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Discussões sobre o entendimento da moral sempre chamaram a atenção tanto da sociologia, como da filosofia e da psicologia. No âmbito da filosofia, por exemplo, encontraremos a moral inicialmente entendida como a própria ética e, posteriormente, como um objeto da ética posto que é passível de análise por meio das condutas relativas as normas (ABBAGNANO, 2007).

Na filosofia, a preocupação inicial no que tange a moral se postulava sobre como a sociedade age segundo seus costumes, se essa conhece a origem, a causa, a finalidade e a validade desses. Procurava compreender as noções de bem e mal, de certo e errado, buscando, assim, o ideal do bem viver e da formação de um sujeito ético.

Conforme Chauí (2000), a filosofia moral, no Ocidente, teria se principiado com Sócrates e seus questionamentos à população sobre princípios, valores, conceitos e julgamentos que consideravam em suas ações. A autora ainda refere que se mostrava comum a confusão entre fatos e valores pelo povo ateniense, exemplificando da seguinte maneira:

Por que os atenienses sentiam-se embaraçados (e mesmo irritados) com as perguntas socráticas? Por dois motivos principais: em primeiro lugar, por perceberem que confundiam valores morais com os fatos constatáveis em sua vida cotidiana (diziam, por exemplo, “Coragem é o que fez fulano na guerra contra os persas”); em segundo lugar, porque, inversamente, tomavam os fatos da vida cotidiana como se fossem valores morais evidentes (diziam, por exemplo, “É certo fazer tal ação, porque meus antepassados a fizeram e meus parentes a fazem”) (CHAUI, 2000, p. 437).

Mais do que agir de forma coerente com as normas postuladas pela sociedade, é preciso entender o por que seguimos as regras. Assim, carece-se de consciência e racionalidade em relação à moral. Desta forma, um julgamento de caráter moral deve considerar não apenas a conduta, mas também sua motivação e explicação lógica e fundamentada. Consoante Chauí (2000, p. 438), é considerado um sujeito ético moral “somente aquele que sabe o que faz, conhece as causas e os fins de sua ação, o significado de suas intenções e de suas atitudes e a essência dos valores morais”.

Aristóteles também contribuirá para discussão moral, inicialmente distinguindo o teorético da prática (práxis ou técnica), posteriormente reportando sobre a deliberação ou escolha em relação a possibilidades – aquilo que pode se transformar, por exemplo, uma conduta pode ser ou não ética, segundo nossa decisão e nossa vontade racionalizada – que se apresentam no campo da ética. Chauí (2000, pp. 439-40) expõe que

o sujeito ético ou moral não se submete aos acasos da sorte, à vontade e aos desejos de um outro, à tirania das paixões, mas obedece apenas à sua consciência – que conhece o bem e as virtudes – e à sua vontade racional – que conhece os meios adequados para chegar aos fins morais. A busca do bem e da felicidade são a essência da vida ética.

Em seus estudos sobre o sujeito e a verdade, principalmente no que tange ao cuidado de si, Michel Foucault (1999) descreve que o povo greco-romano acreditava que por meio desse cuidado, do auto-controle de seu próprio “eu” e de suas paixões, seria possível que o sujeito se conduzisse de maneira ética, contribuindo assim com os demais na sociedade. Somente os homens livres, que refletem sobre suas práticas, seriam capazes de certa governabilidade9. Dessa maneira, o cuidar de si era cuidar do próximo e, quizá, mediante as relações de poder10 existentes, guiá-lo a determinadas condutas morais.

Assim, na antiguidade, a ética se consolidou em torno do cuidado de si, fortemente “protegido” pelos filósofos, haja vista seu maior grau de reflexão sobre as condutas humanas. Foucault (1999) relata que era função da filosofia tecer críticas e advertências sobre os perigos que circundam as relações de poder inerentes ao cuidado de si e aos jogos de verdade. O pensador ainda finaliza sua discussão sobre o tema sintetizando o pensamento socrático por meio da afirmação “funda-te em liberdade, mediante o domínio de ti” (FOUCAULT, 1999, p. 415).

Chauí (2002) explica que, dentre os princípios da moral dos antigos, estava o entendimento de que o ser humano procurava fazer o bem e visava à felicidade em contraposição à concepção cristã de que o homem seria um ser, por natureza, egoísta, incapaz de promover o bem e que só adquiriria certo senso moral ao entrar em contato com a lei divina.

O ser humano, com o cristianismo, consolida a ideia de dever para com as regras, sendo Deus o único capaz de auxiliar o homem a extirpar suas paixões e controlar seus instintos. Enquanto a filosofia propunha uma análise da moral sob a perspectiva das ações, o cristianismo pregou a consideração também da intenção por trás da ação.

Foucault (1999) refere que o cristianismo ao mesmo tempo que, pela proposta de “salvação”, conduzia os homens à análise de si, incitava a abnegação do “eu” e a atenção maior ao outro (caridade). Por conta disso, a visão voltada para o cuidado de si foi distorcida como

9 Governabilidade como o uso de estratégias e técnicas que incitam o outro a querer e desejar agir de determinada

forma.

10 Foucault (1999) compreendia as relações de poder como capazes de produzir e transformar coisas e sujeitos.

Não há anulação do outro nas relações, mas necessidade do outro e de sua contraposição. Não existe poder sem pontos de insubmissão e sem um campo estruturado de possibilidades de escolha (liberdade) pelo sujeito. Relações de poder são distintas das relações de dominação.

sendo egoísta. Face a intuição de que o ser humano é naturalmente mau, somente regras exteriores poderiam conduzi-lo a salvação, carecendo de um ser superior a todos para ditar as normas.

Em contraposição a essa visão, teríamos a afirmação de Jean-Jacques Rosseau (Século XVIII) sobre a pureza inata das crianças, as quais seriam vulneráveis a corrupção pelo social. Para esse pensador, a consciência moral e o sentimento de dever comporiam o ser humano desde seu nascimento. Nessa linha de pensamento, “o dever simplesmente nos força a recordar nossa natureza originária e, portanto, só em aparência é imposição exterior” (CHAUÍ, 2002, p. 442).

Contudo, para Imannuel Kant (Século XVIII) o dever se faria necessário para que o homem, naturalmente mau, repleto de vícios e paixões, controlasse seus instintos. Para esse estudioso, a moral era pautada na razão, uma razão prática capaz de conceber normas e nos conduzir a ações embasadas em valores e finalidades bem estabelecidas. Essa razão é que geraria o sentimento de dever para além da aplicação da regra, pois implicaria em uma obrigação para consigo mesmo. Assim, o dever tampouco seria imposto, mas nasceria do próprio sujeito como em Rousseau, porém por caminhos diferentes.

Kant acreditava ainda que a Natureza intervinha sobre os homens sem autonomia, sem uma “lei moral interior” (CHAUÍ, 2002, p. 444), e que o dever concederia ao sujeito controle sobre si, tornando-o racional frente suas condutas. Expõe também sobre a existência de um imperativo categórico: “age em conformidade apenas com a máxima que possas querer que se torne uma lei universal” (CHAUÍ, 2002, p. 444).

Divergindo da ideia de um dever que se origina do sujeito, George Hegel (Século XIX) considerou que a cultura fortemente elabora, consolida e impõe as leis que regem as condutas humanas, gerando o sentimento de dever a partir de uma vontade objetiva11 e não mais apenas subjetiva. Em sequência, Henri Bergson (Século XX) também vislumbrou um estudo da moral no tocante a cultura, tendo designado duas morais: fechada, na qual as vontades objetiva e subjetiva se encontram em equilíbrio; aberta, correspondendo a um desequilíbrio entre as vontades (repressão) e ocasionando a necessidade de rompimento com as normas atuais.

Enquanto isso, Friedrich Nietzsche (Século XIX) nos fará refletir sobre o quanto a repreensão se funda na e pela tentativa de normatizar e designar como viciosos ou maus e virtuosos ou bons os seres humanos que apenas respeitam sua própria natureza, sua força vital. Conforme disposto por Chauí (2002, p. 453), Nietzsche entende que “transgredir normas e

11 Vontade objetiva é aquela que surge da sociedade, das instituições ou dos grupos; aquilo que o coletivo considera

regras estabelecidas é a verdadeira expressão da liberdade e somente os fortes são capazes dessa ousadia”.

Entre os que se ocuparam de discutir a moral relativamente ao social, é preciso destacar o sociólogo Émile Durkheim, para quem o fato moral é compreendido como um sistema de regras que nasce do social, por haver um sentimento de obrigação (dever) movido pela “desejabilidade” (DURKHEIM, 2004, p. 48) do indivíduo de atender as normas socialmente estabelecidas e que visam a constituição de um sujeito ético. Contudo, apesar da desejabilidade, o sujeito faz grande esforço para alcançar a moral socialmente criada.

O impulso, mesmo entusiasta, com o qual podemos agir moralmente, nos lança para fora de nós mesmos, nos eleva acima de nossa natureza, o que não se dá sem sacrifício, sem contentação. É a esse desejável sui generis que se dá usualmente o nome de bem (DURKHEIM, 2004, p. 48).

É relevante destacar a ideia de que não existe uma moral única, mas diferentes morais, haja vista que essa pode ser oriunda de grupos distintos de uma mesma sociedade. Para Durkheim (2004), um ato só é moral quando consideramos o outro como a finalidade da ação. O que nos liga a outrem é um fim superior: a civilização.

Ainda no campo do social, o etnólogo Raymond Firth (1974) afirma que a moral é criada, regulada e julgada por uma sociedade específica. Um sistema moral é formado de padrões, condutas e julgamentos que são legitimados. Os padrões morais vão sendo aceitos de acordo com sua justeza e não se impõe como se fossem pré-existentes.

Firth concorda com Durkheim quanto a desejabilidade dos indivíduos em corresponder ao que a sociedade espera deles. Esse pensador ainda explica que

a conduta de um indivíduo tende a ser guiada, então, não somente pelos julgamentos reais emitidos por outras pessoas e por suas expectativas de que julgamentos semelhantes continuarão a ser emitidos, mas também por suas próprias avaliações e pelo seu reconhecimento da validade de como os outros julgariam se estivessem numa posição que os permitisse fazê-lo (FIRTH, 1974, p. 208).

Nesses campos diversos de discussão da moral, cabe-nos também abordar sobre as teorias psicológicas e seu entendimento sobre o tema. Teorias freudianas iniciais e de aprendizagem social colocaram que a punição e a recompensa aplicada pelos pais eram relevantes para o desenvolvimento moral. Contudo, enquanto a psicanálise freudiana se deteve no entendimento do id, ego e superego no campo da moral, a aprendizagem social se voltou para os processos que envolvem recompensa, punição e imitação.

Na teoria freudiana, o período de maior importância para incorporação de valores morais é entre os 6 ou 7 anos (THOMAS, 1986), antes disso, tudo partiria do social. Como os pais não

educam da mesma forma, por óbvio, a maneira de enfrentar dilemas morais variaria entre os indivíduos assim como as reações emocionais.

Dessa forma, é pertinente considerar o papel do ego no desenvolvimento moral como motivador do indivíduo a imitação do outro, no afã de ser como esse, e a árdua tentativa de ganhar a admiração dos pais – entendidos como “modelos superiores”. Os psicanalistas acreditam que não nascemos com valores morais, mas que os desenvolvemos a partir do conhecimento do certo e do errado em um contexto social.

Na teoria cognitivo-comportamental, almejou-se compreender o raciocínio moral e o emprego de conceitos como tomada de perspectiva, reciprocidade, desequilíbrio cognitivo, construção progressiva e co-construção (HOFFMAN, 2000).

Enquanto isso, a teoria sobre desenvolvimento emocional e motivacional procura analisar conceitos como identificação parental, ansiedade por perda de amor, empatia, simpatia, culpa e internalização moral (HOFFMAN, 2000). Vê-se forte interesse, pois, no estudo de caracteres afetivos em relação à moral. Hoffman (2000), por exemplo, empenha-se em entender como a empatia contribui com a justiça, com o cuidado e com o julgamento moral.

O autor acredita que há estágios de desenvolvimento moral e que cada nível combina os ganhos dos estágios anteriores, tal como pensa Jean Piaget. Hoffman (2000) considera a cognição importante para o desenvolvimento da empatia e procura avaliar as ações humanas através de dilemas morais (questões): espectador inocente; transgressor; transgressor em potencial; múltiplos requerentes morais (multiple moral claimants) entre os quais um é compelido a fazer uma escolha; cuidado versus justiça.

Em virtude de já termos introduzido neste diálogo um autor que aborda tanto a empatia quanto a cognição, podemos agora dar andamento a conversa versando sobre estudiosos do desenvolvimento moral, como Lawrence Kohlberg e Jean Piaget.

Kohlberg visava a construção de uma sequência invariante e de categorias gerais para os estágios da moral. Biaggio (2002) discute que teorias como psicanálise, behaviorismo e sociológica viam a moral como algo que se impõe do externo para o sujeito e, enquanto isso, Kohlberg enxergava a criança como um “filósofo moral” (BIAGGIO, 2002, p.11). Por isso, propôs uma teoria construtivista, a partir da qual a criança desenvolveria a moral.

Diferentemente de Kohlberg, Jean Piaget, também construtivista, procurou caracteres comuns da moral entre os indivíduos e não se propôs a estabelecer categorias gerais e enquadrar indivíduos as mesmas, haja vista que os sujeitos são diferentes e seus julgamentos se alteram por diferentes fatores. Para Piaget, o social permitirá o desenvolver da cognição dos sujeitos,

tanto para heteronomia quanto para autonomia em relação às regras. Isso ocorreria por haver relações unilaterais e de cooperação que se estabelecem por meio do social.

Contrariando Durkheim, Piaget entende que o “bem” partiria de um equilíbrio ideal entre as relações de parte e todo, de indivíduos e sociedade, portanto, justifica-se a ideia de cooperação por ele postulada. Não nos estenderemos na discussão sobre Piaget por ser o subtítulo que segue exclusivo para destacarmos os pontos importantes de sua teoria sobre a moral.

Finalizamos esse diálogo sobre a moral trazendo o entendimento de Lourenço e César (1991, p. 187) sobre as pesquisas relativas à moral:

dada a riqueza teórica do constructo de raciocínio moral bem como o seu potencial educacional, cada vez mais a investigação moral vai ocupando uma posição invejável no domínio clínico (Joyce-Moniz, 1990), educacional (Power, Higgins & Kohlberg, 1989) e desenvolvimentista (Kohlberg, 1984; Turiel 1983).

Prosseguiremos, após esse breve histórico, indicando o autor base da nossa discussão e apresentando uma síntese sobre seu entendimento da moral.

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