• Nenhum resultado encontrado

3 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA ANTE OS MODELOS DO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL E DO ESTADO NEOLIBERAL

No documento EDIÇÃO COMPLETA (páginas 115-118)

Considerando a estruturação de dois grandes modelos econômicos que prevaleceram nos Estados ao longo do último século, cabe analisar quais as premissas destes no que se refere ao papel do Estado na eco- nomia. Neste campo, parte-se da influência do modelo de Keynes no Welfare State até chegar à decadência deste para a ascensão do Neoliberalismo.

O Estado de Bem-Estar Social ou Welfare State pode ser visto como a forma mais avançada de exercí- cio público da proteção social. Fiori (1995) explica que o Welfare contemporâneo está centrado em quatro pilares: o primeiro, que são os fatores materiais ou econômicos que englobam o reconhecimento de valores como crescimento e pleno emprego, a manutenção do crescimento econômico, o aumento dos ganhos fiscais, algum consenso paralelo quanto às políticas de Keynes e a generalização do paradigma fordista; o segundo, que é o ambiente econômico global criado que permitiria conciliar o Welfare e a estabilidade da economia in- ternacional; o terceiro, que é o clima de solidariedade nacional entre países vencedores e vencidos no pós-Se- gunda Guerra; o quarto, que é o avanço das democracias partidárias e de massa, que geraram efetiva disputa eleitoral e, assim, abriram margem às reivindicações de diversos setores sociais.

A primeira característica que pode ser atribuída a este modelo consiste na adoção de novas formas de política social, muito diversas das que lhe precederam, historicamente, notadamente antes da Segunda Guer- ra Mundial. Sobre esta característica, Fiori (1995, p. 4) afirma:

Não cabem dúvidas que só os estudos mais recentes propuseram um conceito capaz de dar conta da comple- xidade do fenômeno do welfare e, portanto, também, de suas diferenças e descontinuidades fundamentais com as trajetórias e/ou padrões históricos anteriores, de organização das políticas sociais de tipo privado ou governamental, assistencial ou contratual.

A compreensão do fenômeno do Welfare State depende aqui, também, da percepção acerca dos en- trelaçamentos das atividades estatais com o papel do mercado e da família. Neste viés, não basta observar a característica que consiste na adoção de novas formas de política pública, mas é preciso considerar as efetivas mudanças regulatórias que atingem os serviços sociais universais e a própria distribuição de renda como ob- jetivo estatal.

De forma mais específica, cabe observar diversos modelos de Welfare, com características próprias, va- riando entre países e regiões do mundo.

Conforme Fiori (1995), há diversas classificações, mas, de forma geral, pode-se apresentá-las da seguin- te forma:

a) Residual ou liberal: políticas sociais sem caráter preventivo e temporariamente limitadas, normalmente aos com- provadamente pobres;

b) Meritocrático-particularista ou conservador-corporativista: política social usada apenas para corrigir a ação do mercado, atuando de forma complementar, pouco esforço em direção a uma redistribuição;

c) Institucional-redistributivo ou socialdemocrata: voltado para a produção e distribuição de bens e serviços so- ciais, garantidos a todos os cidadãos de forma universal.

Com efeito, o modelo de Estado de Bem-Estar Social entrou em decadência nos anos 70, conforme os Estados que adotavam tais formatos ficavam cada vez mais extensos, pesados e onerosos. Isso gerou graves reflexos durante as crises econômicas que avançaram pelo mundo a partir deste período.

O Welfare passou a ser colocado como um dos principais fatores nos diagnósticos de crises, mas o seu desmonte não se deu de forma abrupta e estrondosa e, na verdade, ainda é possível perceber traços dele na economia de diversos Estados – mesmo naqueles que atendem, hoje, a uma agenda predominantemente neoliberal. Com a globalização, entretanto, intensificou-se o desmonte dos modelos de Welfare.

Especificamente quanto à ascensão do Neoliberalismo, Anderson (1995, p. 9) analisa:

O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem- -estar. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política.

Hayek juntou-se a outros fortes críticos do New Deal americano e do Estado de Bem-Estar europeu, como Milton Friedman, Karl Popper, Ludwig Von Mises, entre outros, e fundou a Sociedade de Mont Pèlerin, cujo propósito era combater as ideias de Keynes ora dominantes e lançar bases para um novo tipo de capi- talismo. Embora a formação do ideário neoliberal tenha se dado no entorno do final da Segunda Guerra, so- mente com as crises financeiras da década de 70, cercadas pela baixa taxa de crescimento e pela alta taxa de inflação, ele começou a ganhar terreno (ANDERSON, 1995).

Em termos característicos, o modelo neoliberal tem como algumas de suas premissas em relação ao modelo de welfare: remercantilização da força de trabalho, contenção ou desmontagem de sindicatos, des- regulação de mercados de trabalho, privatização de serviços sociais, cortes nos programas de integração de renda, maior autonomia e poder a setores voluntários e outras organizações privadas ou filantrópicas (FIORI, 1995).

Algumas políticas econômicas típicas de um modelo neoliberal podem ser observadas a partir do go- verno de Thatcher na Inglaterra: contração da emissão monetária, elevação da taxa de juros, redução dos impostos de alto rendimento, abolição de controle dos fluxos financeiros, criação de níveis massivos de de- semprego, combate a greves, corte de gastos sociais, criação de legislação antissindical e, principalmente, engajamento num forte programa de privatizações(ANDERSON, 1995).

Nem todos os países, no entanto, se engajaram em medidas tão radicais na época; por exemplo, al- guns governos de direita europeus optaram por tornar mais criteriosa a disciplina orçamentária e por engajar reformas fiscais, em vez de confrontar sindicatos e reduzir gastos sociais num modelo neoliberal moderado (ANDERSON, 1995).

Denomina-se de decálogo neoliberal o composto de dez características essenciais do modelo neoliberal da economia:

1. O Estado tem que limitar sua atuação ao estritamente imprescindível. 2. As contas do setor público devem estar sempre equilibradas.

3. Eliminar subsídios a empresas, cortar os gastos sociais e reduzir ao mínimo os gastos correntes da Adminis- tração.

4. Corte drástico dos impostos e encargos sociais de empresas e particulares. 5. Flexibilidade do mercado de trabalho. Eliminação do salário mínimo.

6. Reformas estruturais pela via de uma maior flexibilidade do mercado fundiário e uma abertura geral à con- corrência.

7. Políticas microeconômicas de fomento ao investimento privado e políticas ativas de emprego. 8. Políticas monetárias baseadas em tipos de interesses baixos.

9. Política fiscal que incentive o reinvestimento de benefícios.

10. Modificação do sistema de negociação coletiva (PÉREZ GÓMEZ, 2001, p. 128-129).

Anderson (1995) diagnostica que, quanto ao objetivo de travar o aumento incontrolável dos índices de inflação, o neoliberalismo foi bem-sucedido, mas não conseguiu alcançar o seu principal objetivo, que era a restauração do crescimento econômico. Logo,

[...] a recuperação dos lucros não levou a uma recuperação dos investimentos. Essencialmente, pode-se dizer, porque a desregulamentação financeira, que foi um elemento tão importante do programa neoliberal, criou condições muito mais propícias para a inversão especulativa do que produtiva. [...] Por outro lado, o peso do Estado de Bem-Estar não diminuiu muito, apesar de todas as medidas tomadas para conter os gastos sociais (ANDERSON, 1995, p. 16).

Em que pese o neoliberalismo não ter alcançado os resultados esperados, isso não significou a sua mor- te. Pelo contrário, o projeto neoliberal até hoje possui impressionante vitalidade, mesmo que, no fundo, te- nha propiciado mais a construção de sociedades desiguais do que alheias à intervenção estatal, como havia proposto.

O que se percebe, em todo o globo, é a consolidação de modelos de Estado de clara influência neolibe- ral, mas que não rompem laços definitivos com o modelo precedente, de Welfare State. De forma generaliza- da, características neoliberais marcantes, como a abertura de mercado e a desregulação da atividade econô- mica, se fazem presentes, mas sem implicar a necessária redução da máquina estatal, cada vez mais complexa e burocrática, que utiliza o discurso de manutenção de práticas do Estado de Bem-Estar – sem necessariamen- te efetivá-lo – como uma justificativa para seu constante agigantamento.

A formação deste modelo misto não atinge o objetivo de afastar a intervenção estatal; pelo contrário, aparatos cada vez mais burocráticos se instalam, e muito menos o de propiciar efetivo bem-estar social, pois o agigantamento dos mercados não precisamente reflete numa ampliação dos investimentos do poder públi- co. Cada dia mais, entretanto, o cenário parece se consolidar de forma irreversível, em especial em razão das consequências da globalização.

Neste ponto, globalização e neoliberalismo são contos da mesma fábula, que consolida a noção de eco- nomia-mundo. Nessa nova concepção de trocas, fixos e fluxos, o Estado submete-se aos interesses transnacio- nais, tanto produtivos quanto especulativos, em nome de uma promessa de crescimento e modernização que nunca se cumpre. A globalização cobra seu preço, mensurado em exigências político-econômicas neoliberais (LEME, 2010).

As Reformas implicaram a solicitação de novos arranjos político-institucionais para se ajustarem a novos desa- fios, muito deles, visando à sinergia maior entre a “esfera” nacional às demais demandas/pressões da “esfera” global. Esse processo reflete diretamente na forma dos atores conceberem o Estado e suas diversas funções, sejam elas no campo econômico, político ou cultural (LEME, 2010).

A globalização mostra-se um processo histórico de produção e reprodução do capital de forma com- binada e desigual que, ao mesmo tempo em que visa a integrar, também salienta as diferenças, sejam elas culturais, sociais, políticas, econômicas e espirituais entre os países do Norte e do Sul. Se, por um lado, pro- mete integração, na verdade entrega polarização – e mesmo as promessas de cooperação internacional, tão largamente afirmadas na construção do sistema de proteção de direitos humanos, pouco se efetivam. Neste ponto, o neoliberalismo globalista periférico desponta como um cenário desolador.

4 ANÁLISE DO MODELO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

No documento EDIÇÃO COMPLETA (páginas 115-118)

Outline

Documentos relacionados