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SEMÂNTICA E METÁFORA NA LINGUAGEM OBSCENA

2.2. Introdução sobre metáforas

As alterações de sentido são objeto de estudo desde a Antiguidade, marcadas pelas figuras de palavras. Os gramáticos latinos dividiam-nas em catorze: a metáfora, a sinédoque, a metonímia, a antonomásia, a catacrese, a onomatopéia, a metalepse, o epíteto, a alegoria, o

enigma e a ironia, por sua vez subdividida em perífrase, hipérbato e hipérbole. Os tipos básicos das mudanças de sentido são a sinédoque, a metonímia e a metáfora. Iniciemos, então, nosso estudo sobre uma das figuras de linguagem que atuam mais fortemente no nosso léxico pesquisado: as metáforas. Antes de pensarmos com afinco nelas, é relevante mencionar que elas atuam, em princípio, na mudança de significados ou no seu enriquecimento.

Para defini-la, pontuamos que tem havido pouco espaço para seu estudo. A questão da metáfora não pode ser tratada como secundária pelos estudos lingüísticos, isso pois a língua que empregamos cotidianamente é, em grande parte, metafórica. Todavia, as metáforas, de tão comuns na língua, muitas vezes não são nem ao menos percebidas pelos falantes.

Desejamos resgatar, ainda que sem muita profundidade, a importância do exame dessa figura de linguagem (ou figura de palavras) tão enraizada em nosso cotidiano.

Segundo Müller:

O homem, quisesse ou não, foi forçado a falar metaforicamente, e isto não porque não lhe fosse possível frear sua fantasia poética, mas antes porque devia esforçar-se ao máximo para dar expressão adequada às necessidades sempre crescentes de seu espírito. Portanto, por metáfora não mais se deve entender simplesmente a atividade deliberada de um poeta, a transposição consciente de uma palavra que passa de um objeto a outro. Esta é a moderna metáfora individual, que é um fruto da fantasia, enquanto que a metáfora antiga era mais freqüentemente uma questão de necessidade e, na maior parte dos casos, foi mais a transposição de uma palavra levada de um conceito a outro do que a criação ou determinação mais rigorosa de um novo conceito, por meio de um velho nome. (MÜLLER, 1873, p. 368, apud CASSIRER, 1972, p. 103-104)

Por esse motivo expressam José Antonio Millán e Susana Narotzky, na introdução de Lakoff e Johnson (2004), que em qualquer língua existem inúmeras metáforas para expressar aspectos culturais e, algumas, próprias apenas de certa língua. “Nós chegamos à conclusão de que a metáfora, ao contrário, impregna a vida cotidiana não somente a linguagem, mas também o pensamento e a ação. Nosso sistema conceptual mais simples, no qual pensamos e

atuamos, é fundamentalmente de natureza metafórica”22 (LAKOFF; JOHNSON, 2004, p. 39, tradução nossa).

Cassirer indica que

ora a autêntica fonte da metáfora é procurada nas construções da linguagem, ora, na fantasia mítica; ora, é a palavra que, por seu caráter originariamente metafórico, deve gerar a metáfora mítica e prover-lhe constantemente novos alimentos, ora, ao contrário, considera-se o caráter metafórico das palavras tão-somente um produto indireto, um patrimônio que a linguagem recebeu do mito e que ela tem como um feudo dele. (CASSIRER, 1972, p. 102)

Para esse autor, a metáfora é a substituição da denotação por um conteúdo de representação, utilizando-se um conteúdo análogo.

Neste caso, ocorreria na metáfora uma genuína ‘transposição’; os dois conteúdos, entre os quais ela vai e vem, apresentam-se com significados por si determinados e independentes, e entre ambos, considerados como pontos estáveis de partida e chegada, como terminus a quo e terminus ad quem já dados, há lugar agora para o movimento da representação, que leva a transladar de um para outro e a substituir, conforme a expressão, um pelo outro. (CASSIRER, 1972, p. 104-105)

Confirma-se que nesse sentido é que se afirma que as metáforas constroem realidades, pois as similaridades que estabelecem passam a ser reais para a cultura que as adota. Elas estruturam nossa realidade atual. Novas metáforas têm o poder de criar novas realidades. “Quando uma nova metáfora é acolhida no nosso sistema conceitual, ela modifica esse sistema e, por esse mesmo fato, o que é real para nós” (KNEIPP, 1990, p. 57).

Entendemos, portanto, que a metáfora é a união de um significante a um significado secundário, vinculados por alguma semelhança com o significado primário. Também é

22“Nosotros hemos llegado a la conclusión de que la metáfora, por el contrario, impregna la vida cotidiana, no

solamente el lenguaje, sino también el pensamiento y la acción. Nuestro sistema conceptual ordinario, en términos del cuál pensamos y actuamos, es fundamentalmente de naturaleza metafórica” (LAKOFF; JOHNSON, 2004, p. 39).

esclarecedora a colocação de que a “essência da metáfora é entender e experimentar alguma coisa em lugar de outra”23 (LAKOFF; JOHNSON, 2004, p. 41, tradução nossa).

Lopes nos relata que, na “Retórica Antiga[,] definia-se a metáfora como uma comparação abreviada, elíptica, concebida nos termos de uma figura do plano de conteúdo (um metassemema) resultante de uma comparação entre dois termos (...)” (LOPES, 1986, p. 24-25). E é isso o que comumente se explica por metáfora: uma comparação em que o elemento como está oculto, uma comparação modificada e que, portanto, pode dar à frase outros significados, além daqueles que já expressa sem conteúdo metafórico.

Ainda segundo Cassirer, “podemos entender a metáfora, no sentido geral, não como uma determinada tendência na linguagem, devendo antes considerá-la como uma condição constitutiva, de modo que, para compreendê-la, somos novamente remetidos à forma fundamental da conceituação verbal” (CASSIRER, 1972, p. 112). Desse mesmo modo pensam Lakoff e Johnson (2004) ao averiguar que as metáforas atuam nos pensamentos humanos:

A afirmação mais importante que fizemos até agora é de que a metáfora não é somente uma questão da linguagem, isto é, de palavras meramente. Sustentamos que, ao contrário, os processos do pensamento humano são em grande parte metafóricos. Isto é o que queremos dizer quando afirmamos que o sistema conceptual humano está estruturado e se define de maneira metafórica. As metáforas como expressões lingüísticas são possíveis, exatamente, porque são metáforas no sistema conceptual de uma pessoa.24 (LAKOFF; JOHNSON, 2004, p.

42)

23“esencia de la metáfora es entender y experimentar un tipo de cosa en términos de otra” (LAKOFF;

JOHNSON, 2004, p. 41).

24“La afirmación más importante que hemos hecho hasta ahora es que la metáfora no es solamente una cuestión

del lenguaje, es decir, de palabras meramente. Sostenemos que, por el contrario, los procesos del pensamiento humano son en gran medida metafóricos. Esto es lo que queremos decir cuando afirmamos que el sistema conceptual humano está estructurado y se define de una manera metafórica. Las metáforas como expresiones lingüísticas son posibles, precisamente, porque son metáforas en el sistema conceptual de una persona” (LAKOFF; JOHNSON, 2004, p. 42).

Os autores supramencionados acrescentam que não se pode entender nem representar uma metáfora de maneira correta, desconsiderando sua base na experiência cotidiana. As metáforas “podem nos proporcionar uma nova compreensão da nossa experiência. Podem dar novo significado às nossas atividades do passado, assim como às atividades cotidianas e ao que sabemos e cremos”25 (LAKOFF; JOHNSON, 2004, p. 181, tradução nossa). Elas destacam certos aspectos e ocultam outros. Kneipp resgata a opinião dos autores supracitados:

Se tudo o que percebemos, o modo como nos comportamos e nos relacionamos com as outras pessoas, se tudo isso é conformado por nossos conceitos, e se o sistema conceitual, como o afirmam Lakoff e Johnson, é em grande parte metafórico, também o são, não só a maneira como pensamos e o que experimentamos mas também a nossa atividade diária. (KNEIPP, 1990, p. 57)

De acordo com Lakoff e Johnson (2004) muitas de nossas atividades, como discutir ou resolver problemas são de natureza metafórica. São os conceitos metafóricos dessas atividades que estruturam nossa realidade. É assim que atuam as metáforas novas, criando uma nova realidade. Isto se dá quando entendemos nossa experiência com base numa metáfora. Muitas trocas culturais surgem na introdução de conceitos metafóricos novos e na perda dos antigos. Os aspectos humanos da realidade variam de uma cultura para outra, pois diferentes culturas apresentam distintos sistemas conceptuais, os quais dependem dos ambientes físicos em que se desenvolveram. Logo, a realidade social estabelecida por uma cultura afeta a concepção da realidade física. O que se constitui como algo real para uma pessoa é um produto de sua própria realidade social. A metáfora é, sem dúvida, um elemento muito significativo para definir o que é real para cada indivíduo.

25“pueden proporcionarnos una nueva comprensión de nuestra experiencia. Pueden dar nuevo significado a

nuestras actividades pasadas así como a las actividades cotidianas, y a lo que sabemos y creemos” (LAKOFF; JOHNSON, 2004, p. 181).

Para Lopes, o processo de criação de metáforas tem base parafrástica, ou seja, é composta de paráfrases:

significar, na acepção de conferir sentido, é construir paráfrases. Assim, a significação ocorre unicamente quando utilizamos palavras de um metadiscurso para falar de outras palavras de um discurso-objeto, dizendo, com aquelas, o que é que estas últimas significam: o sentido de um discurso enunciado é uma metalinguagem de discurso parafrástico dele. (LOPES, 1986, p. 28, grifos do autor)

No glossário de Lopes encontramos a seguinte definição do que seria paráfrase: uma reescrita “do plano de conteúdo de dado segmento discursivo por meio de outro segmento discursivo que, apesar de apresentar outro plano de expressão (de maior ou menor dimensão), transmite uma informação equivalente à comunicada pelo segmento reescrito” (LOPES, 1986, p. 108).