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4. ESTUDO I: Reconhecimento de emoções em música: validação de trechos musicais com

4.1 Introdução

A música, historicamente, está presente em todas as culturas conhecidas (Schellenberg, Peretz, & Vieillard, 2008). Ela está imersa no cotidiano tanto em contextos individuais quando sociais, a exemplo do cuidado parental, da comunicação entre mães e filhos e desenvolvimento do apego (Peretz, 2009; Creighton & Mused, 2014) ou das diversas religiões, esporte, lazer (Panda, Rocha, & Paiva, 2015).

A música é uma importante via de comunicação de emoções. Ela independe da linguagem verbal, apresentando significativo potencial de expressão através daquilo que não é articulado pela palavra (Laboissière, 2007). Reflexões sobre as relações entre música e emoção remontam a pensadores da Grécia antiga e os primeiros registros de estudos empíricos sobre o tema datam do século XIX (Panda et al., 2015). Entretanto, apenas recentemente este tema se consolidou na literatura científica, com a publicação do primeiro livro em 2001 (citado por Schellenberg et al., 2008). Darwin (1872/2004) afirmou que:

A música tem o incrível poder (...) de evocar de forma vaga e indefinida as mesmas fortes emoções que nossos ancestrais sentiam (...). Muitas das nossas fortes emoções – tristeza, grande alegria, amor, empatia – nos levam às lágrimas, não chega a surpreender que a música seja capaz de fazer os nossos olhos umedecerem. (p. 204- 205)

As pesquisas sobre reconhecimento de emoções são recorrentes na literatura científica, mas a música tem sido menos estudada em comparação às demais formas de expressão emocional (Lima & Castro, 2011). Este é um debate em ebulição na literatura. Alguns autores destacam o papel da estrutura musical de uma obra para a comunicação de emoções, atribuindo menor relevância às dimensões da história pessoal (Bigand, Vieillard, Madurell, Marozeau, & Dacquet, 2005). Ao mesmo tempo, há evidências de experiências ontogenéticas da percepção de emoções em música, tais como treino musical (Ramos & Bueno, 2012; Lima & Castro, 2011). Muitos pesquisadores defendem que emoções como alegria, medo e tristeza, entre outras, podem ser induzidas através da música. Atualmente, produções acadêmicas vêm indicando que “as respostas emocionais para a música dentro de uma cultura aparentam ser

altamente consistentes dentro da mesma e entre ouvintes, acurada, razoavelmente imediata e precisa” (Viellard et al., 2008, p. 721). A música é reconhecida, portanto, pelo potencial de evocar emoções, com evidências de capacidade para ativar circuitos cerebrais relacionados ao prazer e à recompensa (Gebauer et al., 2014).

A propensão a responder emocionalmente a música pode ser inata (...). O estudo das emoções musicais desempenha um papel crucial nesta perspectiva biológica. Na verdade, as emoções musicais são inerentes a experiências de música e podem ser responsável por sua onipresença. Assim, a compreensão da origem biológica das emoções musicais pode lançar luz sobre as raízes biológicas do processamento da música em geral (Peretz, 2009, p. 100)

Pesquisas sobre emoções básicas expressas por músicas, especialmente a tristeza, a alegria e o medo, vêm apontando que as respostas emocionais podem ser bastante consistentes e coincidentes entre as diferentes idades e apresentar uniformidades em diversas culturas (Fritz et al., 2009). Segundo Peretz (2009), indivíduos adultos precisam de menos de um quarto de segundo de exposição à música (um acorde ou poucas notas) para classificá-la como triste ou alegre. Fritz e colaboradores (2009) apresentaram trechos musicais ocidentais a indivíduos do povo Mafa procedente da África. Os participantes reconheceram expressões das três emoções básicas (alegria, tristeza e medo) expressas por músicas. Bodner (2014) estudou o reconhecimento de emoções (raiva, medo, tristeza, felicidade e serenidade) em improvisações musicais em diferentes culturas em Israel. Os participantes foram capazes de reconhecer emoções expressas através de instrumentos musicais diversos. Destacam-se também variações. Um dos grupos culturais estudados foi mais preciso na identificação de medo e músicas transmitidas por kazoo (instrumento de sopro). Ramos e Bueno (2012), em pesquisa realizada no Brasil sobre percepção de música erudita ocidental, encontraram que as músicas desencadearam emoções específicas nos ouvintes.

É importante ressaltar que, apesar da música ser um elemento universal na espécie humana, ela está relacionada aos contextos culturais nas quais se insere, apresentando grande diversidade nas diferentes culturas. Laboissière (2007) considera que os valores musicais não são absolutos, mas produtos culturais que gozam de autoridade dentro de uma determinada cultura. Portanto, as experiências musicais de cada indivíduo são relevantes para a compreensão das emoções e preferências musicais. Pesquisas indicam que as experiências anteriores interferem nas respostas emocionais à música em adultos (Ramos & Bueno, 2012;

Lima & Castro, 2011; Vieillard et al., 2008). Estudos demonstram diferença na acurácia de identificação de emoções entre músicos e não músicos, observando-se maior concordância em relação às emoções expressas em grupos com treino musical (Ramos & Bueno, 2012; Lima & Castro, 2011; Vieillard et al., 2008). Lima e Castro (2011) encontraram, ainda, mudanças relacionadas à idade no que se refere à percepção de emoções em música. Indivíduos com maior idade foram menos responsivos a músicas com valência negativa, a exemplo de tristeza e medo. No entanto, o reconhecimento de valências positivas, como alegria e serenidade, foi estável no decorrer da vida adulta e envelhecimento. Há evidências ainda de que preferimos músicas familiares a músicas não familiares (Peretz, Gaudreau, & Bonnel, 1998). Ramos e Bueno (2012) sugerem que podem existir mecanismos que regem o processamento cognitivo de respostas emocionais de indivíduos ocidentais à música de sua própria cultura. O primeiro mecanismo se relaciona às respostas emocionais comuns, tendo por base a estrutura da peça, o segundo aponta para as diferenças individuais e o terceiro para a expertise musical.

Lisboa (2008) e Vieillard et al. (2008) ressaltam dois aspectos relevantes para a demonstração de emoções em música: expressividade da performance musical e estruturas musicais. A expressividade musical está relacionada à combinação e variação de elementos de dinâmica (variação de intensidade) e agógica (variação no andamento) correlatas às marcações na partitura ou recriados pelo performer no tocante à execução de frases, períodos, articulações e delineamento das seções no âmbito da forma musical. As mudanças de caráter (andamento) entre as seções da música, os tipos progressivos ou conclusivos de cadências na relação harmônica entre tensão e resolução, possibilitam um rico substrato para o processo interpretativo musical, viabilizando assim variadas evocações e comunicações emocionais na relação entre o intérprete e o público (Juslin & Persson, 2002).

A literatura descreve aspectos da estrutura musical responsáveis pela expressão das emoções básicas de alegria, tristeza e medo. No repertório ocidental, por exemplo, as músicas comumente percebidas como alegres têm como característica um andamento rápido (aproximadamente 120 b.p.m7) e são compostas em modo maior8, em contraste, as tristes têm um andamento mais lento (60 b.p.m) e são compostas em modo menor (Schellenberg et al., 2008; Vieillard et al, 2008). Ao mesmo tempo, estudos recentes indicam que as diferenças

7O andamento refere-se à velocidade da peça musical e é mensurado em batidas por minuto (b.p.m.) 8

O modo diz respeito à tonalidade na qual a música é baseada (maior ou menor). Na música ocidental temos 12 modos menores e 12 modos maiores (Ex: A maior, A menor, A# maior, A# menor, B maior, B menor, etc).

entre modo menor e maior em música estão relacionadas à prosódia e à expressão de emoções correspondentes na fala (Bowling, Sundararajan, Han, & Purves, 2012).

As músicas que expressam medo podem ter o andamento rápido (96 a 172 b.p.m.), sendo compostas em modo menor e contendo intervalos de terças e sextas (Gosselin et al., 2005). Reações emocionais negativas são associadas também, de forma consistente, à dissonância em música (Peretz, Blood, Penhune, & Zatorre, 2001). Harmonias estruturadas com consonância são geralmente associadas ao prazer, alegria ou relaxamento (Panda et al., 2015).

Vieillard e colaboradores (2008) compuseram e validaram em uma amostra canadense 56 trechos musicais que visavam a expressar emoções de alegria, tristeza, medo e serenidade. Os mesmos tiverem por objetivo disponibilizar um instrumento para pesquisas sobre emoções em música. Os compositores enfatizaram a estrutura musical, incluindo andamento, modo, dissonância, em contraponto à performance e à expressividade musical, envolvendo ataques e dinâmicas, que também estão relacionadas a propriedades expressivas de emoção em música. Todos os trechos musicais evocaram emoções específicas e pretendidas pelos compositores. Os mesmos trechos musicais tem sido usado em outros contextos culturais, a exemplo do estudo desenvolvido por Lima e Castro (2011) em Portugal. Estes pesquisadores estudaram como o reconhecimento de emoções em música é alterado em função do envelhecimento. O presente estudo teve por objetivo validar os trechos musicais anteriormente descritos em contexto cultural brasileiro e analisar o efeito do treino musical formal prévio na compreensão de emoções em música.