois91. Ostenberg teria ficado com alguns dos papéis que o empresário assinou no dia da revolta; já, dos irmãos Könsgen, apenas Guilherme foi processado, e não há infor- mações sobre Pedro, apesar de seu nome estar entre os pronuncia- dos; entretanto, os irmãos não eram acusados pelo motim em si, mas porque, no dia seguinte, acertaram as contas com Rheingantz, baseados nos acordos firmados durante o protesto.

Conforme o Chefe de Polícia da Província, a punição dos acu- sados, independentemente do grau de participação deles no movimento, era um dever da Justiça, devido também à “impos- sibilidade de tornar efetiva a punição de todos os culpados, o que sempre acontece, quando [há] um grande número de pessoas como no caso presente, que atingiram a mais de duzentos”, sendo que aqueles punidos serviriam de exemplo para conter possíveis crimes desta ordem e, por isso, “a ação da lei [deveria] pesar com

90. Depoimento de Alberto Sellin, em 16 fev. 1868. APERS. Processo Crime n. 520, cx. 006.0311. s/p. Alberto Bergmann, e seu irmão, chamado Augusto, foram indiciados pela morte de João Anderson, ocorrida em 3 fev. 1868. Ander- son foi morto quando ameaçava Alberto Bergmann com um facão e, ao ser contido por vizinhos e parentes, acabou recebendo pancadas na cabeça, das quais veio a falecer. Foram processados pelo assassinato vários vizinhos e o cunhado de Anderson, além dos irmãos Bergmann, mas todos foram absolvi- dos em julgamento. Processo Crime n. 771, réus: Alberto Bergmann, Augusto Bergmann, Augusto Blank, Carlos Perleberg, Carlos Behling, Henrique Rei- chow e Wilhem Krüger, ano 1868, cx. 006.0321.

91. Nota: Jeremias Osterberg ou Ostenberg nasceu em Bettenhausen, Hesse- -Kassel, faleceu e foi sepultado na colônia São Lourenço em 15 set. 1873. Ele foi casado com Margaretha Lauterborn com quem teve filhos, alguns nasci- dos na colônia. Já Poulsen ainda vivia na colônia São Lourenço no início da década de 1880, quando se envolveu em conflitos com vizinhos e familiares.

todo o seu poder sobre os cabeças que, em tais circunstâncias, se tornam os mais responsáveis”92. Ou seja, era necessária uma punição aos réus, como um exemplo, buscando coibir novas mani- festações desse porte.

No primeiro julgamento, realizado em Pelotas, os réus foram absolvidos das acusações pelos jurados, sendo que Jacob Decker e Cristiano Thurow foram absolvidos por unanimidade de votos e os outros indiciados também foram absolvidos, com sete votos cada. O juiz de Direito João Francisco de Moura Magalhães, que se mostrou irritado com a decisão do júri, por ser contrária às evidências resultantes do processo, recorreu da decisão em 25 de julho de 1868, e o processo foi enviado para o Tribunal da Relação no Rio de Janeiro. Infelizmente, não foi possível saber a decisão da apelação, mas os acusados voltaram a São Lourenço pouco tempo depois. Para o Juiz, “os meios de coação que os réus empregaram e executaram para conseguirem os seus intentos que lograram realizar além de constituírem uma verdadeira extorsão são tumultuários e subversivos da ordem pública.” Sendo assim, os réus eram “merecedores de punição”, e entre os motivos para a punição estava o “exemplo [aos] outros colonos, como tam- bém porque os perigos que resultam da impunidade, [podiam] seriamente comprometer o futuro da importante e da florescente Colônia São Lourenço”93.

Nenhum dos acusados de “serem os cabeças do motim” reco- nheceu qualquer envolvimento com o planejamento da reunião, apesar de todos esclarecerem às autoridades sobre as motivações da revolta, e, na maior parte dos depoimentos, tentaram mostrar surpresa e casualidade sobre o seu comparecimento à casa de Rheingantz. Essas tentativas de afastar possíveis comprometi- mentos com o “movimento” transformaram as suas declarações em um conjunto de contradições, embaraçando a investigação

92. Pronúncia redigida pelo chefe de Polícia Belarmino Peregrino da Gama e Melo em 19 fev. 1868. APERS. Processo Crime n. 520, cx. 006.0311, s/p. 93. Pedido de Apelação do juiz de direito João Francisco de Moura Maga- lhães, em 25 jul. 1868. APERS. Processo Crime n. 520, cx. 006.0311. O corpo de 12 jurados era formado por bacharéis de direito e filhos de charqueadores, estancieiros e∕ou comerciantes da região de Pelotas.

sobre a revolta. Tratando das declarações dos acusados, podemos ressaltar que a maior parte delas tentava revelar que muitos colo- nos nem sabiam o que estava acontecendo. Jacob Vogt, por exem- plo, afirmou estar pouco tempo no protesto realizado na casa de Rheingantz, pois estava preocupado com sua mulher, que estava doente. Por repetidas vezes, afirmou ter ido à casa de Rheingantz sem ter em vista fim algum, pois não era nem credor, nem devedor do empresário, uma característica importante entre os acusados; confirmando apenas que acompanhou os irmãos Könzgen no dia seguinte, para acertarem as dívidas de suas propriedades com o diretor do núcleo, já amparados pelas resoluções da noite anterior. Quanto a Carlos Rheinbrecht, apesar de afirmar que já che- gou ao protesto tarde, por volta de oito horas da noite, disse que ainda encontrou grande um número de pessoas reunidas, para ajustar as contas com o empresário. Mas, no segundo depoimento, reformulou as informações do primeiro, dizendo não saber qual o fim da reunião dos colonos e que só teve esse conhecimento após perguntar aos presentes. Por sua vez, Felipe Schneid rela- tou que estava trabalhando em sua roça quando foi avisado por um filho de que os colonos, “em massa”, estavam a caminho da casa do empresário. Schneid deixou as plantações e foi imediata- mente se juntar ao grupo de colonos. Ao chegar à casa do diretor encontrou D. Maria Carolina – esposa de Rheingantz – , o tenente Marinho – responsável pelo destacamento policial da colônia – e o próprio Rheingantz.

Durante a conversa que o empresário teve com o tenente e dois representantes dos colonos, Ostenberg e Decker, Schneid “apro- veitando-se da ocasião entendeu-se também com Rheingantz para lhe passar o papel de sua colônia”94. Schneid serviu-se da confusão gerada pelo protesto coletivo para tentar recuperar ou apropriar um lote que disputava com o diretor há alguns anos, mas o prazo95 colonial que Schneid queria legalizar tinha naquele

94. Depoimento de Felipe Schneid em 13 fev. 1868. APERS. Processo Crime n. 520, cx. 006.0311. s/p

95. O termo prazo colonial, bastante presente nas fontes, é utilizado aqui como sinônimo de lote colonial.

momento outro proprietário, instituído pelo próprio empresário. O tenente Marinho participou ativamente das negociações com os revoltosos e providenciou o despejo do lote que Schneid conseguiu conquistar junto ao diretor. Depois da revolta, ele con- tinuou exercendo suas atividades: protegeu a casa de Rheingantz, tratou de manter a ordem da colônia e preparou a chegada do Chefe de Polícia da capital. Mas, pouco tempo depois do movi- mento, Marinho de Sá Queiroz foi avisado de que poderia ser o alvo de um novo movimento de colonos. Auxiliado pelo imigrante Alexandre Matznauer, morador da Picada Quevedos, foi levado para a casa de vizinhos naquela picada. Matznauer parece não ter envolvimento direto nos protestos, mas tinha ligações mais fortes com participantes da revolta. Segundo os registros de batismos, cerca de um ano antes dos acontecimentos conflituosos, Matz- nauer foi padrinho de um dos filhos de José Pons,96 com quem mantinha relações de amizade.

Neste ponto, notamos que alguns líderes do movimento, como Pons e Thurow, possuíam uma rede mais restrita de compadres. Identificamos que Thurow possuía laços fortes com a família de sua esposa, Ema Pierrim, e o seu principal compadre era o vizinho, Pedro Rickes, que trabalhamos no capítulo anterior. Já os outros acusados faziam parte de núcleos familiares extensos e com várias ramificações97. Como vimos no primeiro capítulo, estes laços são fundamentais para a convivência e as relações entre os imigrantes, principalmente, porque:

Situar al emigrante en el interior de sus redes de relacciones no significa negal el rol de la cultura, sino abrirse a un concepto dinámico de cultura en tanto processo creativo y permanente de construcción e reconstrucción que acontece en la interac- ción entre los individuos y que, por tanto, no existe ni puede ser estudiado fuera de éstos. (RAMELLA, 1995, p. 16).

96. AP. Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Boqueirão. Batismos. Livro III, p. 67v. Pons e Matznauer também chegaram juntos na colônia. 97. AP. Freguesia de Nossa Senhora do Boqueirão. Batismos. Livro III. Estas ramificações podem ser conferidas a partir do conjunto das listas de embarque e desembarque de imigrantes dirigidos ao núcleo de São Lourenço.

Pons e Thurow eram inimizades declaradas do empresário, e Rheingantz, por sua vez, aproveitou os depoimentos para incri- miná-los, como os conspiradores responsáveis pelo “motim”. O primeiro e mais provocador dos inimigos de Rheingantz era José Pons. Acusado como um dos principais líderes do movimento, Pons articulava as reclamações nos bastidores da revolta e era apontado como o principal intermediador dos problemas colo- niais junto aos órgãos do governo nacional e, até, com as autori- dades prussianas. Pons, para Rheingantz, era “o pior dos turbu- lentos da colônia”, sendo acusado pelo diretor de ser o autor dos documentos redigidos e encaminhados ao Governo, durante os anos de 1865 e de 1866. Para Eduardo Iepsen, Pons, que é sempre o primeiro a assinar os documentos, foi o autor da petição dos colo- nos, enviada ao Presidente Homem de Melo, e seria “interessante destacar o próprio modo com que Pons se refere à Rheingantz: ‘diretor’, entre aspas e seguido de um ponto de interrogação e de uma exclamação (?!), demonstrando extrema ironia – como se o empresário tivesse assumido tal título de maneira imprópria, indevida” (IEPSEN, 2008, p. 117).

No entanto, não podemos afirmar se Pons foi, ou não, o autor da correspondência, pois o documento está em português e não foram encontradas cópias escritas em alemão. Pons não falava, escrevia ou lia na língua nacional, apenas Decker, Thurow e Vogt sabiam o idioma nacional e poderiam escrever o documento. Pons pode ter ditado as expressões, ou escrito em alemão e alguém transcrito o documento, mas a sua complexa elaboração e o acesso às informações e/ou às condições de enviar ao Governo do Rio Grande do Sul as exigências que operava sugerem uma teia articuladora mais elaborada e detentora de informações

privilegiadas, que abrem um campo de ações de cunho político98. Enfim, há várias possibilidades sobre a articulação do movimento, que ainda não foram exploradas.

Nenhum dos autores que analisou o tema (IEPSEN, 2008; KOLLING, 2008) ou que falou sobre ele (RHEINGANTZ, 1907; COA- RACY, 1957) cogitou a possibilidade de existir um participante ou

articulador (conselheiro, no mínimo) que não fosse colono de Rheingantz ou imigrante alemão. Podemos avaliar que os colonos revoltosos tivessem conselheiros ou que existissem integrantes no movimento com interesses políticos ou econômicos no conflito, ou um articulador de fora da colônia que possuísse inimizade ou fosse adversário do diretor, uma vez que Rheingantz já pos- suía nessa época certa visibilidade social e econômica na região, tanto como proeminente alemão e colonizador, quanto como empresário, tendo “aliados políticos” na capital, em Pelotas e em Rio Grande99.

Em sentido contrário, os estudos mais atuais apontam para uma revolta de caráter étnico, um “levante pomerano”, o que não é sugerido pelos documentos enviados aos políticos da pro- víncia, apesar dos fatores exploração econômica ou condição de servidão, geralmente associada aos pomeranos, que são a maioria dos habitantes da colônia São Lourenço, estarem presentes nas correspondências, sobretudo nas cartas enviadas à Prússia. Nilo Bidone Kolling (2008), que é um dos primeiros a falar em “levante pomerano do Natal de 1867”, escreve, a partir da correspondência

98. Nota: Conforme revelaram pesquisas posteriores (BOSENBECKER, 2018), Pons parece ter procurado um advogado em Pelotas que teria redigido um requerimento em português, entre novembro e dezembro de 1866. Tal docu- mento teria sido traduzido para o alemão, para que Pons coletasse assinaturas na colônia. Segundo Pons, entre 1866 e a revolta de 1867, teriam sido escritos pelos menos 5 documentos, entre requerimentos e abaixo-assinados. O que comprova que pessoas de fora da colônia auxiliaram colonos ou pelo menos as lideranças da colônia, intermediando conflitos e demandas, da mesma forma que indica o envolvimento de Pons na elaboração dos documentos enviados ao governo.

99. Nota: As atividades de Rheingantz e sua atuação na região podem ser vistas em Bosenbecker (2017). Sobre as articulações das lideranças da revolta veja Bosenbecker (2018).

com reivindicações enviada às autoridades prussianas, em 1865, afirmando que:

Os oito pontos da pauta reivindicatória expressam, de maneira clara, a pauta de desleixo para com a melhoria das condições aqui encontradas e trabalhadas pelos próprios colonos. Em nada mudara a sua situação de servos da gleba da Pomerânia para colonos livres no sul do Brasil. E, conclusivamente, o levante

pomerano do Natal de 1867. (KOLLIG, 2008, p. 889).

Para Kolling (2008, p. 884), o levante dos pomeranos foi “uma forma de protesto popular contra a forma de semiescravidão e endividamento, bem como o não cumprimento de promessas da parte do colonizador Rheingantz”; portanto, o autor associa a con- dição de servidão e exploração do povo pomerano, que perdurou por séculos na Europa, às condições de exploração econômica vivenciadas pelos imigrantes inseridos em São Lourenço. Ampara- dos nesta hipótese, podemos sugerir que Rheingantz teria atuado como herdeiro de representações de superioridade étnica que foram transportadas para a América, permitindo a justaposição entre recortes de classe e étnico na exploração da mão de obra. “Considerados ‘menos’ no jogo de forças culturais” (THUM, 2008,

p. 17) os pomeranos foram discriminados por alemães oriundos de outras regiões, sendo vítimas de preconceitos, “menospre- zados” e “inferiorizados” por sua condição de submissão e pela exploração econômica que sofriam. As distinções entre alemães, ou prussianos, e pomeranos parecem acentuar-se, juntamente com a ocorrência de uma positivação da identidade pomerana, que ganhou força nas últimas décadas100 e que, ao que tudo indica, pode ter incentivado autores a propor a convergência entre servi- dão pomerana e exploração comercial no contexto colonial.

Como já vimos, o movimento questionou a situação de explo- ração e a condição de servidão dos camponeses administrados pelo prussiano Jacob Rheingantz, além de expor os problemas

100. Uma análise mais detalhada sobre estas reivindicações pode ser conferida em WEBER e BOSENBECKER, 2010.

administrativos do diretor, principalmente, com as questões da legalização dos lotes coloniais. Por outro lado, o domínio comer- cial exercido pelo empresário aumentava a capacidade de explo- ração que este detinha sobre os colonos, que, conforme o pró- prio Kolling, “não queriam ver repetidos os mesmos problemas e mazelas da velha Prússia” (2008, p. 886). Assim, aquele imigrante que não possuía um capital próprio e que estivesse submetido a viver no lote colonial, tendo, ao mesmo tempo, que sobreviver e pagar as dívidas coloniais (que podiam incluir desde o valor da passagem de navio ao Brasil, alojamentos, compra do lote, ferra- mentas, sementes, roupas e alimentos até que se pudesse produzir para o consumo da família), ficava confinado a uma condição de exploração, a uma servidão semelhante àquela da qual buscou afastar-se ao emigrar. Esses problemas, em geral, acompanharam o processo colonizador brasileiro instituído na região sul do País durante o século XIX. A aquisição de terra e a garantia de autono-

mia eram importantes motivadores das migrações transoceânicas do século XIX. Petrone (1982, p. 10) ressalta “o fascínio que o apelo à possibilidade de acesso à terra exerceu sobre os emigrantes”, ideal que se contrapunha à industrialização europeia, ao cres- cimento demográfico, ao pauperismo relegado às populações urbanas e legislações de hereditariedade que não atendiam as demandas da maioria da população do velho continente, e que trouxeram à América milhares de emigrantes que sonhavam com a aquisição, por vezes romantizada, de um pedaço de terra.

Como já mencionamos anteriormente, motins e revoltas ocor- rerem em diversas regiões coloniais ao longo do desenvolvimento das mesmas (TRAMONTINI, 1994; WITT, 2001; SEYFERTH, 1999) e por motivos semelhantes aos das exigências expostas pelos revoltosos de São Lourenço: medições, títulos de propriedade, má administração dos diretores; indicando as formas exploratórias pelas quais o sistema de colonização com imigrantes “alemães” assentados em lotes agrícolas se reproduziu. Para melhor compre- endermos os interesses que desencadearam o motim, passaremos a analisar as características dos seus líderes, presos e julgados, começando pelos irmãos Könzgen, que são os únicos imigrantes presos (ou indiciados, já que Pedro não foi preso, nem compareceu

ao julgamento) que podemos afirmar, comprovadamente, serem colonos assentados em lotes comprados de Rheingantz e terem origem pomerana, diferente dos demais acusados, como Pons, por exemplo, que era belga de nascimento e chegou à colônia, em 1863, com capital próprio. Ainda na Europa, Pons trabalhou com o comércio de cereais e casou-se com a filha de um fabricante de cervejas e comerciante da região de Liege, e, segundo depoimen- tos de descendentes, sua ideia ao emigrar era de estabelecer uma fábrica ou comércio de cerveja no Brasil101.

Quando chegou a São Lourenço, Pons comprou seu lote de um colono e não das mãos de Rheingantz, dono da colônia, que usaria este fato para mostrar ao governo provincial que nunca trouxe “desordeiros” para a sua colônia, e que estes “aproveitadores”,

abusando de pessoas ingênuas, comercializavam ilegalmente os lotes, provocando “tumultos” entre os colonos “trabalhado- res”. Portanto, como vemos, Pons tinha ambições comerciais que nortearam sua decisão de emigrar e recursos materiais e simbólicos que lhe propiciaram assumir um papel diferente no esquema polarizado que existia entre Rheingantz e os colonos por ele assentados. Além disso, Pons parece se afastar das questões que nortearam a demanda étnica de exploração econômica de pomeranos por prussianos. Como veremos, ainda neste capítulo, esses são fatores importantes para a posição de liderança legada ou assumida por Pons, durante o movimento.

Pons acusou Rheingantz de persegui-lo, espalhando pela colô-