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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.2 CONTEXTO ESPANHOL

2.2.1 Introdução

No século XX, a cidade de Madri passou por diferentes formas de construir cidade (transformações urbanas) frente a distintos contextos políticos e econômicos. Esse processo teve o impulso inicial devido ao aumento populacional, por sua vez ocasionado pela classe trabalhadora que chegou à cidade atraída pela industrialização. Esse fenômeno, assim como no Brasil, gerou grandes problemas de acesso à habitação e necessidade do Estado em responder à realidade, através de intervenções, muitas vezes morosas quando comparadas à demanda da população.

Gráfico 04 - Dados de crescimento demográfico da cidade de Madri27 no período de 1877 a 2011

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Ayuntamiento de Madrid e Instituto Nacional de Estadística

A partir da análise do gráfico acima (Gráfico 04), é possível observar um grande crescimento populacional na cidade no período de 1910 ao final da década de 60, de 1970 em diante a taxa de crescimento passa a ser menor e mais constante.

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Vale a pena ressaltar que a cidade de Madri sofreu anexação de áreas no período de 1947 a 1950 e em 1954, incluindo os municípios de Carabanchel Alto e Carabanchel Bajo (área de estudo) em 1948.

400.917 542.739 575.675 614.322 823.711 1.041.767 1.322.835 1.553.338 2.177.123 3.120.941 3.158.818 3.010.492 2.938.723 3.198.645 1877 1897 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1981 1991 2001 2011

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Segundo Martín (2012), esse processo de transformação urbana da cidade pode ser dividido em cinco períodos, nos quais se revelam diferentes modos de “fazer” cidade frente a esse contexto de intenso crescimento.

Período de 1860-1939

No início do século XIX a cidade contava com 220.000 habitantes, que viviam em uma área cujo crescimento se encontrava limitado pela cerca28 construída por Felipe IV em 1625. Neste contexto, em 1857 o governo autorizou a formulação de um plano de crescimento para a cidade (Proyecto de Ensanche). O Plano Castro, aprovado em 1860, previa triplicar a superfície da cidade com a derrubada da cerca, passando de 778 a 2.294 ha e aumentar a população até 450.000 habitantes em um período de cem anos. A expansão previa uma malha ortogonal com quadras e pátios interiores, buscando reduzir a densidade populacional, de 350 hab/ha para 195 hab/ha.

Porém, o crescimento populacional foi além do esperado e em 1887, menos de 30 anos da aprovação do plano a previsão já havia sido superada, com uma população de 470.283 habitantes, atraídos pelo desenvolvimento industrial. Mesmo com modificações ao plano original e aumento da densidade populacional, a demanda por habitação ainda era superior do que a oferecida. Assim, a população buscou se refugiar em áreas periféricas, formando bairros de baixa qualidade, sem qualquer tipo de planejamento e investimento em infraestrutura.

Período de 1939-1960

Este período, marcado pelas consequências da guerra civil (1936-1939) passou por uma mudança importante na maneira de construir cidades na Espanha. A responsabilidade sobre o problema da habitação, que nos anos anteriores estava a cargo das prefeituras (Ayuntamientos), passou ao governo nacional, juntamente com responsabilidade de reconstruir os danos causados pela guerra. Nessa época, os instrumentos de planejamento e os tipos de habitação sofreram uma racionalização progressiva, para obter o maior número possível de moradias e uma maior eficiência:

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A cerca construída por Felipe IV rodeou a cidade de Madri entre 1625 a 1868. Ela foi construída para substituir a anterior de Felipe II, que havia sido superada pelo crescimento da cidade.

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En este proceso de experimentación, a medida que la demanda se revela mayor que la capacidad de actuación, la calidad de la vivienda fue disminuyendo en favor de soluciones más económicas y las localizaciones se hicieron en lugares periféricos, donde el coste de la expropiación resultaba más económico. (MARTÍN, p.110, 2012)

Observamos na passagem acima certa similaridade com a realidade brasileira, em relação à baixa qualidade das habitações e localização periférica.

Também foi comum nessa época a modalidade de autoconstrução, caracterizado por padrões mínimos de qualidade e salubridade.

Durante a década de 40, foram criados organismos para reconstruir as cidades e enfrentar a questão da habitação. O INV (Instituto Nacional de Vivienda) criado em 1939 inaugurou o regime de habitação social (Vivienda Protegida) no país.

Foi aprovado também, um programa nacional de habitação em 1944, com o objetivo de proporcionar quase 1.400.000 novas moradias para o período de 1944-1954. A metade era de nova construção, enquanto que o restante era de renovação e substituição do parque existente. Em 1946 foi aprovado o Plano Geral de Madri (Plan General de Madrid), também relacionado a esse conjunto de leis e programas de habitação. Segundo López de Lucio (2004), este plano pode ser considerado o primeiro documento de “estrutura e zonificação”. Apesar do documento não entrar em detalhes sobre traçado, alinhamento e zoneamento, deixando essa tarefa para os Projetos Parciais posteriores (Proyectos Parciales), foi um primeiro passo para a futura Lei de uso do solo (Ley del Suelo) de 1956.

A aprovação dessa Lei de uso do solo implantou a figura instrumental do Plano Parcial (Pan Parcial), no qual a iniciativa privada também poderia assumir o controle da transformação do solo urbano.

A junção desse fato, juntamente com a recuperação econômica após a guerra que gerou um novo fluxo migratório para Madri, resultou na configuração da cidade de distintas maneiras. Ao norte, foi marcada por construções de luxo dirigidas a classe média e alta e na periferia caracterizada por uma mescla de construções públicas de habitação social, construções privadas para a classe trabalhadora e favelas.

Em 1957 foi criado o Ministério da Habitação (Ministerio de la Vivienda), ao qual o INV e também outros organismos criados nesse período foram incorporados. O objetivo era evitar a

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desorganização pela excessiva distribuição de competências e desenvolver o II Plano Nacional de Habitação (II Plan Nacional de la Vivienda), aprovado em 1955, com a previsão de 550.000 novas moradias para o período de cinco anos.

Em Madri se aprovou o Plan de Urgencia Social em 1957 para solucionar o problema habitacional na cidade, este plano contava com a participação da iniciativa privada para que o custo não fosse totalmente assumido pela iniciativa pública. Dentro deste plano estavam incluídos os programas: Poblados Dirigidos e posteriormente os Poblados Mínimos de Absorción.

Segundo Terán (1969), nota-se na forma desses bairros certa flexibilização do racionalismo estrito que influenciou a cidade no início dos anos 30, por exemplo, o traçado viário adaptado à topografia e a disposição das edificações sem a rigidez dos alinhamentos estritamente paralelos entre si.

Período de 1960-1976

Durante esse período, a crescente mecanização da agricultura gerou uma nova onda de crescimento demográfico nas cidades. Com a redução da necessidade de mão de obra no campo, os trabalhadores buscaram novas possibilidades de trabalho nas cidades. Nesse contexto, a população de Madri passou pelas maiores taxas de crescimento, chegando a 3.228.057 habitantes em 1975 (Gráfico 04).

Em 1961 foi aprovado o III Plan Nacional de Vivienda, o mais ambicioso até o momento. O plano estimou a superfície de solo necessária para atender o déficit habitacional considerando a densidade de 500 hab/ha.

Ao avaliar este plano, Moya (1983) aponta três fatores que impossibilitaram que ele tivesse êxito:  Não estava relacionado aos planos de desenvolvimento econômico;

 O Estado atuou de forma direta, enquanto que os planos de desenvolvimento que incentivaram a iniciativa privada tiveram melhores resultados;

 As previsões de crescimento das cidades não foram certeiras.

Outro documento que também regulou o crescimento da cidade de Madri nesse período foi o Plan General de Madrid, aprovado em 1963. Nele apareciam decisões sobre o traçado viário, usos e tipos edificatórios e de configuração do espaço verde.

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A configuração dos bairros construídos nesse período pela iniciativa pública em Madri esteve condicionada pela densidade definida no III Plan Nacional de Viviendas (de 500 hab/ha). Segundo Terán (1969), essas áreas obtiveram uma “fisionomia peculiar endurecida” para alcançar essas densidades. Ao final da década, com a incorporação de áreas reservadas para estacionamento de veículos, a densidade original foi descartada adotando valores médios em torno de 250 hab/ha.

Segundo López de Lucio et al. (1995), nas áreas construídas no período de 1950 a 1980, foi típico a difusão e vulgarização do ideal racionalista do Movimento Moderno. Essas experiências foram configuradas principalmente por unidades fechadas (voltadas para si mesmo, sem relação com o entorno “autocentradas”), esquemas de hierarquização viária, predomínio de espaços abertos e verdes, assim como a utilização massiva da tipologia em bloco e a busca por condicionantes de iluminação e ventilação nas composições volumétricas.

Um exemplo dessas experiência foi o Poblado Dirigido de Fuencarral (Figura 09), construído no período de 1958 a 1960 e projetado por José L. Romany Aranda. O projeto previa a mescla de blocos com casas unifamiliares.

Figura 09 – Poblado Dirigido Fuencarral, exemplo de experiência habitacional realizada no período de 1958 a 1960 em Madri

Fonte: ESTEBAN MALUENDA, 1999

Período de 1976-1985

Em 1975 foi aprovada uma nova lei de uso e ocupação do solo (Ley del Régimen del Suelo y Ordenación Urbana), a qual, segundo Moya (1983), aplicou um regime de habitação mais liberal

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(distanciando-se de um enfoque anterior paternalista), assim o Estado passou a atuar apenas nos locais onde a iniciativa privada não chegava.

Um exemplo desse período foi o bairro Pozo del Tío Raimundo (Figura 10), situado na porção sudeste de Madri. A área era formada por uma grande concentração de favelas e habitações em situações precárias e experimentou uma forte intervenção urbanística a partir de 1979.

Essa lei instituiu duas categorias de solo urbanizado: Solo Urbanizável Programado (SUP - Suelo Urbanizable Programado) e Solo Urbanizável Não Programado (SUNP - Suelo Urbanizable No Programado)29.

Apareceram também as Normas Técnicas de Diseño y Calidad de las Viviendas Sociales, que incluíram entre outros elementos:

 O limite de 30% de HIS (VPO – Vivienda de Protección Oficial) evitando bairros exclusivamente para este fim e favorecendo a inclusão social;

 Distâncias fixas de equipamentos e comércios entre 250 e 1000m máximos para favorecer a escala do pedestre;

 Determinou uma distância máxima de 100m do acesso ao edifício até o sistema viário, em busca de revalorizar a rua.

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O SUP é o solo que aparece no Plan General Municipal, e é destinado a ser urbanizado no período de vigência do mesmo. Este solo será desenvolvido através da legislação dos Planes Parciales. Já o SUNP é um solo que poderá ser urbanizado se existir a necessidade de mais terrenos para o desenvolvimento urbano do município. Essa necessidade é julgada pelo próprio município através da aprovação de um Programa de Ação Urbanística (PAU - Programa de

Actuación Urbanística).

Figura 10 – Pozo del Tío Raimundo, exemplo de intervenção do Estado em Madri, imagem retrata o início da construção dos

primeiros edifícios de habitação social na área

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Período de 1985-2000

Com o fim da ditadura de Franco (1939-1975), teve início o período de democracia no país, no qual foi característico um processo de descentralização do governo central, passando algumas competências às administrações locais.

Em Madri, a estabilidade do crescimento demográfico (Gráfico 04) juntamente com a crise econômica e imobiliária do momento, colocou os grandes projetos de desenvolvimento do solo urbano do período anterior para um segundo plano. A cidade passou a atuar em ações dispersas, principalmente nas periferias originadas pelo crescimento do século XX.

O Plan General de Madrid aprovado em 1985 buscou um controle maior na configuração da forma urbana, dos espaços públicos e das edificações e tratou de reduzir a autonomia dos instrumentos de desenvolvimento, tais como, os Planes Parciales ou Especiais de Reforma Interior. Segundo Martí Arís (1995), a ideia do emprego de um novo modelo na formação de novas áreas periféricas era evitar a fragmentação urbana, desordem e ocupação aleatória, através dos mecanismos de regulação e ordenação.

O SUP e SUNP passaram a ser especificados e regulados através de diretrizes e parâmetros quantitativos, formando um conjunto de normas bem definidas. Além disso, a porcentagem de VPO (Vivienda de Protección Oficial) no Solo Urbanizável Programado chegou a 87% no Plan General de 1985.

Apesar de nos anos 70 surgirem algumas iniciativas30 em Madri com a experimentação de modelos urbanos relacionados à tradição do traçado urbano histórico (cascos históricos, ensanches), foi apenas nos anos 80 que ocorreu o fortalecimento de um novo paradigma de desenho, cujo traçado urbano e tipos edificatórios contrastam com as experiências das três décadas anteriores de 50 a 80 (LÓPEZ DE LUCIO et al., 1995). Observa-se o distanciamento de boa parte dos dogmas procedentes do Movimento Moderno, e a valorização dos conceitos clássicos de continuidade com a cidade histórica: como prolongação natural; a alta densidade edificatória; e a mescla de usos. Como alternativas ao bloco aberto observam-se as configurações volumétricas perimetrais, alinhadas aos eixos viários.

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Iniciativas dentro do programa Barrios en Remodelación do IVIMA, no período de 1977 a 1985. (O IVIMA -

Instituto de la Vivienda de Madrid - é um órgão que gerencia, coordena e executa programas habitacionais na escala

da Comunidade de Madri). Segundo López de Lucio et al. (1995) essas ações, do ponto de vista morfológico, podem ser classificadas como de transição do bloco aberto para as novas formulações.

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Um exemplo do surgimento desse novo modelo foi o PAU de Valdebernardo, definido pelo Plan General de 1985. Trata-se de um desenvolvimento com densidade de 56 habitação/ha (89 habitantes/ha), que se articula por dois eixos principais formados por boulevardes arborizados. Os equipamentos se distribuem ao longo desses eixos e também em um grande espaço ao leste do bairro. A malha urbana é formada por conjuntos de superquadras que agrupam seis quadras de 60x90m e 60x60m ao redor de áreas verdes (Figura 11). Segundo López de Lucio et al. (1995), o conjunto é uma clara intenção de reinterpretação das quadras clássicas (Ensanche Clásico).

Figura 11 – Representação da malha urbana de Valdebernardo (Madri) e seção das vias adjacentes

Fonte: López de Lucio et al., 1995

Por outro lado, para Martí Arís (1995), uma das principais limitações desse modelo foi realizá-lo tendo em vista os valores da cidade oitocentista, em vez de interpretar a realidade e os problemas da cidade atual, da experiência moderna e da própria cultura da periferia. Para ele, as tentativas de aplicar de maneira imediata os procedimentos compositivos clássicos em áreas periféricas, nas quais faltam a centralidade urbana e compacidade, geraram graves dificuldades, já que a realidade era outra.

Para López de Lucio (2013), a avaliação desse modelo requer uma avaliação cuidadosa, a grande diferença desses bairros com os do período entre 1860 a 1950 se dá principalmente pela localização periférica e falta de densidade.

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Es evidente que no han conseguido reconstruir la densidad de vida urbana, la animación, la calidez vital de los Ensanches históricos. Ni razonablemente se les podría exigir dada la situación real y las condiciones y localizaciones en que han aparecido. (LÓPEZ DE LUCIO, 2013, p.212)

Por isso, para ele, a pergunta é outra, é necessário comparar esse modelo com a experiência da década de 50 a 70 e avaliar se os problemas foram solucionados, se houve melhora na qualidade construtiva e superfície útil, assim como de equipamentos comunitários e públicos. Além disso, é necessário esperar certo tempo para observar como esses bairros ganham “maturidade” demográfica e funcional, já que após algum tempo muitos bairros constituem-se em áreas urbanas com vitalidade e até mesmo com paisagem urbana mais agradável devido ao crescimento da vegetação (árvores), aumento do número de moradores e desenvolvimento do comércio.

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