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3 ANÁLISES DA INSTÂNCIA LINGÜÍSTICA-ENUNCIATIVA DOS TEXTOS DA

3.1 INTRODUÇÃO

“Nosso ponto de partida é o de que a análise de discurso visa compreender como um objeto simbólico produz sentidos” (ORLANDI, 1999, p. 66).

O objetivo deste capítulo é o de proceder às análises dos textos das ‘orelhas’ e sinopses dos catálogos, ambos publicados por editoras, como materiais destinados à divulgação de livros. No que concerne ao corpus, foram selecionados textos de ‘orelhas’ e catálogos das obras Madame Bovary, de Gustave Flaubert, da obra Madame Hermet e Outros Contos Fantásticos, de Guy de Maupassant e, finalmente, dos Pequenos Poemas em Prosa, de Charles Baudelaire. Estas obras são publicações brasileiras, tratando-se, portanto, de traduções. Os textos, acima citados, constarão dos anexos deste trabalho, na sua integralidade e forma física.

Para isso, faz-se necessário explicitar os procedimentos que serão percorridos durante a realização das análises. Partindo-se de uma instância lingüística/enunciativa, através de

pistas de natureza formal, buscar-se-á chegar às propriedades discursivas materiais que constituem o texto, no próximo capítulo.

Enquanto instância lingüística, o enunciado se constitui linearmente, produzindo um efeito de homogeneidade, coerência e articulação. O ato da enunciação, por sua vez, constitui- se a partir de elementos que se organizam através de uma cena enunciativa em que, de acordo com MAINGUENEAU (2002, p. 85) “a fala é encenada”. Segundo o mesmo autor, a cena de enunciação é mutante, variável, pois a mesma cena poderá ser analisada de diversas maneiras, dependendo do ponto de vista assumido pelo analista. Assim, a cena enunciativa de um anúncio publicitário, por exemplo, pode ser analisada a partir da maneira como se associa aos setores de atividades sociais (tipos de discurso), divisão esta bastante ampla e que tem como base “grades sociológicas mais ou menos intuitivas” (MAINGUENEAU, 2002, p. 62). A mesma cena enunciativa, que pode ser a de um anúncio de produtos numa revista feminina, também se constitui a partir de um lugar institucional e necessita organizar-se de maneira a garantir certas regularidades envolvendo parceiros, finalidade, lugar e momento específicos. Além disso, deve ser associado a certos funcionamentos lingüísticos (gênero de discurso). Se este anúncio envolver uma conversa telefônica em que, de um escritório, uma mulher fala com uma pessoa conhecida, a cena construída pelo texto garante à leitora da revista o papel da amiga e interlocutora da mulher ao telefone.

Considerando-se o que foi exposto acima, a cena enunciativa se constitui por uma cena englobante correspondendo ao tipo de discurso (publicitário), por uma cena genérica relacionada ao gênero de discurso (anúncio de produtos numa revista feminina) e pela cena construída pelo texto que corresponde à cenografia em si (conversa telefônica). Enquanto a cena englobante nada tem de atemporal, pois é ela que define a situação dos parceiros e um quadro espaço-temporal, a cena genérica implica um co-enunciador e está relacionada aos gêneros do discurso. Estas cenas definem o quadro cênico do texto que, por sua vez, define o

espaço estável no interior do qual o enunciado adquire sentido. Assim, o leitor de uma publicidade qualquer só pode lê-la, se tiver em mente o quadro cênico da mesma. Entretanto, não é com o quadro cênico que o leitor se depara, mas com uma cenografia:

[...] todo discurso pretende convencer instituindo a cena de enunciação que o legitima. [...] A cenografia não é simplesmente um quadro, um cenário, como se o discurso aparecesse inesperadamente no interior de um espaço já construído e independente dele: é a enunciação que, ao se desenvolver, esforça-se para constituir progressivamente o seu próprio dispositivo de fala.

A cenografia implica, desse modo, um processo de enlaçamento paradoxal. Logo de início, a fala supõe uma certa situação de enunciação que, na realidade, vai sendo validada progressivamente por intermédio da própria enunciação. Desse modo, a cenografia é ao mesmo tempo a fonte do discurso e aquilo que ele engendra; ela legitima um enunciado que, por sua vez, deve legitimá-la, estabelecendo que essa cenografia onde nasce a fala é precisamente a cenografia exigida para enunciar como convém, segundo o caso, a política, a filosofia, a ciência, ou para promover certa mercadoria...[...] Tomando como exemplo um texto publicitário, escolhemos um gênero de discurso que, do ponto de vista da cenografia, tem um estatuto privilegiado (MAINGUENEAU, 2002, p. 82).

A cena de enunciação, o tipo e o gênero de discurso constituem o quadro da enunciação, enquanto que a estrutura lingüística constitui o meio através do qual a enunciação se manifesta. Pode-se afirmar, então, nos termos de MAINGUENEAU (1987 apud ORLANDI, 2001) que a cenografia discursiva organizada pelo eu/tu-agora-aqui do discurso em termos de locutor/destinatário-cronografia-topografia é entendida porque o que funciona no discurso são relações que se produzem em um mecanismo de substituições, isto é, num conjunto já-lá de “lugares” determinados por uma topografia social, nas quais os sujeitos se inscrevem e que funcionam imaginariamente no discurso.

Partindo então, da identificação do emprego de pessoas (enunciador/co-enunciador), dos tempos e modos verbais, das modalizações (modo pelo qual o enunciador mostra sua presença através do que diz), busca-se compreender o conjunto de operações através dos quais um enunciado se ancora na situação de enunciação. Dito de outro modo, interessa-nos neste momento, descrever e analisar os textos propostos como corpus deste trabalho, buscando identificar o funcionamento lingüístico que está associado a sua cenografia, a qual, por sua

vez, é determinada pelas propriedades internas do processo discursivo, ou seja, aquelas que podem evidenciar a relação da língua com a ideologia e a história.