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3. ABUNDÂNCIA, SOBREVIVÊNCIA E ÁREA DE VIDA MÍNIMA DA ONÇA-PINTADA E

3.1. INTRODUÇÃO

O explosivo crescimento da população humana vem causando a degradação, fragmentação e eventual destruição das áreas naturais, o que tem levado a um aumento progressivo dos conflitos entre seres humanos e animais silvestres. Os grandes carnívoros, os quais necessitamgrandes áreas intactas e uma base estável e abundante de presas, estão sendo conduzidos a situações que os levam a competir com os seres humanos por espaço e alimento (Treves & Karanth, 2003). No entanto, informações sobre parâmetros tão básicos como estimativas de tamanhopopulacional e suas dinâmicas, de grande utilidade para conservação destas espécies, são escassas devido às dificuldades financeiras e operacionais associadas aos estudos nas escalas temporais e espaciais necessárias.

Desde o início da década de 1990, em um estudo com tigres na índia (Karanth, 1995) a utilização de armadilhas-fotográficas combinadas com um arcabouço estatístico (Otis et al., 1978) vem se mostrando uma opção confiável e precisa para estimativas de abundância e densidade de carnívoros (Silver et al., 2004; Kelly et al., 2008; Silveira et al., 2009; Negrões

et al., 2010; Sollmann et al., 2011), estudos de dinâmica populacional (Karanth et al., 2006),

assim como realizar inferências nas áreas de vida mínimas destas espécies (Maffei et al., 2004; Salom-Pérez et al., 2007). As armadilhas-fotográficas, dispositivos automáticos ativados pelo calor e/ou movimento, têm se mostrado tão eficientes e mais custo-efetivas do que outras metodologias tradicionais de amostragem, como avistamentos ou censos de rastros. A facilidade de operação por pessoas pouco treinadas, o seu funcionamento (monitoramento) constante e a sua capacidade de abranger mais de uma área ao mesmo tempo são as principais vantagens desta metodologia. Dentro das suas desvantagens, está o alto custo dos equipamentos (Silveira et al., 2003) e o risco destes serem roubados ou vandalizados (Karanth et al., 2011).

As estimativas de abundância populacional são extremamente importantes para esforços de manejo e conservação de espécies como os carnívoros, sendo que uma constante realização destas estimativas ao longo do tempo e no mesmo lugar permite monitorar o aumento ou decréscimo das populações (O’Brien, 2011, Karanth et al., 2011). Todas as

55 estimativas de abundância enfrentam como primeira dificuldade o problema da detectabilidade da espécie-alvo. Os carnívoros são conhecidos por terem baixas densidades populacionais e serem espécies de hábitos crípticos (Karanth & Chellam, 2009), sendo esperado que nem todos os indivíduos sejam detectados na área amostrada ao longo de um estudo. Assim, a base das estimativas de abundância se encontra na probabilidade de captura (capturabilidade), que é definida como a verossimilhança de que um indivíduo seja efetivamente detectado (fotografado ou capturado) se está presente na área de estudo durante a amostragem. Esta probabilidade é o que diferencia uma estimativa populacional de um índice populacional (O’Brien, 2011).

Os modelos fechados de captura-marcação-recaptura (CMR) são utilizados para estimar o tamanho populacional de uma espécie dada, baseados no histórico de capturas de indivíduos reconhecidos e seguindo três premissas básicas:

1) A população é demograficamente fechada: durante a amostragem não ocorrem nascimentos, mortes, imigração ou emigração. Alguns programas computacionais usados em estudos de CMR incorporam testes para avaliar a premissa de população fechada com os dados;

2) Não há perda de marcações durante o estudo, o que não representa um problema quando marcas distintivas da pelagem são utilizadas para identificar os indivíduos e, finalmente;

3) Identificação plena das fontes de variação da probabilidade de detecção, o que permite que estas fontes de variação sejam modeladas (Otis et al., 1978; O’Brien, 2011).

Os programas computacionais mais utilizados para estudos de CMR trabalham com testes de aderência aos dados, análises discriminantes (Otis et al., 1978) e recentemente adicionam a estatística de seleção de modelos (White & Burmham, 1999) com o fim de realizar esta modelagem e estimar o tamanho da população, incluindo a possibilidade de estratificar a população em classes etárias e sexo (O’Brien, 2011). No entanto, a estimativa de densidade (que representa a abundância dividida pela área amostrada) carece de uma base estatística tão forte quanto as estimativas de abundância. Neste caso, considera-se a área amostrada como o polígono delimitado pelos pontos de amostragem adicionado de uma certa área que potencialmente esteja contribuindo com outros indivíduos à estimativa de abundância (Otis et al., 1978). O cálculo desta área é feito por métodos ad hoc (Hayne, 1949), baseados nas distâncias entre pontos de amostragem (Blair, 1940), em movimentos máximos ou médios realizados pelos animais entre os pontos (Holdenried, 1940; Wilson & Anderson, 1985). Reconhecendo os problemas de se estabelecer a efetiva área amostrada, surgiu uma nova metodologia para o cálculo de densidade, os chamados modelos de

56 captura-recaptura espacialmente explícitos (SECR models – Spatially Explicit Capture-

Recapture models) (Efford, 2004; Royle & Young, 2008). Estes modelos consideram a

localização espacial das capturas para determinar os centros de atividade dos indivíduos através de um polígono precisamente definido contendo a matriz de pontos de amostragem (Gardner et al., 2009; Royle et al., 2009). Posteriormente a densidade é estimada ao combinar esta informação com modelos de captura-recaptura.

A compreensão das dinâmicas populacionais, como recrutamento, sobrevivência, transitoriedade, imigração, emigração, taxas de mudança populacional é outro assunto de suma importância para esforços de conservação das espécies. Os modelos abertos de captura-recaptura podem ser usados para estimar estes parâmetros ao longo do tempo e do espaço (Karanth et al., 2011). Tais modelos podem ser modelos de idade simples, nos quais as probabilidades de captura e sobrevivência são as mesmas para todos os indivíduos, ou modelos de idade múltipla, que assumem que a sobrevivência ou capturas são específicas de uma idade ou classes de idades (Pollock & Alpizar-Jara, 2005). Devido à dificuldade de detectar filhotes (especialmente de felinos), estes não são considerados para a estimação de parámetros demográficos (Karanth et al., 2011). Tal pressuposto implica o uso de um modelo de idade-única, conhecido como modelo Jolly-Seber, o qual inclui como parâmetros a probabilidade de captura, sobrevivência, recrutamento e abundância (Jolly, 1965; Seber, 1965). Da mesma forma que os modelos para populações fechadas, o modelo Jolly-Seber requer uma série de premissas:

1) Todo animal vivo na população durante um evento de amostragem, tem a mesma chance de ser capturado em dito evento;

2) todos os animais da população durante um evento de amostragem possuem a mesma chance de sobreviver até o próximo evento de amostragem;

3) as marcas individuais dos animais não são perdidas;

4) os eventos de amostragem são curtos ou quase instantâneos; 5) toda a emigração da população é permanente e;

6) a detecção (ou capturabilidade) e a sobrevivência de um indivíduo são independentes das dos outros indivíduos.

A onça-pintada (Panthera onca) é o maior felídeo das Américas e o terceiro no mundo, e se encontra atualmente classificada pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, 2003) como ‘Quase Ameaçada’. A espécie está distribuída ao longo de uma variedade de ecossistemas no continente, originalmente estendendo-se desde o Arizona, Novo México e Califórnia, nos Estados Unidos, até o Rio Negro na Argentina (Seymour,

57 1989). Trabalhos recentes (Sanderson et al., 2002; Zeller, 2007; Tôrres, 2010) consideram a espécie praticamente extinta nos Estados Unidos e emboa parte da América Central, cujas populações restantes enfrentam diferentes perspectivas de sobrevivência a longo prazo nas regiões ainda ocupadas. Contribuindo com quase 50% da atual distribuição geográficada espécie (Sanderson et al., 2002; Zeller, 2007), o Brasil apresenta a maior variedade de habitats com ocorrência da onça-pintada. Dos seis grandes biomas existentes no país, a espécie pode ainda ser encontrada em cinco deles: Floresta Amazônica, Caatinga, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica. Com suas diferenças em habitat e disponibilidade de base de presas, a ecologia da onça-pintada difere amplamente ao longo desses biomas (Astete et al., 2008).

A onça-parda (Puma concolor) ocorre simpatricamente com a onça-pintada ao longo de toda a distribuição da segunda (Iriarte et al., 1990). A espécie ocorre numa grande variedade de habitats, desde desertos até florestas de coníferas, incluindo a Amazônia e o Pantanal. Com relação à topografia, ela ocorre desde o nível do mar até mais de 5.800 m nos Andes (Wozencraft, 2005). Ao longo de toda a área de distribuição da espécie, a composição e características das suas presas variam amplamente, assim como os habitats disponíveis e a abundância de outros carnívoros competidores potenciais (Iriarte et al., 1990). A abundância das onças-pardas pode ser influenciada por cada um ou a combinação desses fatores (Sunquist & Sunquist, 1989).

A Caatinga, único bioma endêmico do Brasil, ocupa aproximadamente 800.000 km² e, embora possua um patrimônio biológico expressivo e exclusivamente brasileiro, a situação de conservação da Caatinga tem recebido pouca atenção por parte do Estado. As cerca de 40 unidades de conservação aí existentes correspondem a 7,1% da superfície total,mas só 1,21% estão contidos em unidades de conservação integral. Nenhum outro bioma brasileiro possui tão poucas unidades de conservação integral (Capobianco, 2002; MMA, 2004). A situação dos predadores de topo como onça-pintada e onça-parda em qualquer local/região do bioma da Caatinga ainda é, no mínimo, pouco conhecida.

O presente estudo realizou uma avaliação do estado das populações de onças-pintadas e onças-pardas no Parque Nacional Serra da Capivara (PI), uma das mais importantes Unidades de Conservação do bioma Caatinga. Para tal fim, todo o Parque foi amostrado com armadilhas-fotográficas,e utilizando-se modelos estatísticos de marcação- recaptura,foram estimados os valores de abundância, densidade e sobrevivência da onça- pintada e onça-parda. Finalmente, foi calculada a área de vida mínima utilizada pelas onças no Parque Nacional Serra da Capivara.

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